quinta-feira, 31 de julho de 2008

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Balanço do grupo móvel: mais de 30 mil libertados desde 1995

De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 2.269 pessoas foram libertadas em ações de combate à escravidão no 1º semestre de 2008. Apesar da repressão, trabalho escravo continua sendo uma realidade no país

Por Maurício Hashizume*

Dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), nesta terça-feira (29), dão conta de que o grupo móvel de fiscalização do governo federal libertou 2.269 trabalhadores de condições análogas à escravidão nos seis primeiros meses deste ano. Com isso, o número de trabalhadores libertados desde 1995 chegou a 30.036. Em 2007, foi batido o recorde de libertações registradas em apenas um único ano: 5.999 pessoas.

De acordo com o balanço da pasta, 96 fazendas foram fiscalizadas em 54 operações de janeiro a junho de 2008. As equipes - compostas de auditores fiscais do Trabalho, procuradores do Trabalho e agentes da Polícia Federal (PF) - vasculharam propriedades rurais distribuídas em 14 estados do país. Ao todo, o MTE contabilizou o pagamento de R$ 3,5 milhões em indenizações trabalhistas para as vítimas desse tipo de exploração criminosa.

A servidão por dívida continua sendo uma das formas mais comuns de trabalho escravo contemporâneo, salienta Marcelo Campos, coordenador nacional do grupo móvel. "Como ele [o trabalhador] acredita que deve ao patrão, trabalha para quitar essa dívida que nunca é saldada, pois a cada mês ele adquire mais despesas", descreve. O cerceamento da liberdade, o calote nos salários, as jornadas exaustivas de trabalho e as condições degradantes - alojamentos inadequados, não utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) e cobrança de despesas com comida e transporte - fazem parte do rol de infrações constantemente flagradas pela fiscalização.

O balanço do primeiro semestre confirma basicamente duas tendências, na visão do coordenador da campanha nacional de combate e prevenção ao trabalho escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), frei Xavier Plassat. A primeira diz respeito à recorrência de casos de trabalho escravo em estados como Pará, Maranhão e Tocantins, nas áreas de fronteira agrícola em volta da Amazônia, especialmente na atividade pecuária.

Levantamento paralelo feito pela CPT revelou que 58% dos casos de trabalho escravo fiscalizados até o último dia 9 de julho se deram na criação de gado bovino. Em segundo aparece o cultivo de cana-de-açúcar e de outras lavouras agrícolas, com 11% cada. "Houve 47 fazendas denunciadas no Pará e apenas 26 foram fiscalizadas", salienta Xavier, que reside em Araguaína (TO). A prevalência de casos na pecuária também pôde ser observada na última atualização da "lista suja", cadastro de quem explorou mão-de-obra escrava.

Ele diagnostica ainda algumas mudanças no número de libertados nas fazendas de pecuária fiscalizadas pelo grupo móvel. Em comparação com dados até 2003, houve uma queda da média de envolvidos que ficava entre 30 e 40 para a casa dos 20 trabalhadores. Na avaliação de Xavier, "gatos" (aliciadores de mão-de-obra) e fazendeiros têm utilizado "operações relâmpago" - sem melhorias significativas de condições de trabalho, mas com menos gente e sem causar muito alarde - para tentar burlar a fiscalização.

"Essa prática coincide com a lógica da MP [medida provisória] 410, que dispensou a assinatura de carteira para empreitadas rurais de até dois meses e já virou lei", adiciona o coordenador da "Campanha de Olho Aberto para Não Virar Escravo", mantida pela CPT e por outras entidades de base. Informações mais precisas sobre o tempo de duração do trabalho em casos de escravidão poderão ser aferidos a partir de dados relativos ao seguro-desemprego liberado para os trabalhadores depois das fiscalizações.

O balanço semestral do MTE mostra ainda, de acordo com Xavier, a tendência de libertações envolvendo uma grande quantidade de pessoas em regiões da Região Centro-Oeste e na Região Nordeste - especialmente Alagoas. As usinas de cana-de-açúcar do estado alagoano foram objeto de uma devassa de força-tarefa encabeçada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e o próprio grupo móvel intensificou ações em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

"A fiscalização está chegando em lugares que normalmente não ia. E está encontrando muitos problemas. Há muito tempo denunciamos que a situação em Alagoas era grave", coloca o integrante da CPT, que faz parte da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). No Mato Grosso do Sul, por exemplo, houve uma mobilização da sociedade civil contra o trabalho escravo no início dos anos 90, que depois se enfraqueceu. "Nosso desafio é levar a campanha para essas outras regiões", acrescenta Xavier. "Mas não podemos correr o risco de dizer que o trabalho escravo hoje se concentra apenas na cana-de-açúcar. Isso está longe de ser verdade".

*Com informações da assessoria de imprensa do MTE.

Fonte: Site www.reporterbrasil.com.br de 29.07.2008

MST faz denúncias à ONU contra processo de criminalização

Para advogado que defende o MST, acusação de desrespeito à Lei de Segurança Nacional busca tipificar movimento como "organização criminosa" para reforçar posição de membros do Ministério Público Estadual do RS

Por Verena Glass

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outras 12 entidades de defesa dos direitos humanos encaminharam duas denúncias à Organização das Nações Unidas (ONU) contra o que consideram uma campanha de criminalização do MST pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. Protocolados na última segunda-feira (21), os documentos também desqualificam o processo de ordem política contra oito integrantes do movimento com base na Lei de Segurança Nacional (LSN). Os acusados devem ser ouvidos pela Justiça Federal na próxima terça-feira (29).

Segundo os advogados do MST, as acusações se baseiam em quatro artigos da LSN: Art. 16 (Integrar ou manter associação, partido, comitê, entidade de classe ou grupamento que tenha por objetivo a mudança do regime vigente ou do Estado de Direito, por meios violentos ou com o emprego de grave ameaça), Art. 17 (Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito), Art. 20 (Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas) e Art. 23 (Incitar à subversão da ordem política ou social; à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; à luta com violência entre as classes sociais; à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei).

A procuradora da República Patrícia Muxfeldt, autora da denúncia - aceita pelo juiz federal Felipe Veit Leal em 11 de abril - acusa os oito integrantes de crimes como a prática de "depredação e explosão por inconformismo político" e "propaganda da luta entre as classes sociais" na fazenda Coqueiros - área reivindicada para reforma agrária pelo MST em Coqueiros do Sul (RS).

À revelia dos réus e com a denuncia já acolhida, Patrícia Muxfeld, procuradora do Ministério Público Federal (MPF) em Carazinho (RS), solicitou que o processo tramitasse em segredo de justiça, o que, de acordo com os advogados, impede a divulgação e discussão públicas das acusações.

Para Aton Fon, advogado dos acusados, o segredo de justiça é inadmissível e tem como objetivo evitar que as estratégias da campanha de criminalização do processo, que visa atingir o MST por meio de seus militantes, sejam de conhecimento público. O processo com base na Lei de Segurança Nacional, avalia Aton Fon, tem como intuito tipificar o MST como organização criminosa ou terrorista, tese defendida por membros do Ministério Público do Estado.

Como consta no procedimento administrativo 16315-0900/07-9 do Conselho Superior do MP, relatado pelo procurador Gilberto Thums, o órgão afirmou que "cabe ao MP-RS agir agora: Quebrar a espinha dorsal do MST. O momento é histórico no país e se constitui no maior desafio já apresentado à instituição desde o pos-88: a defesa da democracia". "Para nós, está claro que a denúncia do MPF se baseia na estratégia do MP", diz Aton Fon.

Mesmo recuando sobre acusações como a ligação do MST com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs) - a própria Polícia Federal (PF) negou qualquer ligação entre as organizações -, o procurador Gilberto Thums afirmou em várias entrevistas que o MP considera o MST uma organização que representa ameaça à soberania nacional por suas posições políticas.

No procedimento administrativo relatado por ele, constam afirmações como a de que setores de inteligência "obtiveram informações da estratégia de atuação do movimento na região, que seria incentivada pelas FARC".

"O arrojado plano estratégico do MST, sob orientação de operadores estrangeiros como as FARC, é adotar nesta rica produtiva região do nosso Estado o método de controle territorial branco tão lucrativamente adotado pelas FARC na Colômbia (...). Análises de nosso sistema de inteligência permitem supor que o MST esteja em plena fase executiva de um arrojado plano estratégico, formulado a partir de tal ´convênio´, que inclui o domínio de um território em que o governo manda nada ou quase nada e o MST e a Via Campesina tudo ou quase tudo", adiciona o procurador.

Delírio

Para o jurista e professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Fabio Konder Comparato, enquadrar os militantes do MST na Lei de Segurança Nacional é um delírio. Segundo o jurista, a "integridade territorial" tratada na LSN é bem mais ameaçada pela compra de terras por estrangeiros do que pelas lutas sociais, que visam o cumprimento da função social da terra, prevista na Constituição.

De acordo com Fábio Konder Comparato, os ataques ao MST no Rio Grande do Sul são uma resposta do poder local às campanhas do movimento contra a venda de terras para plantio de eucalipto por papeleiras estrangeiras, como a sueco-finlandesa Stora Enzo, que já adquiriu grandes áreas nas faixas de fronteira (do Estado com países do Cone Sul), descumprindo restrições existentes na lei para a comercialização de áreas com essas características.


Além das denúncias na ONU, a defesa do MST estuda entrar com um habeas corpus para travar o processo, o que, na prática, levaria à sua extinção.

Movimentos denunciam onda que criminaliza lutas populares

No Rio Grande do Sul, o Ministério Público (MP) alterou ata de reunião em que foi sugerida a "dissolução" do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No Pará, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi condenado

Por Maurício Hashizume

A ata de uma reunião fechada do Conselho Superior do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul (MPE-RS), ocorrida em 3 de dezembro de 2007, registrou a decisão das autoridades do poder público de formar uma força-tarefa para "promover uma ação civil pública com vistas à dissolução do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra] e a declaração de sua ilegalidade". Combinada com prontas decisões da Justiça - que vem emitindo seguidas decisões no sentido de cercear a atuação política do MST e chegou a cassar o direito a voto de militantes camponeses - e ações truculentas da Brigada Militar - que direcionou o seu Serviço Secreto para vasculhar o movimento, reprimiu protestos e realizou despejos com violência -, os planos do MPE traduzidos na ata da reunião, em que foi proposta até a intervenção nas escolas do MST, foi repudiada publicamente por organizações da sociedade civil, partidos políticos, políticos e personalidades do país.
Em resposta, foi lançado um manifesto contra a criminalização do MST que repudia o ataque aos direitos civis e políticos de cidadãos brasileiros que não ocorriam "desde o término da ditadura militar". O documento defende o cumprimento de convenções internacionais e da Constituição Federal que, no Art. 5º, inciso XVII, garante a "liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar".

Nesta terça-feira (1º), o MPE-RS substituiu oficialmente a polêmica ata. Paralelamente, o procurador-geral da Justiça, Mauro Henrique Renner, veio a público nesta quarta-feira (2) para esclarecer que a instituição "em nenhum momento postulou a extinção ou a ilegalidade do MST, respeitadas a independência funcional e a liberdade de consciência de seus membros". Revelou ainda a autoridade que a ata expressara equivocadamente a manifestação de um dos membros como posição de todo o Conselho Superior e que a decisão de formar uma força-tarefa para investigar as ações do movimento serviram apenas "para vencer a tradicional atuação fragmentada (de um promotor de justiça restrito ao limite territorial de sua comarca) e realizar a análise global de uma série de atos com aparente coordenação".

No mesmo artigo que divulgou para esclarecer a sua posição diante dos acontecimentos, Mauro Henrique deixou transparecer, contudo, que o MPE-RS acolhe, sim, a idéia de que pelo menos parte do MST deva ser patrulhada. "Talvez fosse mais cômodo afetar a neutralidade ´politicamente correta´ diante dos conflitos acirrados. Mas a sociedade brasileira, assim como precisa do MST para dialogar e exigir direitos na questão agrária, necessita de um MP com coragem para levar ao Poder Judiciário uma hipótese que é, no mínimo, diante das investigações realizadas, razoável, isto é, que alguns setores do MST perderam o foco e estão desbordando de seus direitos constitucionais", argumenta o procurador-geral da Justiça. "Neste cenário, o MP tem o dever de levar ao Estado-Juiz os fatos, para que sejam decididos sob o império do direito. É de lembrar que desde 1996 o direito brasileiro exige intervenção do MP nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural".

Em decisão do último dia 9 de junho, o juiz Carlos Henrique Borlido Haddad, da Vara Federal de Marabá (PA), condenou o advogado José Batista Gonçalves Afonso, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a dois anos e cinco anos de reclusão. José Batista, na época assessor do MST e da Federação dos Trabalhadores Rurais do Pará (Fetagri), e Raimundo Nonato Santos da Silva, liderança desta última, foram responsabilizados criminalmente por ter mantido funcionários públicos em cárcere privado durante protesto realizado por camponeses sem-terra que ocuparam a sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Marabá, no dia 4 de abril de 1999.

Em entrevista à Repórter Brasil por telefone, o magistrado reafirmou o entendimento já exposto na sentença de que "é possível que [José Batista] não tenha incitado a invasão da sede do Incra pelos trabalhadores rurais e parece crível que não teria condições de controlar a multidão exaltada". Ou seja, o magistrado reconhece que não se pode afirmar categoricamente que a mobilização tenha sido motivada diretamente pela ação dos réus. No entanto, ele garante que "partiu deles [José Batista e Raimundo Nonato] a decisão por não libertar servidores e autoridades enquanto não atendidos os pleitos dos trabalhadores rurais", como descreve na decisão.

"Julgo o ato, não a vida das pessoas", comenta Carlos Henrique, que insiste na tese de que houve "colaboração" dos réus no "crime". A versão de quem participou da manifestação naquele dia 4 de abril de 1999 é outra. De acordo com eles, 10 mil trabalhadores rurais da Fetagri, do MST, da CPT e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), depois de permanecer 20 dias acampados, permaneceram do lado de fora do prédio aguardando a negociação da pauta de reivindicações pela reforma agrária. No final do dia, por volta das 22h, a multidão impaciente diante da ausência de resposta entrou no Incra e impediu a saída da equipe de representantes do governo federal até a manhã do dia seguinte. Na ocasião, José Batista e lideranças das organizações do campo teriam atuado não como "colaboradores", mas como mediadores do conflito.

Para o juiz, porém, o teor da condenação - que não admite a substituição da pena por serviços à comunidade, benefício concedido a outros réus envolvidos no mesmo caso que não chegaram nem a contribuir com a Justiça - é uma questão de "coerência", pois ele próprio já determinara a mesma punição para casos anteriores relativos à cárcere privado em condições semelhantes. Outros indiciamentos envolvendo o advogado da CPT teriam determinado, conforme explica Carlos Henrique, a reabertura deste processo que havia sido objeto de acordo para suspensão (por meio de proposta do Ministério Público, em 2002) pelo juiz que o antecedeu na Vara Federal de Marabá, Francisco Garcês Júnior. "Para os outros réus, não houve esse pedido de revogação de benefício de suspensão do processo porque não houve reincidência", declara.

José Batista Gonçalves Afonso recorreu da decisão e o processo ficará a cargo do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília. Um desembargador será sorteado para conduzir o caso e deverá intimar novamente os réus. José Batista interpreta a decisão como reflexo da situação tensa que caracteriza a região de Carajás - com disputas acirradas entre sem-terras, garimpeiros, fazendeiros e grandes empresas. "O Poder Judiciário não é muito simpático às causas populares", analisa.

"Vamos utilizar todos os recursos que a lei permite", antecipa a irmã Maria Madalena dos Santos que, assim como José Batista, faz parte da coordenação nacional da CPT. Para garantir o trabalho dos defensores de direitos humanos, recomenda Maria Madalena, é preciso que haja uma "mudança de postura dos Poderes da República, em especial do Judiciário". A criminalização dos movimentos sociais, reforça a religiosa, está se dando tanto no Norte quanto no Sul do país e se insere no contexto de expansão do agronegócio, com grandes empresas se apoderando cada vez mais de territórios. Ela avalia que a ofensiva do poder econômico visa "anular o contraponto".

Em nota, a CPT vincula o caso do advogado de Marabá (PA) a outros casos: perseguição de instituições do Estado com relação ao MST no Rio Grande do Sul; impunidade que premiou o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura (o "Bida"), acusado de ser o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang; julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que coloca em risco a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima; e paralisação das ações de reconhecimento de áreas quilombolas.

A sucessão de ocorrências que colocam militantes e organizações que lutam por direitos no banco dos réus parece uma tradução empírica dos escritos do já falecido sociólogo Octavio Ianni, um dos expoentes da "Escola Paulista de Sociologia", capitaneada por Florestan Fernandes. No Capítulo I (A Nação da Burguesia) da obra "Classe e Nação", de 1986, o pensador discorre sobre a conduta das elites da América Latina ao longo do século XX. "Ela própria [a burguesia] adota um discurso liberal, civilizado, parnasiano, em suas relações com a burguesia estrangeira e os setores sociais privilegiados das maiores cidades de seus respectivos países . Simultaneamente, é oligárquica, caudilhesca, autoritária, nas atividades internas, nas suas relações com os trabalhadores da cidade e do campo".

"A burguesia tem um peculiar compromisso com a nação. E mais peculiar ainda com a democracia. Em todos os países, os seus representantes podem fazer discursos em favor de liberdades democráticas, direitos humanos, prerrogativas do cidadão. Inclusive afirmam-se como defensores da democracia quando se acham em viagem pelo exterior; ou mesmo em suas câmaras, associações, clubes e salões. Mas alegam que os movimentos populares ultrapassam o limite do razoável, deixam-se levar por demagogos e carismáticos, ameaçam a paz social, a harmonia entre o capital e o trabalho, põem em risco a ordem e o progresso, a segurança e o desenvolvimento, provocam a dissolução social, colocam a turba no cenário da nação", provoca o sociólogo. E conclui: "A nação da burguesia não compreende a nação do povo. Os camponeses mineiros, operários e outras categorias sociais, ou índios, mestiços, negros, mulatos, brancos e outros, constituem uma espécie de nação invisível; aparentemente invisível".

Fonte: Site http://www.reporterbrasil.org.br de 25.07.2008

sábado, 26 de julho de 2008

Filme: "XXY" de Lucía Puenzo


Argentina/França/Espanha - 2007. Dir.: Lucía Puenzo. Distr.: Imovision - AA+
25/07/2008

AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco




Num vilarejo litorâneo do Uruguai, uma hermafrodita de 15 anos enfrenta o dilema de uma eminente metamorfose sexual. Relutante em prosseguir com a terapia hormonal recomendada, a protagonista (Inés Efron) viverá um conturbado romance com um rapaz argentino, filho, justamente, do cirurgião plástico que discute com sua família as possibilidades de uma operação. Passível de controvérsias, o tema (raro, senão inédito no cinema) ganha um tratamento tão sutil quanto politicamente correto - o que não chega a comprometer o realismo da trama. Dirigido pela estreante Lucía Puenzo, o filme recebeu 17 prêmios internacionais, incluindo o Goya de filme estrangeiro e 2 prêmios especiais na edição 2007 do Festival de Cannes.


Resumo do filme XXY de Lucia puenzo - Por Karolline Pacheco Santos

O filme XXY da cineasta argentina Lúcia Puenzo traz como enredo a questão da sexualidade através da história de Alex, um(a) jovem intersexual (vulgarmente chamados de hermafroditas, ou seja, que apresentam os dois órgãos sexuais) e que se vê constantemente em conflito com a idéia de optar por um dos sexos e gêneros; caso ainda mais agravado pela presença de um cirurgião e sua família, convidados pela mãe d@ jovem com a idéia de uma possível cirurgia de redesignação sexual, e sua relação com o filho do casal que aflora ainda mais seus desejos e dúvidas quanto à idéia de escolher um ‘lado’. Alex entra em um embate consigo e com as relações estabelecidas que são influenciadas pela sua situação, o dilema da sexualidade como identidade e o próprio preconceito por parte dos outros.

Mas o dilema de Alex traz o confronto daquilo que é freqüentemente aceito e que foi naturalizado, mas vem sendo problematizado, discutido fora da idéia de norma e da concepção de natural que foi atribuída às questões de sexo e gênero. Há uma tênue divisão entre sexo e gênero que precisa ser resgatada e repensada (e foi através de movimentos como o feminismo e de autores de linha pós-estruturalista), mas em si funcionam da mesma forma como “invenções sociais, que sublinha um dado biológico cuja importância, culturalmente variável, torna-se um destino natural e indispensável para a definição dos corpos. Isto significa que a materialidade do corpo existe, porém a diferença entre os sexos é uma atribuição de sentido dada aos corpos” (SWAIN, 2000, p. 50).

Seguindo autores como Butler, inclusive o sexo entra como discursivo além da noção de gênero e que define atribuições e papéis em uma estrutura binária que limita a própria manifestação plural do sujeito e funciona como um dos vários pontos de relações de poder e controle. Práticas interiorizadas transformadas em regimes de verdade que inserem nos corpos discursos definidores que relacionam sexo e gênero como identidades fixas; concepções de masculinidade, feminilidade e heterossexualidade são tidas como verdades e tudo que foge a essa esfera normativa de uma realidade construída é combatido essencialmente através de preconceitos “A história do Ocidente naturaliza as relações e as funções atribuídas a mulheres e a homens, recriando-as e desenvolvendo uma política de silenciamento, que apaga a diferença, o plural e o múltiplo do humano. Neste sentido, a noção de diferença é historicamente construída” (SWAIN, 2000, p. 49).

Assim Alex encontra-se no limbo, em ter que escolher uma identidade sexual, passar por uma cirurgia de redesignação sexual(castração ou mutilação) e se adequar as normas que regem o masculino/feminino que tolhe essa pluralidade do ser humano; e como proposta de discussão problematizar a forma que essas relações heterossexuais e sua premissa essencial de macho/fêmea opera a complexidade que envolve a sexualidade e suas ilimitadas formas marginalizadas por esse padrão tido como normal e motor de diversos preconceitos.

Karolline Pacheco Santos é estudante de História do 2o Semestre.


Fonte: Jornal "Valor Econômico" de 25.07.2008

terça-feira, 15 de julho de 2008

Alimentos para o cérebro

Rogério Tuma

Uma revisão de 160 artigos comprova que não só as experiências do dia-a-dia ajudam o cérebro a se desenvolver e se aperfeiçoar. Também o tipo de substrato orgânico da nossa dieta é crucial para a nossa inteligência aumentar.

A Nature Reviews Neuroscience de 9 de julho publicou uma revisão de estudos de Fernando Gómez-Pinilla, da Universidade da Califórnia (Ucla), em Los Angeles, sobre a influência dos alimentos que ingerimos e a sua interferência na formação de sinapses entre os neurônios. Também avalia se diferentes dietas produzem padrões diferentes na função cerebral e mental.

Muitas das substâncias produzidas no trato gastrointestinal, durante a digestão e absorção dos alimentos, penetram no sistema nervoso e interferem na sua atividade. Também muitas substâncias que modulam a interação dos neurônios – os neurotransmissores – atuam interferindo nos processos metabólicos em outras partes do organismo. “O conhecimento dessa interação pode criar uma nova dieta, que poderá promover um melhor desempenho de nosso cérebro ou de algumas funções específicas dele”, escreve Pinilla.

De acordo com o autor, “a comida funciona como um químico que afeta o cérebro”. Ele analisou 160 artigos publicados em revistas científicas que relacionam a função cerebral com alimentos, sono e exercício, para entender se uma dieta pode turbinar a nossa capacidade mental.

Descobriu que os ácidos graxos do tipo Ômega 3, encontrados no salmão, castanhas e kiwi, por exemplo, podem interferir positivamente na memória e auxiliam na melhora da depressão, esquizofrenia e demência. Eles auxiliam também na reparação de sinapses existentes e na formação de novas ligações entre os neurônios. As sinapses são ricas em ácido docosahexaenóico, um dos ácidos graxos tipo Ômega 3, que o organismo não consegue produzir em quantidade suficiente, devendo vir essencialmente na dieta. O autor selecionou um estudo australiano relativo a 396 crianças, cujo resultado mostrou uma melhor performance na escola entre as que recebiam diariamente um aporte extra de Ômega 3, ferro, zinco, ácido fólico e vitaminas. Essas crianças também foram melhor nos testes neuropsíquicos em inteligência verbal, memória e capacidade de aprender.

Um estudo de longa duração avaliou a saúde de indivíduos que vivem em uma vila isolada na Suíça, do seu nascimento à sua morte e toda a sua árvore genealógica, em um período superior a cem anos. Demonstrou que o tipo de alimento ingerido pode interferir até no funcionamento do cérebro de nossos descendentes, pois o número de indivíduos diabéticos e os casos de morte precoce aumentam nas gerações cujos avós paternos viveram em tempos de abundância.

Dietas ricas em gorduras trans, como frituras, salgadinhos e lanches com carne gorda e frita, atrapalham todas as funções intelectuais, portanto, deveriam ser evitadas principalmente entre os mais jovens.

Não sabemos se existe um efeito dos alimentos apenas como substrato na construção das sinapses, ou se há também uma ação de neuroproteção pelo efeito antioxidante de alguns deles. Provavelmente, os alimentos de maior destaque protegem o neurônio por um somatório de fatores. Faça uma lista. Nesse estudo surgiram alguns campeões: castanha, espinafre, kiwi, salmão e blueberry – mirtilo no Brasil – são alguns dos alimentos que devem fazer parte da dieta de um pretenso gênio.

Vários estudos comprovam a eficiência de suplementos vitamínicos como o acido fólico e a vitamina E, capazes de atrasar o processo de declínio da função intelectual decorrente da idade e trauma cerebral, assim como o tempero indiano curry e o mesmo Ômega 3. O curry é uma das explicações de a Índia ter um número proporcionalmente menor de doentes com demência do tipo Alzheimer.

Utilizar multivitamínicos pode não ter o mesmo resultado que a ingestão de alimentos ricos nesses elementos. A oferta in natura por uma dieta rica e variada é a melhor e a primeira escolha. Faça uma boa dieta, por você e até pela saúde dos seus netos.


Fonte: Revista "Carta Capital" de 11.07.2008

sexta-feira, 4 de julho de 2008

MÁ GESTÃO DA TERRA

Degradação do solo aumenta e afeta um quarto da população mundial


Um quarto da população mundial está afetada, segundo novo estudo da FAO. a degradação do solo está aumentando em gravidade e extensão, afetando mais de 20% das terras agrícolas, 30% das florestas e 10% dos pastos. Estudo indica que, desde a assinatura da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, em 1994, problema está se agravando, ao invés de diminuir.

Redação da FAO

ROMA e BRASÍLIA
– A degradação do solo está aumentando em muitas partes do mundo, segundo estudo divulgado nesta quarta-feira (2) pela FAO, com dados pesquisados num período de 20 anos.

Definida como o declínio a longo prazo na função e na produtividade de um ecossistema, a degradação do solo está aumentando em gravidade e extensão, afetando mais de 20% das terras agrícolas, 30% das florestas e 10% dos pastos.

Cerca de 1,5 bilhão de pessoas, um quarto da população mundial, dependem diretamente dos solos que estão sendo degradados.

As consequências desse fenômeno incluem diminuição da produtividade agrícola, migração, insegurança alimentar, prejuízos a recursos e ecossistemas básicos e a perda de biodiversidade genética e de espécies, devido a mudanças nos habitats.

“A degradação do solo tem também importantes implicações para a redução e a adaptação às mudanças climáticas, já que a perda de biomassa e de matéria orgânica do solo libera carbono na atmosfera e afeta a qualidade do solo e sua capacidade de reter a água e os nutrientes”. afirmou Parviz Koohafkan, Diretor da Divisão de Terras e Águas da FAO.

O estudo indica que, apesar da determinação dos 193 países que ratificaram a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, em 1994, a degradação do solo está se agravando, ao invés de diminuir.

Cerca de 22% das terras em processo de degradação estão em zonas ou muito áridas ou sub-úmidas secas, enquanto 78% estão em regiões úmidas. O estudo revela que a principal causa da degradação do solo é a má gestão da terra.

Em comparação com avaliações anteriores, o estudo revela que a degradação do solo tem afetado novas regiões desde 1991, enquanto que algumas áreas historicamente muito degradadas foram tão afetadas que agora estão estáveis, por terem sido abandonadas ou exploradas com baixo nível de produtividade.

Os dados sobre a degradação do solo em nível mundial são parte do estudo apresentado pela FAO, pelo Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (PNUMA) e pela Informação Mundial do Solo (ISRIC). O estudo se chama Avaliação da Degradação do Solo em Zonas Áridas (LADA, em inglês) e foi financiado pelo Global Environment Facility.

Bons exemplos

Mas as notícias não são apenas ruins. A pesquisa identificou uma série de lugares onde o solo é utilizado de forma sustentável (19% das terras agrícolas) ou se está alcançando maior qualidade e produtividade (10% dos bosques e 19% dos pastos).

Muitos dos avanços em terras agrícolas estão associados à irrigação, mas também há exemplos de melhoras em terras agrícolas e pastos nas pradarias e planícies da América do Norte e Índia Ocidental. Alguns dos avanços são resultado de aumento da cobertura florestal, seja com plantio de florestas, em especial na Europa e América do Norte e com algumas projetos de bonificação de terras, por exemplo no norte da China.

No entanto, algumas das iniciativas positivas se baseiam na invasão de áreas agrícolas e pastos por florestas e arbustos, o que por regra geral não é considerado melhoria do solo.

O estudo mostra que a degradação da terra continua sendo um assunto prioritário que requer atenção renovada dos cidadãos, comunidades e governos.

Mais afetados e o Brasil

O ranking por país por população rural afetada com a degradação dos solos é:

1- China (457 milhões de pessoas);
2 – Índia (177 milhões de pessoas);
3 – Indonésia (86 milhões);
4 – Bangladesh (72 milhões);
5 – Brasil (46 milhões).




Fonte: www.agenciacartamaior.com.br - 04.07.2008