segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Relatório do plantio do dia 07/11//2009 do Projeto Agro Floresta no PNLO da UDV - Rodeador DF

Relatório do plantio do dia 07/11//2009 do Projeto Agro Floresta no PNLO da UDV - Rodeador DF

Pré Núcleo Luz do Oriente, um dos pólos das ações de reflorestamento do Projeto Agro Floresta criado UDV , realizou no dia 07 de Novembro de 2009, o plantio de aproximadamente 40 mudas de amora, pés 60 de mandioca , 50 pés de margaridão, 15 bananeiras, 30 mudas de mamão e varias sementes de espécies nativas do cerrado em uma área localizada nas proximidades de Rodeador, Brazlandia no PNLO da UDV . O presente trabalho teve como objetivo arborizar uma área degradada por meio da implantação de espécies florestais nativas, propiciando recomposição da paisagem.

O responsável técnico é Bruno Reis, que orientou a comunidade na abertura de covas, espaçamento,
A escolha de espécies utilizadas teve como objetivo a atração de fauna e a produção de frutos nativos para elaborar produtos à serem consumidos aos sócios e visitantes. A metodologia utilizada foi a de sistema agro-florestal.
Para que o projeto tenha continuidade e para que nenhum fator ambiental impeça o crescimento das mudas e atrapalhe o reflorestamento, monitoramentos e fiscalizações das mudas já plantadas através o acompanhamento do crescimento das mesmas serão realizados para assegurar a recomposição da vegetação.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Por baixo dos panos

A nova geração de jovens iranianos ensaia um "liberou geral", apesar da opressão do regime

14.07.2009 - Texto por Pedro Doria - Fotos Amir Farshad Ebrahimi




"Onde é a festa?”, perguntou Pardis. A iluminação no jardim, quase nenhuma. Àquela hora da noite, não era possível enxergar mais o desnível do gramado. Sua amiga Sanaz não respondeu. Pardis tropeçava aqui e ali, enquanto seguia as batidas abafadas de música tecno à frente. Foi aí que viu a casinha da grande sauna. O vapor saía pelas frestas, assim como uns salpicos da luz forte no interior. Sanaz tirou seu véu e insistiu que a amiga fizesse o mesmo. Aí desfez-se do mantô muçulmano. “Estamos seguras”, ela disse. A mansão pertencia a um clérigo da alta cúpula do regime iraniano – mas ele não estava, nem sua mulher. Quem dava a festa era sua jovem filha. A Polícia Moral do país não teria coragem de dar uma batida ali.

Entre 2000 e 2007, Pardis Mahdavi havia viajado todo verão para o Irã, terra de seus pais. Quando pisou pela primeira vez em Teerã e conheceu as primas de sua idade, tinha 21 anos. Falava fluentemente a língua persa, embora com um ligeiro sotaque que todos logo identificavam como americano. A vida em Teerã não era nada como imaginara. Esperava encontrar na terra dos aiatolás um mundo repressor – encontrou entre as primas e suas amigas mais liberdade do que ela, criada na comunidade do exílio nos arredores de Los Angeles, tivera. Descobriu o que ela, nos anos seguintes, passou a chamar de Revolução Sexual Iraniana. Mas nada do que vira até ali a preparara para aquela festa em sua última visita.

Eram 40 ou mais jovens. No meio da grande sauna, uma piscina esvaziada. Calor, vapor. Ecstasy rolava e a batida do tecno ensurdecia. Pardis encostou-se numa parede. Buscou sua amiga, mas ela estava abraçada a três homens que a beijavam e despiam. Todos nus. Sexo – sexo de todas as formas praticado ali na sua frente. Ainda vestida, a jovem antropóloga sentia calor, suava, sua roupa encharcada. Achou melhor ir-se embora, deixou a sauna e de longe viu a casa grande. Entrou pela porta da cozinha, bebeu um copo de água gelada. Um empregado a encontrou. Tinha a cara amarrada. “O que você quer?”, ele perguntou. “Um táxi”, ela disse. Ele pediu pelo telefone.



O choque entre o velho e o novo, o tradicional e o ocidentalizado no universo feminino iraniano



Revolução, jovens e sexo

Essa é a geração que, em junho, foi às ruas cobrar a fraude na reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, diante de aiatolás desesperados por algum controle. Dois terços dos iranianos têm menos de 30 anos, mais de 50% têm menos de 20. A idade média no país é 26. E eles querem liberdade.

Pardis foi criada como todos na comunidade iraniana que chegou aos EUA entre 1979 e 81, após a Revolução Islâmica que derrubou a ditadura laica do xá Reza Pahlavi. Ouviu por toda a vida que os fundamentalistas haviam tomado as rédeas e que não havia repressão maior do que aquela do Irã. E, no entanto, cresceu também ouvindo tudo o que uma “moça iraniana” não fazia. Adolescente, jamais pôde apresentar um namorado à família. Mas, apesar dos aiatolás, o país lá longe mudara enquanto comunidade no exílio parou no tempo. “Quando cheguei ao Irã pela primeira vez”, ela conta, “eu não conseguia entender minha identidade, se era americana, se era iraniana. Lá, descobri que a vida era normal, meus pais é que eram caretas.”

A história se impôs ao regime inaugurado pelo aiatolá Ruhollah Khomeini. A guerra entre Irã e Iraque matou tantos, entre 1980 e 88, que uma geração de homens desapareceu. Hoje, o Irã é jovem e antenado. Mesmo que a polícia moral quisesse prender todos, não conseguiria. “São eles, os jovens”, conta a antropóloga, “que chamam o que está ocorrendo de Revolução Sexual.” Pardis acaba de lançar um livro sobre as mudanças, um relato antropológico chamado Passionate Uprisings.

Uma revolução sexual não se faz apenas de sexo, amor e busca pela paz – ela tem características mais profundas. Um elevado número de mulheres com formação superior, por exemplo, que buscam espaço no mercado de trabalho. O Irã as tem em número cada vez maior. Revoluções sexuais também mudam a conversa. Sexo deixa de ser assunto tabu. Nas suas últimas visitas, quando já decidira escrever o livro, Pardis conversou com inúmeros pais de jovens. Encontrou-os mais francos do que seus próprios pais, nos EUA, que jamais falam sobre sexo.

Há duas vidas em Teerã. A primeira é aquela na rua. Os homens têm seus braços cobertos, usam barbas. As mulheres cobrem-se todas. Mas debaixo do mantô e do véu, há unhas pintadas, jeans justos – às vezes, minissaias. Aquilo que a vestimenta islâmica não revela num fingir-se religioso é apresentado no interior das casas e apartamentos. Nas festas, há concertos de rock, leitura de poesias, exposições. Dança-se à música alta.

Xaveco da Polícia Moral

Nem toda festa é como aquela da grande orgia, mas em toda há um quarto ou dois onde os casais se encontram. Sexo entre namorados se arranja. Mas, se a festa não é numa mansão cujo dono é do alto clero, a possibilidade de uma batida da Polícia Moral está sempre ali. Em sua primeira viagem, Pardis conheceu uma vítima: uma moça bonita, sentada ao seu lado no salão de beleza (todas as jovens em Teerã frequentam toda semana um salão). A moça fora flagrada num quarto, numa festa, com o namorado. Passou uma semana na cadeia. Carregava nos tornozelos e costas as marcas da chibata.



Mulher é detida pela polícia moral na capital Teerã





Num país com os índices demográficos do Irã, tudo muda muito rápido. Naquela sua última visita de 2007, ela vinha da festa com uma amiga, no carro. As duas tinham o proibido álcool no hálito, então o farol do carro atrás piscou e veio o terror: eram dois homens da Polícia Moral. Elas pararam, os dois jovens saltaram e se encaminharam. Não queriam levá-las para a prisão. Queriam seus telefones. Era uma cantada. Os velhos deixam a função e os jovens que a assumem vivem a mesma cultura do underground de Teerã.

Sexo casual é mais complicado para aqueles que não querem as orgias. Mulheres da alta classe do norte de Teerã tomam rumo da periferia ao sul para se encontrar com homens com quem não convivem socialmente. O mesmo fazem as meninas da periferia que vão ao norte. O sexo entre classes resolve o anonimato. Sexo entre mulheres também está ficando comum – mas, lá, as jovens sequer o veem como um flerte com a homossexualidade. É uma extensão natural da amizade discretamente apoiada por todos.

Na televisão, o presidente Ahmadinejad diz que não há gays no Irã. Ou proíbe que mulheres frequentem estádios de futebol. Mas, sem que ele possa controlá-la, a revolução sexual continua seu curso. “Um dia, essa garotada terá o comando do país”, diz Pardis. “É impossível prever as mudanças que eles trarão.”


Fonte: Revista Trip

"Aquarela do Brasil" - Pato Donald e Zé Carioca

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Você entende as expressões de um robô?

Fonte: http://info.abril.com.br/noticias/ciencia/voce-entende-as-expressoes-de-um-robo-19102009-40.shl

Você entende as expressões de um robô?





Getty Images
Você entende as expressões de um robô?
O robô C3PO, de Guerra nas Estrelas: é fácil compreender o que seu rosto que dizer?
  • RSS
  • ENVIE
  • IMPRIMA
  • ESPALHE

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Big Brother Belchior


Antes de sair de casa, peça a bênção a Patricia Poeta


Francisco Bosco

No famoso plano-sequência de Profissão: Repórter, o assassinato de David Locke é narrado de modo indireto, por meio de uma janela com grade. Mas a força da cena não está exatamente em seu caráter indireto - o qual sempre se exalta - e sim na mediação da janela gradeada. Como se sabe, o repórter David Locke aproveita-se da morte de um desconhecido em um vilarejo remoto na África para falsificar sua própria morte e assumir a identidade do outro.

O que está em jogo para ele é uma tentativa de sair radicalmente de si. Como repórter, ele viaja o mundo fazendo entrevistas, matérias, documentários, mas sente que os deslocamentos geográficos e culturais não o levam a afastar-se de si próprio, pois ele, em suas palavras, acaba codificando toda a diferença nos seus (dele) próprios termos, fazendo-a desembocar sempre de volta no registro da identidade. Ao valer-se da morte de um desconhecido para tentar desconhecer-se, Locke vê-se herdeiro imediato da vida desse outro, David Robertson, um traficante internacional de armas.

Passa, então, a ser perseguido por agentes de um governo africano, pois Robertson fornecia armas para uma guerrilha que se lhe opunha. Ao mesmo tempo, a ex-mulher de Locke descobre que a morte de Robertson foi falsificada e começa ela também a persegui-lo. Locke não demora muito para concluir que sua tentativa fracassara. Não lhe bastara colar sua foto no passaporte de outro para transformar-se em outra pessoa. Pior, agora ele estava multiplamente emparedado: dentro de si mesmo, dentro da realidade de outro (mas não de sua subjetividade) e dentro de seu passado, que não pudera aniquilar. O emparedamento descortina-lhe o nome: David Locke, Locke D., ou seja, locked, trancado.

É por isso que o famoso plano-sequência é narrado através da janela gradeada, que assoma, então, como o correlato material da impossibilidade existencial a que se lançou Locke. Dentro do quarto, ele dorme, enquanto, pelas grades - portanto, da perspectiva dele -, vemos a realidade que lhe assaltaria, mas que ele não podia alcançar. Vemos, então, os agentes chegarem, andarem na direção do hotel e saírem do enquadramento.

Em seguida, ouvimos um tiro. A partir daí há uma extraordinária inversão de perspectiva. A jovem que Locke conhecera em Barcelona e passara a acompanhá-lo em sua fuga entra no quarto no mesmo momento que a ex-mulher dele, acompanhada da polícia. O policial pergunta, primeiro à ex-mulher: "Você o reconhece?", ao que ela responde: "Eu nunca o conheci". Em seguida, a mesma pergunta é dirigida à jovem, e sua resposta é: "Sim". Essa cena é narrada de fora para dentro da janela gradeada.

Da perspectiva da ex-mulher, havia também um emparedamento em Locke; ela nunca pôde conhecê-lo, embora tivesse vivido com ele muitos anos. Já a jovem, cujo nome não vem à tona, e a quem Locke se apresentara sob um nome falso, afirma, sem hesitar, tê-lo conhecido (confirmando uma frase de Barthes segundo a qual "conhecer alguém é conhecer-lhe o desejo").


Onde está Belchior?

O filme de Antonioni é de meados dos anos 1970. Sua questão é existencial: é possível reinventar-se completamente, ser radicalmente outro? A resposta do filme é não - mas não é isso que desejo investigar aqui. Quero chamar atenção para o fato de que, mesmo sendo Locke um repórter, a mídia não é uma questão fundamental para o filme. As forças que lhe saem à captura são a polícia, os agentes do governo africano e sua ex-mulher, ajudada pela embaixada. Locke consegue sair da África e ir para Londres, daí para Barcelona, daí para cidades pequenas na Espanha, até ser encontrado - e tudo isso se passa em registro de experiência privada. Agora cortemos para agosto de 2009, onde vamos acompanhar outra perseguição, bem diferente.

A primeira notícia de que Belchior havia desaparecido foi publicada num site. Nele, depoimentos de amigos e parentes afirmavam desconhecer o paradeiro do cantor. Daí em diante pipocaram novas matérias. Os maiores jornais do país noticiaram o sumiço, o Fantástico fez uma matéria, até a imprensa estrangeira repercutiu o assunto. Novas informações começaram a aparecer: Belchior teria dívidas com hotéis e estacionamentos. Especulações também surgiram: com a carreira em baixa, o cancionista estaria tentando criar um factoide que o levasse novamente aos holofotes.

E não faltaram, é claro, as piadas na internet: numa delas, Belchior figura entre os personagens do seriado Lost; noutra, murmura-se que seu desaparecimento faz parte de um mistério mais amplo, a envolver o sumiço de outros cantores, como Biafra, Silvinho (aquele do ursinho Blau Blau) etc. O mistério levou apenas três semanas até ser esclarecido, pelo Fantástico, que na edição do dia 30 de agosto revelou o paradeiro de Belchior e arrancou dele uma entrevista. Ao assistir à reportagem do Fantástico, fiquei ao mesmo tempo indignado e apavorado.


Vigiar e perseguir

Antes de entrar a reportagem, um solene Tadeu Schmidt anuncia o fim do mistério: Belchior foi localizado pelo Fantástico. Em seguida, Patrícia Poeta, em tom de reproche maternal, diz que o cancionista, "que se afastou da família, dos amigos e dos fãs, deu as suas razões à repórter Sônia Bridi". Pronto, começou o pesadelo.

O que vem a seguir é uma demonstração assustadora do funcionamento de uma sociedade de controle, onde um desvio existencial, mesmo que não diga respeito a mais ninguém, é tornado objeto de visibilidade, escrutínio, sarcasmo e julgamento públicos. É importante observar que a perseguição a Belchior não partiu da Justiça, a fim de que ele saldasse suas possíveis dívidas, mas sim da mídia; isto é, não foi movida por um legítimo interesse público (que não se confunde com uma espetacularização pública), mas por uma mistura de jornalismo de fofoca e vigilância coletiva, por meio da qual se pode ler um sintoma, a que voltarei.

O Fantástico recebeu pistas de pessoas que haviam estado recentemente com Belchior. Por meio delas, reuniram-se evidências de que ele estivera nas últimas semanas no Uruguai. Sim, evidências, porque foram enviadas fotos de Belchior em situações privadas (com o acoplamento de máquinas fotográficas em celulares, todo cidadão que os possui torna-se um delator em potencial). Em seguida, os repórteres receberam um e-mail anônimo que revelava o paradeiro de Belchior: ele estaria na pequena cidade de San Gregorio de Polanco, nos pampas uruguaios. O Fantástico não demorou a achar a pousada em que Belchior estava hospedado. Ao ligar para ela, alguém disse que o (a esta altura) fugitivo estivera lá, porém já fora embora. "Mas era mentira", conta a repórter Sônia Bridi, que, desconfiada, vai até lá e chega à porta de Belchior com a câmera ligada.

Já então era óbvio que Belchior não queria ser encontrado. Mas o desejo - e esse desejo não deve ser reconhecido como um direito? - de privacidade não conta para o Fantástico. A repórter bate na porta, Belchior não quer conversa, mas ela insiste, ronda a casa, sussurra com a voz mais cínica do mundo: "A gente veio de tão longe pra te encontrar, tem tanta gente te procurando lá no Brasil...".

Belchior deve ter resistido por horas, pois as primeiras imagens são ainda de dia, e quando ele finalmente cede já é noite. Sai de casa e quase podemos ouvir o famoso bordão futebolístico: "Taí o que você queria". O Fantástico triunfa, o que há de mais desrespeitoso nas pessoas também. E Belchior? Com uma aparência existencialmente saudável, ironiza com sutileza e bom humor o absurdo da invasão; diz ter achado estranha a primeira matéria do Fantástico (que ele viu pela internet), que aquilo nada tinha a ver com ele, e que ele não é uma celebridade.

Em seguida, recusa-se, com coragem firme, a responder a questões a respeito de sua vida privada. Num momento antológico, constrange a repórter - e, por extensão, espero, todos que compartilhavam ali a posição dela - ao afirmar que não tem interesse pela vida privada de niguém. Esclarece que sua presença ali se deve a um trabalho "muito especial" que está sendo desenvolvido por ele, a tradução de todo o seu cancioneiro para a língua espanhola, aproveitando para lembrar sua ligação com a América Latina, citando seu verso "Eu sou apenas um rapaz latino-americano".

Da perspectiva do perseguidor, o ponto central da cena reside na seguinte pergunta da repórter: "Você não deixou de fazer contato com sua família, com seus amigos, nesse período?". Essa pergunta retoma o tom de mamãe controladora de Patrícia Poeta. Nela está implícito nada menos do que isso: ninguém tem o direito de abandonar (mesmo provisoriamente) sua família e seus amigos, e se tiver essa audácia será julgado em público por ela. Ninguém tem o direito de em algum momento querer reinventar-se, ou simplesmente querer afastar-se, sem pedir a bênção aos demais.

A perseguição a Belchior, então, parece assumir um caráter sintomático: é precisamente porque todo mundo tem, já teve, terá ou pode ter esse desejo de reinventar-se, e não consegue realizá-lo ou nem ao menos assumi-lo, que aquele que o levou adiante deve ser perseguido, descoberto e recolocado em seu lugar. Deve ser lembrado de que tem satisfações a dar e de que, no limite, sem o consentimento dos outros, não pode se afastar deles. Pois os outros não querem ser lembrados de suas próprias covardias ou mediocridades existenciais.

É tênue a fronteira entre a curiosidade, o jornalismo e o desrespeito brutal. É revoltante (e apavorante) que essa questão não seja sequer colocada pelos que estão prestes a atravessá-la. Nos anos 1970, David Locke estava trancado em sua subjetividade; o caso Belchior vem nos lembrar que, hoje, estamos trancados na realidade, ao ar livre, gradeados por milhares de olhos que nunca se fecham.


franciscobosco@terra.com.br


Fonte: Revista Cult - Edição nº 140

Barack Obama, Internacional, John Galt, Política, Racismo, USA



O que em qualquer outro país democrático ocidental seriam grupos marginais, propícios para o manicômio, nos EUA contam com grandes meios de comunicação – como a cadeia Fox – e capacidade de mobilização massiva para expressar seus delírios ideológicos. Há algumas semanas, estes grupos capazes de detectar comunistas nos locais mais inesperados, estão em pé de guerra contra a reforma da saúde, proposta por Obama, que em qualquer país europeu não chegaria a merecer o título de social-democrata. O artigo é de Pablo Stefanoni.

Pablo Stefanoni / Pulso Bolivia

São os mais conservadores entre os conservadores, os mais libertarians entre os libertarians, os ultras, a direita da direita mais recalcitrante, os que não são chegados a sutilezas e acreditam que o governo de Barack Obama – flamante Prêmio Nobel da Paz – está levando os Estados Unidos ao comunismo e ao nazismo ao mesmo tempo, os que negam o primeiro presidente negro nascido no Hawaí...Mas o que em qualquer outro país democrático ocidental seriam grupos marginais, propícios para o manicômio, nos EUA contam com grandes meios de comunicação – como a cadeia Fox – e capacidade de mobilização massiva para expressar seus delírios ideológicos. Há algumas semanas, estes grupos capazes de detectar comunistas nos locais mais inesperados, estão em pé de guerra contra a reforma da saúde, proposta por Obama, que em qualquer país europeu não chegaria a merecer o título de social-democrata, mas que, nos EUA, é considerada pela direita o primeiro passo na direção de um Estado totalitário. Chamam esse “movimento de resistência” de Tea Party, uma referência ao motim do chá desencadeado em 1773 contra o aumento de impostos para vários produtos – incluindo o chá – e que é considerado o prelúdio da luta pela independência.

A campanha de ódio contra Obama – diz o diário El País – colocou em pé de guerra locutores de rádio, apresentadores de televisão e internautas enlouquecidos da extrema-direita norteamericana. Rush Limbaugh, com seu microfone, ou Glenn Beck – o novo homem duro dos radicais – convocam a insurreição desde os estúdios da Fox. “Estão nos roubando a América e quiçá seja muito tarde para salvá-la”, disse Beck a seus seguidores em uma intervenção radiofônica. O fundamentalista Limbaugh chegou inclusive a falar de racismo invertido e usou como exemplo para acabar com o governo democrata um incidente onde estudantes negros golpearam um garoto branco em um ônibus. Limbaugh pediu “ônibus segregados”. “Nos Estados Unidos de Obama, os garotos brancos são golpeados e os negritos aplaudem”, disparou.

O delírio como categoria política
“Lower taxes, less government, more freedom” (Impostos mais baixos, menos governo, mais liberdade) é o lema do Freedomworks. Como em tantos outros fóruns ultraconservadores, colocaram-se em pé de guerra contra um discurso de Obama para crianças de uma escola de Virgínia no dia do início das aulas, onde o presidente disse coisas tão terríveis como sugerir que trabalhassem duro para atingir o êxito. “Necessitamos que cada um de vocês desenvolva seus talentos, sua inteligência e suas habilidades para poder resolver nossos problemas mais difíceis. Se não fizerem isso, se abandonarem a escola, não si estarão abandonando a vocês mesmos, como também a vosso país”. E pediu aos estudantes que mandassem cartas para “ajudar o presidente”. Mas o que em qualquer parte seria aceito como um estímulo politicamente correto aos jovens, as delirantes cabeças da extrema-direita norte-americana – amante das armas, da supremacia branca e inimiga número um do Estado – interpretaram a mensagem como uma lavagem cerebral própria de ditadores como Mao, Stalin ou o genocida cambojano Pol Pot. Grupos como Focus on the Family pediram neste dia aos pais para que boicotassem o ato, que foi transmitido para outras escolas.

Mas hoje a batalha é pela saúde. Os conservadores e “libertários” de direita (libertarians) se opõem à reforma de um sistema de saúde que exclui quase 50 milhões de pessoas (15% da população), acentua as desigualdades e deixa todo mundo nas mãos de planos de saúde privados. Em um artigo na revista Umbrales de América del Sur, Ernesto Semán escreve que a metade dos pedidos de falência individuais durante 2007 estão relacionados com o pagamento de contas médicas daqueles que carecem de um seguro médico abrangente. E Michael Moore, em seu famoso documentário, comoveu aos espectadores com os perversos padecimentos que sofrem os “segurados” frente aos advogados contratados pelas empresas de saúde para encontrar razões legais para rechaçar os tratamentos.

Ameaça de morte pelo Facebook
“Nem sequer é um dos nossos”, dizia uma manifestante que distribuía fotocópias da certidão de nascimento de Obama, assegurando que ele não é um cidadão norte-americano, em uma das marchas de protesto, em setembro. “Temos um presidente ilegítimo. Um presidente que vai acabar com a América e os americanos. Chegou o momento de agir, abaixo o governo”.

Neste clima, os serviços secretos dos EUA começaram a levar o assunto muito a sério e iniciaram uma investigação sobre uma pesquisa criada na rede social Facebook, na qual se perguntava se Obama deveria ser assassinado. A enquete foi retirada pela empresa por “conteúdo inapropriado”, o que impediu que os resultados fossem conhecidos. “Cada dia ganha mais peso a possibilidade de que os militares tenham que intervir como último recurso para solucionar o problema Obama”, escreveu o colunista do site Newsmax, fórum de encontro de extremistas na internet, reproduzido no matutino El País. E na rebelião contra a reforma da saúde, que levou a direita para a rua, confluem dezenas de organizações conservadoras, desde o Clube para o Crescimento, o Instituto para a Empresa Competitiva, até o obscuro Centro para os Direitos Individuais Ayn Rand – assinala o jornalista Michael Tomasky, na prestigiada revista The New York Review of Books, que estima que este movimento do partido do chá poderia ter o apoio de aproximadamente 25% do eleitorado estadunidense.

A influência de Ayn Rand
A filósofa Ayn Rand – autora de A Nascente (1943) e Quem é John Galt? (1957) – é uma boa base para entender os chamados “minarquistas” (partidários de um Estado super mínimo) ou os liberais libertários (libertarians). Nascida na Rússia em 1905 e emigrada para os EUA em 1925, foi uma defensora sem matizes do egoísmo racional, do individualismo extremo e do capitalismo laissez-faire. Ela escreve em A Nascente: “O ego do homem é a nascente do progresso humano”. Com efeito, o personagem da novela é um arquiteto com “um ego puro e cristalino não contaminado pelo detrito de vulgaridade coletiva”. Nada o perturba; nem os clientes nem as penúrias econômicas conseguem transformar sua idéia de beleza que exterioriza por meio de suas angulosas construções e arranhas céus. Deste modo, se conquista o ódio dos coletivistas, daqueles que aspiram à felicidade do conjunto e matam o ego para obter algo que está fora de seu alcance: a felicidade coletiva.

“O verdadeiro egoísmo é belo, natural, gratificante; não há nada mais harmônico do que seres humanos trocando o produto de seu esforço, de sua criatividade. É um ato de amor. A piedade, porém, implica superioridade; o altruísmo implica desprezo superlativo em relação ao humano; a solidariedade implica submissão, dominação, infelicidade. A única solidariedade possível é a lealdade consigo mesmo, porque aquele que não ama a si mesmo, não pode amar aos demais. O que assim age sente unicamente desprezo e só busca mitigar sua carga de culpa, redimindo-a com um ato de oferenda ao monstro devorador de almas”, diz um blog entusiasta desta filosofia “objetivista”.

Quem é John Galt? é ainda mais explícito: “Essa história apresenta o conflito de dois antagonistas fundamentais, duas escolas opostas da filosofia, duas atitudes opostas diante da vida. Como forma breve de identificá-las, as chamarei de o eixo “razão-individualismo-capitalismo” contra o eixo “misticismo-altruismo-coletivismo”, explicava a autora em uma conferência no fórum Ford Hall, em 1964. O livro divide a fibra social dos EUA em duas classes: a dos saqueadores e a dos não saqueadores. Os saqueadores estão dirigidos pela classe política, que pensa que toda atividade econômica deve ser regulada e submetida a uma forte imposição fiscal. Já os não saqueadores são homens empreendedores que pensam que a solução está justamente no contrário. A trama: surge um movimento de protesto dos “homens da mente”, acompanhado de sabotagens de empresários e empreendedores, que desaparecem misteriosamente. O líder deste movimento é John Galt, ao mesmo tempo filósofo e cientista. Galt, desde seu esconderijo nas montanhas, dá ordens, sugere iniciativas e move todos os fios. Junto a ele se refugiam os principais empresários. Durante o tempo que dura a greve e a desaparição dos empresários, o sistema americano vai soçobrando sob o peso do cada vez mais opressivo intervencionismo estatal. A obra termina quando os empresários decidem abandonar seu esconderijo nas Montanhas Rochosas e regressam a Wall Street e aos centros de decisão; marcham tendo o dólar como estandarte, símbolo escolhido por Galt como ícone de sua singular rebelião.

“Por que não colocar um site para que a gente vote pela internet, como um referendo, para ver se realmente queremos subvencionar as hipotecas dos perdedores, ou nos dar a chance, ao menos, de comprar carros e casas em execução hipotecária e dar às pessoas uma oportunidade de prosperar realmente e recompensar aqueles poderiam levar a água ao invés de bebê-la?”, perguntava-se na cadeia CNCB um de seus jornalistas em Chicago, em fevereiro deste ano, na conhecida como “diatriba Santelli” – que apelou abertamente a Ayn Rand assim que a administração Obama anunciou um plano de 75 bilhões de dólares para ajudar vários milhões de proprietários de casas a evitar a execução. Ali nasceu o “partido do chá”, que se expandiu como um rastro de pólvora.

"Parasita em chefe"
Michael Tomasky, no artigo citado, distingue a ira “genuína” da parte da cidadania que rechaça o resgate bancário, o resgate da indústria automobilística e inclusive a reforma da saúde, de outros tipos de ódio, “menos respeitáveis”, contra o primeiro mandatário afroamericano, como o epíteto de “Parasite-in-Chief” (parasita em chefe, parafraseando o título de Comandante em Chefe do Presidente dos EUA), ou “Obammunism is Communism”. Essa histeria chegou a tal ponto que o colunista Thomas Friedman comparou a atual situação vivida nos EUA com os meses anteriores ao assassinato de Isaac Rabin em Israel, em 1995. “Esse paralelismo me revolve o estômago. Não tenho problema com as críticas razoáveis, venham da direita ou da esquerda”, escreveu Friedman no The New York Times, “mas a extrema direita começou a se dedicar a deslegitimar o poder e criar o mesmo clima que existiu em Israel antes do assassinato de Rabin”.

Tomasky sustenta que com apoio de corporações e canais de televisão – recursos com os quais a esquerda não contava quando protestava contra o neoliberalismo de Ronald Reagan -, é possível que esta batalha de rua dos ultraconservadores e ultraliberais seja parte da paisagem política dos próximos anos. O jornalista do The New York Review of Books descreve o mecanismo dos chamados grupos “césped artificial”, supostamente alimentados por espontâneos cidadãos indignados. Primeiro, um grupo sem fins lucrativos empreende uma campanha dedicada a uma causa particular. Adota um nome que soa bonito e lança uma campanha supostamente espontânea. Logo vem o dinheiro oculto de empresas, fundações e conservadores ricos: obviamente, uma imagem da fúria popular-cidadã ampliada será mais persuasiva do que a imagem de um gigante corporativo perseguindo seus estreitos e desnudos interesses.

Um desses grupos é Americans for Prosperity (Americanos para a Prosperidade) que lançou o site Pacientes Unidos Agora. Em anúncios televisivos, mostravam, por exemplo, uma mulher canadense (Shola Holmes) que, por culpa do excessivo tempo de espera do “socialista” sistema de saúde desse país vizinho não podia operar um tumor cerebral e foi obrigada a ir para uma clínica privada nos Estados Unidos...Mais tarde, a imprensa de Ottawa informava que, na verdade, Holmes não tinha nenhum tumor, só um quisto benigno. Em um encontro na Flórida para discutir o projeto do novo sistema de saúde, o militante de um grupo ultraconservador foi mais preciso: “O que Obama está buscando é uma revolução social”. (E, na verdade, o projeto é revolucionário para os EUA: a reforma proíbe, por exemplo, expulsar do sistema aqueles que estão gravemente enfermos, mesmo que deixem de pagar os seguros privados; além disso, estabelece uma concorrência entre as seguradoras privadas e um novo seguro de saúde, administrado pelo Estado).

Mas não são apenas grupos conservadores que estão nesta batalha. A America’s Health Insurance Plans, a gigantesca seguradora privada, segundo repórteres da imprensa progressista, teria mobilizado seus 50 mil empregados para as eleições municipais deste verão (estadunidense) para lutar contra a reforma Obama, em um país onde a saúde é um grande drama econômico e humanitário nacional.

Tomasky destaca que, hoje, milhões de estadunidenses só vêem os canais de notícias que dizem o que eles querem ouvir, como Glenn Beck, da Fox, que “descobriu” no relevo do Rockefeller Center sinais ocultos que – convenientemente olhados – conformariam a foice e o martelo comunista (sic). Beck é também famoso por dizer que Obama é um racista com um profundo ódio aos brancos e à “cultura branca”. Em algumas noites, ele tem mais de três milhões de espectadores.

Como explica Seman, a efetividade do discurso ultraconservador para capturar o debate, para recuperar-se depois de uma eleição na qual apareceu relegado às margens da política, e para inibir e debilitar seus oponentes, tem a ver com a maleabilidade do liberalismo político norteamericano e o êxito que tem, há mais de meio século, em apresentar a mudança social como uma ameaça totalitária. E agrega: Nos Estados Unidos, a expressão “cobertura universal” é usada como acusação. É comum nestes dias ver na televisão algum deputado republicano atacando seu colega democrata aos gritos de: “O que o deputado está propondo é uma cobertura universal automática”. Mais surpreendente ainda é, imediatamente depois, ver o deputado democrata defendendo-se da acusação. “De nenhuma maneira proponho uma cobertura universal. O que queremos é fazer um sistema mais eficiente e justo, e menos custoso”.

A derrota de Bill e Hillary Clinton quando tentar aprovar uma reforma da saúde similar foi um ponto de inflexão. Obama trava uma luta parecida agora contra os inimigos do “big government”.

Moral da história: uma dose moderada de liberalismo parece ser boa para defender a democracia e prevenir-se de totalitarismos. Mas, como tudo, em excesso parece deixar doentes (psicologicamente) as pessoas, que, aliás, foram deixadas previamente sem seguro médico.

Tradução: Katarina Peixoto


Fonte: Site Carta Maior

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Goste você ou não!!! A verdade dói...

"Trabalhe duro. Milhões de pessoas vivendo do fome-zero estão dependendo de você".





Assunto: ' Gostem ou não, o texto é imperdível... '

Arnaldo Jabor

- Brasileiro é um povo solidário. Mentira. Brasileiro é babaca.
Eleger para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari, só porque tem uma história de vida sofrida;
Pagar 40% de sua renda em tributos e ainda dar esmola para pobre na rua ao invés de cobrar do governo uma solução para pobreza;

Aceitar que ONG's de direitos humanos fiquem dando pitaco na forma como tratamos nossa criminalidade...

Não protestar cada vez que o governo compra colchões para presidiários que queimaram os deles de propósito, não é coisa de gente solidária.
É coisa de gente otária.

- Brasileiro é um povo alegre. Mentira. Brasileiro é bobalhão.

Fazer piadinha com as imundices que acompanhamos todo dia é o mesmo que tomar bofetada na cara e dar risada.

Depois de um massacre que durou quatro dias em São Paulo, ouvir o José Simão fazer piadinha a respeito e achar graça, é o mesmo que contar piada no enterro do pai..
Brasileiro tem um sério problema.
Quando surge um escândalo, ao invés de protestar e tomar providências como cidadão, ri feito bobo.

- Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira.

Brasileiro é vagabundo por excelência.
O brasileiro tenta se enganar, fingindo que os políticos que ocupam cargos públicos no país, surgiram de Marte e pousaram em seus cargos, quando na verdade, são oriundos do povo..

O brasileiro, ao mesmo tempo em que fica indignado ao ver um deputado receber 20 mil por mês, para trabalhar 3 dias e coçar o saco o resto da semana, também sente inveja e sabe lá no fundo que se estivesse no lugar dele faria o mesmo.

Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de 90 reais mensais para não fazer nada e não aproveita isso para alavancar sua vida (realidade da brutal maioria dos beneficiários do bolsa família) não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo.

- Brasileiro é um povo honesto. Mentira..

Já foi; hoje é uma qualidade em baixa.
Se você oferecer 50 Euros a um policial europeu para ele não te autuar, provavelmente irá preso.
Não por medo de ser pego, mas porque ele sabe ser errado aceitar propinas.

O brasileiro, ao mesmo tempo em que fica indignado com o mensalão, pensa intimamente o que faria se arrumasse uma boquinha dessas, quando na realidade isso sequer deveria passar por sua cabeça.


- 90% de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira.

Já foi.
Historicamente, as favelas se iniciaram nos morros cariocas quando os negros e mulatos retornando da
Guerra do Paraguai ali se instalaram.
Naquela época quem morava lá era gente honesta, que não tinha outra alternativa e não concordava com o crime.
Hoje a realidade é diferente.
Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como 'aviãozinho' do tráfico para ganhar uma grana legal.
Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam existido condições de se tocar os bandidos de lá para fora, porque podem matar 2 ou 3 mas não milhares de pessoas.
Além disso, cooperariam com a polícia na identificação de criminosos, inibindo-os de montar suas bases de operação nas favelas.

- O Brasil é um pais democrático. Mentira.

Num país democrático a vontade da maioria é Lei.
A maioria do povo acha que bandido bom é bandido morto, mas sucumbe a uma minoria barulhenta que se apressa em dizer que um bandido que foi morto numa troca de tiros, foi executado friamente.

Num país onde todos têm direitos mas ninguém tem obrigações, não existe democracia e sim, anarquia.
Num país em que a maioria sucumbe bovinamente ante uma minoria barulhenta, não existe democracia, mas um simulacro hipócrita.
Se tirarmos o pano do politicamente correto, veremos que vivemos numa sociedade feudal: um rei que detém o poder central (presidente e suas MPs), seguido de duques, condes, arquiduques e senhores feudais (ministros, senadores, deputados, prefeitos, vereadores)..
Todos sustentados pelo povo que paga tributos que têm como único fim, o pagamento dos privilégios do poder. E ainda somos obrigados a votar.


Democracia isso? Pense !

O famoso jeitinho brasileiro.
Na minha opinião, um dos maiores responsáveis pelo caos que se tornou a política brasileira.
Brasileiro se acha malandro, muito esperto.
Faz um 'gato' puxando a TV a cabo do vizinho e acha que está botando pra quebrar.

No outro dia o caixa da padaria erra no troco e devolve 6 reais a mais, caramba, silenciosamente ele sai de lá com a felicidade de ter ganhado na loto... malandrões, esquecem que pagam a maior taxa de juros do planeta e o retorno é zero. Zero saúde, zero emprego, zero educação, mas e daí?
Afinal somos penta campeões do mundo né?? ?
Grande coisa...

O Brasil é o país do futuro. Caramba , meu avô dizia isso em 1950. Muitas vezes cheguei a imaginar em como seria a indignação e revolta dos meus avôs se ainda estivessem vivos.
Dessa vergonha eles se safaram...
Brasil, o país do futuro !?
Hoje o futuro chegou e tivemos uma das piores taxas de crescimento do mundo.

Deus é brasileiro.
Puxa, essa eu não vou nem comentar...

O que me deixa mais triste e inconformado é ver todos os dias nos jornais a manchete da vitória do governo mais sujo já visto em toda a história brasileira.

Para finalizar tiro minha conclusão:



O brasileiro merece! Como diz o ditado popular, é igual mulher de malandro, gosta de apanhar. Se você não é como o exemplo de brasileiro citado nesse e-mail, meus sentimentos amigo, continue fazendo sua parte, e que um dia pessoas de bem assumam o controle do país novamente.
Aí sim, teremos todas as chances de ser a maior potência do planeta.
Afinal aqui não tem terremoto, tsunami nem furacão.
Temos petróleo, álcool, bio-diesel, e sem dúvida nenhuma o mais importante: Água doce!

Só falta boa vontade, será que é tão difícil assim?


REPASSO...


FAÇA A SUA PARTE (SE QUISER) REPASSE, SE ACHAR QUE ISSO NAO TEM NADA A VER COM VC, CONTINUE SENDO ESCRAVO DA HIPOCRISIA!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

IGREJA UNIVERSAL ABRIRÁ CONCURSO PARA PASTOR: SALÁRIO INICIAL DE R$ 8.234,82


O Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE/UnB) abrirá o primeiro concurso para pastor da Igreja Universal do Reino de Deus.

Segundo representante da Universal, o concurso público tem a intenção de recrutar profissionais qualificados para participarem do que chamam de “a grande expansão da Palavra” e a “cultura popular de Deus”. “-Já conquistamos nosso espaço em 172 países. Temos obras sociais espalhadas nos quatro cantos do globo. Precisamos de profissionais não apenas ungidos pelo Espírito Santo e preparados no fogo do Pai das Luzes para cumprir nossa missão evangelizadora, mas também de pastores com conhecimento técnicos para darem continuidade a essa obra tremenda.”, explica, empolgado, o pastor Ricardo Ibrahim, responsável interno da IURD pela organização do concurso.

Adavilson dos Santos, de 23 anos, morador de Guarulhos, pensa em fazer o concurso: “-Estou muito ansioso, sou pastor desde os meus 18 anos e obreiro da minha igreja desde os 11. Colei grau em Teologia ano passado. Sempre estudei bastante. Esta é uma oportunidade muito grande na carreira de qualquer pastor e não vou perdê-la”, vibra o jovem.

As vagas serão abertas para candidatos do sexo masculino com curso superior em quaisquer áreas. Candidatos com Bacharelado em Administração Eclesiástica ou Pós-Graduação (mestrado e doutorado) em Administração de Igrejas e disciplinas afins ganham pontos na prova de títulos. O número de vagas não foi divulgado. O salário inicial na investidura do cargo é de R$ 8.234,82 mais benefícios.

FONTE : http://fazendavirtual.wordpress.com/2009/08/23/igreja-universal-abrira-concurso-para-pastor-salario-inicial-de-r-8-23482/

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

download Trainspotting Torrent


sinopse

Em Edimburgo, alguns "amigos" que na verdade são ladrões e viciados, caminham inexoravelmente para o fim desta amizade e, simultaneamente (com exceção de um do bando), marcham para a auto-destruição.

Download do Filme via Torrent

Download da legenda

Cães de Aluguel ( Reservoir Dogs, EUA, 1992)

Sinopse: Uma gangue de ladrões, fugindo de um assalto bem-sucedido, encontra-se em um armazém. O problema é que a polícia está atrás deles, e cada um começa então a desconfiar que possa haver um traidor no grupo. O filme tem uma montagem que mostra as cenas no armazém intercalando-se com flashbacks da preparação para o crime, até um final surpreendente. Roteiro inteligente, na ótima estréia de Quentin Tarantino na direção.

Download Cães de Aluguel via Torrent

Download da legenda Legenda

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Trabalho Infantil

Exploração do trabalho infantil atinge 1,2 milhão de crianças no país.<

“Lugar de criança é na escola”. É muito comum ouvir essa frase, só não é comum o seu total cumprimento. De acordo com a última pesquisa divulgada pelo IBGE sobre o trabalho infantil no Brasil, cerca de 1,2 milhão de crianças de 5 a 13 anos são vítimas de exploração.

Essas crianças deixam de estudar para ajudar a aumentar a renda da família, outras vendem balinhas no sinal e assim, formam um contingente de trabalhadores-mirim. Como conta a coordenadora do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Cedeca, Perla Ribeira, “além da injustiça social e necessidade econômica, o problema do trabalho infantil é, também, cultural”. Os pais dizem para os filhos que é importante trabalhar cedo para criar responsabilidade. Daí a contribuição para o grande número de crianças no Brasil trabalharem antes do tempo.

A pesquisa revelou também que mais da metade dos trabalhadores-mirim, 60,7%, trabalhavam em atividades agrícolas. Além disso, meninos negros ou pardos de famílias de baixa renda (até um salário mínimo), e que moram em áreas rurais do Norte e do Nordeste formam o perfil médio das crianças trabalhadoras no Brasil.

Para Cíntia Ramos, oficial de projetos na Organização Internacional do Trabalho - OIT, a exploração do trabalho infantil causa inúmeros problemas nas crianças, entre elas estão “problemas de saúde (dependendo do tipo de trabalho que a criança faz), perde o tempo de ser criança, abandono escolar que acarreta subempregos no futuro, portanto também causa um problema econômico” além de inúmeras outras dificuldades.

Para Perla Ribeira, “Deve-se estruturar politicas públicas que estabeleçam e articulem entre as várias políticas” já que há uma grande complexidade das causas e dos fenônemos da exploração do trabalho infantil. Outras formas de diminuir a exploração do trabalho infantil seria também, promover campanhas para conscientizar a população sobre o problema e manter a sociedade informada quanto aos seus direitos, para que aqueles que se sintam lesados ou que saibam de casos de exploração, possam buscar seus direitos.

Exploração Infantil



Acompanhe a entrevista com a especialista em psicologia infantil Doutora Tatiana Jezini




Link para download
Ou ouça diratamente do Goear


Galeria de fotos

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Dica de Filme: "Os Irmãos Cara-de-Pau" - 1980



Sinopse

Após deixar a cadeia Jake (John Belushi) reencontra seu irmão Elwood (Dan Aykroyd) e juntos vão para o orfanato onde foram criados. Lá eles descobrem que o local será fechado se uma dívida de US$ 5 mil com a prefeitura não for paga. Como a freira (Kathleen Freeman) que dirige o orfanato não aceita de forma alguma dinheiro ganho desonestamente, Jake e Elwood decidem por retomar a The Blues Brothers Band, na intenção de realizar um grande show e arrecadar a quantia necessária para pagar a dívida.



Ficha Técnica

Título Original: The Blues Brothers
Gênero: Musical
Tempo de Duração: 131 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 1980
Estúdio: Universal Pictures
Distribuição: Universal Pictures / UIP
Direção: John Landis
Roteiro: Dan Aykroyd e John Landis
Produção: Robert K. Weiss
Música: Elmer Bernstein
Fotografia: Stephen M. Katz
Desenho de Produção: John J. Lloyd
Direção de Arte: Henry Larrecq
Figurino: Deborah Nadoolman
Edição: George Folsey Jr.


Elenco

John Belushi ("Joliet" Jake Blues)
Dan Aykroyd (Elwood Blues)
James Brown (Reverendo Clophus James)
Cab Calloway (Curtis)
Ray Charles (Ray)
Aretha Franklin (Sra. Murphy)
Steve Cropper (Steve "Coronel" Cropper)
Donald Dunn (Donald "Duck" Dunn)
Murphy Dunne (Murphy)
Willie Hall (Willie Hall)
Tom Malone (Tom Malone)
Lou Marini ("Blue Lou" Marini)
Matt Murphy (Matt Murphy)
Alan Rubin (Sr. Fabulous)
Carrie Fisher (Mulher misteriosa)
John Candy (Burton Mercer)
Kathleen Freeman (Irmã Maru Stigmata)
Steve Lawrence (Maury Sline)
Henry Gibson (Nazista)
Jeff Morris (Bob)
Charles Napier (Tucker McElroy)
Steven Williams (Trooper Mount)
Frank Oz (Guarda da prisão)
Steven Spielberg (Recolhedor de impostos)


Curiosidades

- Esta é a 2ª vez em que o diretor John Landis e o ator John Belushi trabalharam juntos. A anterior fora em Clube dos Cafajestes (1978).

- Esta foi o 1º de 7 filmes em que o diretor John Landis e o ator Dan Aykroyd fizeram juntos. Os demais foram Trocando as Bolas (1983), No Limite da Realidade (1983), Spies Like Us (1985), Um Romance Muito Perigoso (1985), Os Irmãos Cara-de-Pau 2000 (1998) e Plano de Risco (1998).

- Este foi o 2º de 3 filmes em que Dan Aykroyd e John Belushi atuaram juntos. Os demais foram 1941 - Uma Guerra Muito Louca (1978) e Neighbors (1981).

- Os Irmãos Cara-de-Pau na época de seu lançamento bateu o recorde de número de carros batidos em um filme.

- Os Irmãos Cara-de-Pau usou em suas filmagens 60 carros de polícia, 78 dublês e possuía um elenco de 91 atores.

- Foram usados 13 Bluesmobile durante as filmagens de Os Irmãos Cara-de-Pau.

- Os diretores Steven Spielberg, Frank Oz e o próprio John Landis aparecem em pequenas pontas.

- A atriz Carrie Fisher foi a apresentadora do 1º episódio do programa "Saturday Night Live" em que os irmãos cara-de-pau apareceram.

- Toda vez que a janela do apartamento de Elwood é mostrada em cena um trem está passando do lado de fora.

- O orçamento de Os Irmãos Cara-de-Pau foi de US$ 27 milhões.

- Seguido por Os Irmãos Cara-de-Pau 2000 (1998).



Alguns clipes das músicas do filme

James Brown (Chaka Kan também aparece rapidamente junto aos integrantes do coral)



Ray Charles



John Lee Hooker



The Blues Brothers Band




Fonte: Site Adoro Cinema

segunda-feira, 23 de março de 2009

"I Got A Thing" por Funkadelic - 1970



ONE NATION UNDER A GROOVE
Alexandre Matias

Um dos maiores prazeres de se gastar a sua vida entre discos é presenciar a "revelação" que um disco pode ser para uma pessoa. Sabemos o poder da música neste aspecto, quanto sua capacidade de persuasão e sedução podem nos virar do avesso em poucos minutos. Uma simples canção pode mudar a vida de uma pessoa e poder conduzir esta pessoa para esta revelação nos dá uma sensação de dever cumprido, todas as horas e camadas de tímpanos gastas não foram em vão.

Senti isso na pele quando, há cerca de um ano, meu irmão passou em casa e, enquanto estávamos ouvindo James Brown ou Al Green, cogitou, entusiasmado: "Imagina se esses negões tomassem ácido!". O entusiasmo procede, afinal conhecemos, nem que por cima, os dois objetos desta ação - de um lado a música pop negra, misto de puro instinto primal e inteligência social superior; do outro o LSD, droga maldita que libertou a consciência de artistas como Beatles, Doors, Who, Rolling Stones, Pink Floyd, Jimi Hendrix, entre milhares de outros. Unir a música negra (precisamente o funk e o soul) à psicodelia era (e é) uma alternativa apetitosa. E, sem falar nada, puxei One Nation Under a Groove, do Funkadelic.

Podia ter pego o Stand!, do Sly & the Family Stone, ou o Hot Buttered Soul, do Isaac Hayes, ou ainda o Songs in the Key of Life, do Stevie Wonder. Mas escolher Funkadelic era uma lei. E entre Hardcore Jollies, Maggot Brain, America Eats Its Young e One Nation..., o último teve de ser escolhido. "Não tem Eddie Hazel!", vão reclamar os puristas. Não. Mas Michael Hampton segura a onda sem fazer esforço e conduz ao lado de um então renovado Funkadelic a obra-prima do pensamento do Dr. Funkenstein, ou Starchild, ou Mr. Wiggles, Sir Lollypop Man, o mentor George Clinton.

Foi Clinton quem teve a visão de transformar seu grupo de doo-wop (The Parliaments, com quem teve até um hit, (I Wanna Testify) em uma usina de groove que unisse o improviso do jazz, o suíngue do funk, o peso do rock, a emoção do soul, o hipnotismo do gospel e a psicodelia levada às últimas conseqüências, criando a mitologia mais complexa da história do pop, cabeça a cabeça com Arquivo X, Sandman e o Projeto/Objeto de Frank Zappa. Com o auxílio de duas revelações pessoais (uma viagem de LSD e um show dos MC5), Clinton reviu todo seu conceito musical e criou um amálgama sonoro que batizaria de The Parliafunkadelicment Thang ou, resumidamente, P-Funk.

O P-Funk é o rótulo que Clinton inventou para facilitar a vida dos milhares de escritores que bolavam os gêneros mais esdrúxulos para fugir do óbvio: o som que George Clinton regia era único, era seu. E o nome P-Funk não apenas abreviava as duas bandas que representavam aquele som (o Parliament e o Funkadelic), como enfatizava seu enraizamento no groove, sem deixar de mostrar sua pequena diferença, o "P", que muitos liam como "psicodélico".



Parliament e Funkadelic são nomes diferentes para a mesma banda. Quando Clinton transformou os Parliaments no Parliament, ele abriu a sucursal Funkadelic para experimentações sonoras e viagens mais pesadas. Enquanto o Parliament contava os delírios sci-fi em forma de uma mistura agressiva de gospel com rock, o Funkadelic explorava as mais distantes profundezas da mente, misturando religião, ciência, escatologia, política, psicologia e sociologia num caldo grosso de protometal cheio de groove e absurdamente enlouquecido. O Parliament é o Dr. Jeckyll, estudioso, eficiente, prático; o Funkadelic é o Mr. Hyde, grotesco, pirado, agressivo. E os dois estão dançando!

O primeiro e dito clássico Funkadelic contava com Eddie Hazel na guitarra, Billy Nelson no baixo, Bernie Worrell nos teclados, Tawl Ross na guitarra base e Tiki Fulwood na bateria. Worrell e Hazel eram as duas armas secretas do grupo: os teclados traziam um molho que cimentava todos instrumentos juntos, enquanto a guitarra solo subia em seu pedestal. Hazel erigiu um monumento a seu instrumento, a épica Maggot Brain, cuja emoção e transe durante a interpretação se tornava um dos maiores marcos do Funkadelic, um motivo mais do que justo para os anos 70 levá-los a sério. Na época, o grupo foi reconhecido como sucessor do Jimi Hendrix Experience, mas o rock psicodélico funkeado dos primeiros dias iria sofrer uma terrível mudança.

Quando Nelson e Hazel (este saiu para tocar com os Temptations) deixaram a banda por motivos financeiros e Ross pirou de vez (ácido, claro), Clinton deparou-se com dois substitutos tão inesperados quanto bem-vindos: os irmãos Collins, rebatizados Bootsy e Catfish por George, haviam saído da banda de James Brown, os JBs, porque suas idéias estavam indo longe demais dos limites enxergados pelo soul brother #1. Imaginem isso: dois músicos que temperaram pérolas da história do groove como Soul Power, Sex Machine, Superbad e Talkin’ Loud & Sayin’ Nothin’ indo além da lógica de suíngue do pai da matéria. Obviamente, um passo à frente.

Onde Clinton se encontrava. Ao lado dos irmãos Collins, o chefão da Máfia Funk criou sua mitologia a partir de Mothership Connection, do Parliament. Aqui, George era o Lollypop Man, DJ da rádio WEFUNK, que, sob longas madeixas loiras, óculos escuros de menina e com um pirulito na boca, contava-nos a saga de Starchild, uma espécie de Messias do Funk. Aos poucos, somos apresentados à doutrina P-Funk, uma utopia psicodélica onde as forças da inteligência, da diversão e do sexo lutam contra as da chatice, opressão, estupidez e falsidade. O espírito do bem tinha outro nome e este era Funk. Foi ele quem deu o primeiro beat do universo, que se tornou o primeiro groove, que levaram as coisas a serem como elas são.


Toda esta teoria científico-religiosa vinha de uma sacada de Bootsy Collins, que se referia ao funk básico como "the one", devido sua marcação no primeiro dos quatro tempos do compasso. Pense em qualquer funk básico e sua força motriz está justamente na ênfase dada à primeira nota desta série de quatro tempos. O Funk então era "the one", "o um", o único, o todo. E Starchild era seu representante na Terra, que trazia o Funk para nós terráqueos. Para fazer Starchild, Clinton vestia-se com uma capa amarela e óculos futuristas. Este, mais tarde, seria revelado na verdade uma criação do Dr. Funkenstein, que revelaria o segredo das pirâmides - e o do Funk - com seu exército de clones. Mas o maligno Sir Nose D’Voidoffunk apareceria fazendo o nariz das pessoas crescerem e impinarem, se achando bons demais para a dança, dando as costas ao ritmo e à inteligência - é a chamada Síndrome de Placebo -, fazendo com que as pessoas alcancem a Zona de Zero Funkatividade. Mas contra isso Starchild tem a Bop Gun, uma arma que ativa o Funk que toda pessoa tem dentro de si. Que doideira!



Imagine isso no palco então. Ninguém queria ficar para trás e todos se travestiam da forma mais espalhafatosa possível. Purpurinas, lantejoulas, plumas, capas, saltos gigantescos, chapéus absurdos, óculos escuros de todos os formatos, perucas, maquiagem - tudo contribuindo para a visão mais excêntrica que o mundo poderia assistir. E contando com de três a cinco guitarristas por show, sete ou oito vocalistas (incluindo aí as Brides of Funkenstein), dois tecladistas, dois bateras, alguns percussionistas, dois baixistas, um time inteiro de metais (os Horny Horns) e quem mais quisesse subir no palco para fazer algum barulho. Não era difícil a banda ter mais de vinte músicos por noite.

Shows intermináveis, horas de delírio que podiam durar até o sol raiar, com toda a parafernália imaginável e condizente com a ficção-científica psicodélica que Clinton criou com o grupo. Luzes, gelo seco, coreografias, flashes e uma gigantesca nave espacial, o ponto alto das apresentações. O som era insistentemente alto e é resultado de uma fatídica noite em que o grupo, usando o equipamento do grupo de rock Vanilla Fudge, viu as pessoas serem literalmente movidas pelo som.

A segunda formação ainda contava com o guitarrista e vocalista Gary Shider, o baixista Cordell "Boogie" Mosson que substituía - e bem - Bootsy Collins (quando este começou a tocar sua própria banda, Bootsy’s Rubber Band), o vocalista Gary "Mudbone" Cooper e o baterista Ty Lampkin. Esta formação consagrou o auge do P-Funk, firmando-o no inconsciente coletivo da América negra.

Em 1975, Clinton convocou o jovem (17 anos!) prodígio Michael Hampton para assumir as guitarras e este se mostrou um guitarrista com tanta personalidade quanto Eddie Hazel. No ano seguinte, o baterista James Brailey, o baixista Rodney "Skeet" Curtis, e os vocalistas Glen Goins (que morreria prematuramente de câncer em 1978), Junie Morrison e Ron Ford entravam na dança. E com esta formação o P-Funk escreveria seu principal disco.

Enquanto o Parliament contava as histórias e aventuras do funk, como um velho testamento futurista, cheio de descrições fantásticas, aventuras de tirar o fôlego e personagens bizarros, o Funkadelic afirmava conceitos. Era a versão zen do P-Funk, a teoria por trás da prática parliamentarista. Em One Nation Under a Groove, de 1978, Clinton descreve o mundo perfeito que todas as religiões prometem; mas um mundo perfeito real, palpável, que apenas depende das ações dos terráqueos para que ele aconteça. A regra? Render-se ao Funk.

O disco começa com a irresistível faixa-título, um suíngue malandro e gostoso que explica esta regra. "Eis nossa chance para dançarmos pra longe nossos apertos", canta o velho George, "com o groove como guia, todos nos moveremos". O balanço é temperado pelos médios, então a guitarra de Gary Shider e os teclados de Bernie Worrell pavimentam o caminho para os vocalistas cantarem a nação perfeita funk: "Uma nação sob um groove/ Get down for the funk of it/ Uma nação sob um groove/ Nada pode nos deter". Os vocais aqui são o principal elemento da canção e eles se sobrepõem cantando lemas da tomada de poder P-Funk: "Pés, não me falhem agora", "Você promete funk?", "Pronto ou não, aí vamos nós/ Chegando junto àquele que acreditamos" , "Mais do que você consegue funkear". O ápice da faixa acontece quando todos os vocalistas cantam o mantra celebratório da faixa com um gospel, uma seqüência mágica de "la-la-las" que foi usado por gente tão diferente quanto Dr. Dre e A Tribe Called Quest. One Nation Under a Groove, a música, é um dos balanços mais irresistíveis da história da música. Não é à toa que se tornou o primeiro número 1 da história do Funkadelic (o Parliament havia conseguido o seu no ano anterior, com Bop Gun).

A segunda faixa começa com um andamento suave e misterioso, alguém falando sozinho na rua deserta: "Foi quando me perguntaram aonde eu estava indo/ E, bem, você tem que ser razoável/ Você sabe, eu nunca estive longe de casa antes/ E além disso, eles me propuseram algo legal/ É... Funkadélica, hmmm, a nação/ Saca, você vive sob ela". Junie Morrison fala como se estivesse fumando algo e uma voz ao fundo pergunta "que diabos esse moleque tá falando?" antes da bateria liberar o baixo e as guitarras para a dança que estavam ensaiando.



Entra a suingueira latinesca de Groovealliance: "Assuma o compromisso da groovealiança com o Funk Unido da Funkadélica", parodiam o juramento da bandeira dos Estados Unidos. Está batizado o país, no funk temperado por calipso e rock steady conduzido pelo baixo de Skeet Curtis e a batera minimal de Ty Lampkin. Novamente, os vocais tem papel fundamental no suíngue, mas quem conduz tudo aqui é a cozinha, que é seguida da guitarra hipnótica de Hampton e pelos teclados insistentes de Worrell.

O grupo enfatiza seu lado pesado numa música cujo título explica tudo. Who Says a Funk Band Can’t Play Rock? (Quem Disse que uma Banda de Funk Não Pode Tocar Rock?) abre com um riff memorável, invejado por Angus Young e Paul Stanley. O resultado final é um furioso cruzamento de AC/DC com Kiss aplacado pelo suíngue visceral do grupo. É o primeiro grande momento de Michael Hampton, que esmerilha sua guitarra para quem ainda duvida de sua capacidade. Guitar hero, dos bons, sem dúvida.

Promentalshitbackwashpsychosisenemasquad (The Doo-Doo Chasers) é a síntese das metáforas escatológicas de Clinton. Sobre um soul psicodélico que coloca o líder na mesma poltrona que Isaac Hayes e Curtis Mayfield, George conta uma parábola sobre os Caçadores de Cocô, a P.E. Squad, dispostos a livrar nossas mentes da quantidade de dejetos que nos são despejados como informação. A letra é dita em forma de oração, com cada verso repetido por todos os vocalistas do grupo: "O mundo é uma privada/ Nossas bocas são cus neurológicos/ E falando psicologicamente/ Estamos num estado de diarréia mental/ Falando merda milhas por minuto/ Ou em nossos estados de noções constipadas/ Não pensamos em nada a não ser merda", brada o presidente, "E o que causa toda esta merda?/ Qual é a fonte para a comida do pensamento?/ Aperitivos de ego/ (...)/ Eu-Hamburguer com molho de Mim/ Um sanduíche de Eu Mesmo/ Um hamburguer pessoal/ E um copo de Constrição-Cola/ (...) Pouca lógica calórica/ Para o músculo cérebro". Doo-Doo Chasers continua suas comparações grotescas por toda canção, falando de Confúcio, Groovalax e que "sorvete frito é uma realidade!". De vez em quando, uma voz sussurra uma piada interna não muito difícil de interpretar: "Qual de vocês é George Clinton?". Dá pra imaginar qualquer tipo de autoridade branca entrando no meio daquela festa blac.k e querendo saber quem é o chefe desta algazarra. Não tem chefe meu amigo, todo mundo aqui é o George Clinton, todos somos clones do Dr. Funkenstein.

Into You dá os vocais para o vozeirão de Ray Davis, seguidor dos princípios Clintonianos desde os tempos dos The Parliaments. "Eu não consigo entrar numa bomba de nêutrons/ Eu não consigo entrar em algo que me machuque/ Eu não consigo entrar no princípio vicioso da droga/ Eu não consigo entrar em algo que feche a porta/ Eu não consigo entrar numa terra envenenada/ Eu não consigo entrar em algo que eu não entendo/ Eu não consigo entrar num mau romance/ Eu não consigo entrar num amor que termine em possibilidades". E usa esse preceito para tentar converter a mente do ouvinte e deixar sua parceira abrir o sinal. Por isso a dança é a moeda do pensamento P-Funk: só assim sexo, inteligência e diversão caminham (ou melhor, rebolam) juntos.

Cholly (Funk Gettin' Ready To Roll) convida o ouvinte ao funk, mais uma vez. "Adoraríamos te levar para onde vamos", canta o coral que chama o personagem central - Cholly - para uma festa interminável. Baixos, guitarras, teclados e percussão trabalham pela primeira vez em uníssono; ninguém se sobressai e todos instrumentos conspiram em torno do groove. "Eu curtia Bach/ E Beethoven era o meu lance/ Curtia jazz, curtia rock/ Tudo que fosse legal/ Mas um amigo me disse que ainda havia muito/ Encontre o vácuo que você perdeu/ Há muito há se explorar", conta o Gary Shider, antes de cair no funk.

O disco vai chegando ao fim com as instrumentais. Lunchmeatophobia (Think!...It Ain't Illegal Yet!) é o casamento improvável do Chic com os Doobie Brothers e o Bla.ck Sabbath, enquanto Clinton apenas berra "Pense! Ainda não é ilegal!" enquanto as guitarras vão se sobrepondo. P.E. Squad/DooDoo Chasers ("Going All-The-Way Off" Instrumental) volta ao departamento de limpeza do esgoto cerebral, só que desta vez sem a oração bizarra. E com atenção no instrumental, assistimos a uma apresentação incrível de um Pink Floyd negro, com tanto suíngue nas cadeiras quanto viagens instrumentais na cabeça. Encerrando o disco, o tira-teima do caçula do grupo: Michael Hampton assume a árdua tarefa de equivaler-se à sombra que Eddie Hazel, que ainda pairava sobre o grupo. E numa versão ao vivo, ele libera toda sua emoção nas seis cordas, recebendo a bênção do autor do lendário e interminável solo de guitarra.

Quando chegamos ao fim do disco, estamos convertidos. Impossível resistir ao groove contagiante da psicodelia de Clinton, que toma o poder da nossa mente sem muito esforço. Se James Brown é o Isaac Newton no funk, descobrindo suas regras básicas e fazendo todo universo encaixar-se nelas, George Clinton é seu Albert Einstein, expandindo estas noções à medida que a consciência de si vai crescendo. E One Nation Under a Groove é sua Teoria da Relatividade, o punhado de princípios que, unidos, mudaram tudo.

Hoje quando encontro meu irmão ele faz questão de me receber com trechos do álbum, tamanho estrago que o disco pode fazer. E quando lembro que isso é só o começo, que One Nation Under a Groove é só o primeiro passo a ser dado dentro deste universo mágico chamado P-Funk, ele não duvida. Quem sente, sabe.


Texto tirado do Trabalho Sujo, blog do Alexandre Matias, com muitos textos e resenhas de música.

A história da tortura

Elaborado em 12.2004.

Daniza Maria Haye Biazevic - promotora de Justiça em Minas Gerais, pós-graduada em Direito Processual Penal pela Escola Paulista de Magistratura


A história relata muitos momentos em que a prática de violências tornou-se rotina. São guerras, civis ou militares, ou simples desordens sociais decorrentes de motivos múltiplos. São instantes em que a força prevalece sobre a razão, de forma oficializada ou não. E o único ponto que aparece como comum em todas essas situações é a desumanização da humanidade.

A prática dos tormentos quase sempre esteve ligada ao próprio sistema penal vigente na sociedade, qualquer que seja ela, e a legislação de um povo deve ser encarada como um reflexo dos conceitos e valores do mesmo.

Sob o aspecto processual, historicamente, a tortura se apresentou como um instrumento útil para obtenção de (duvidosas) confissões, as quais já desfrutaram de valor superior a qualquer outra prova.

O século XVII pode ser citado como um momento de desumanização, em decorrência das lutas por territórios da Idade Média e da própria necessidade de manutenção do poder através da força.

Dalmo de Abreu Dallari, entrando na discussão em torno da pergunta proposta por Maquiavel ainda em 1513, quando procurou saber se para um príncipe era melhor ser temido ou amado pelo povo, assim conclui:

Governantes sem legitimidade e sem escrúpulos, preocupados apenas com a preservação de seus privilégios, sem nenhuma possibilidade de serem amados, usaram amplamente o terror para manter o povo intimado e submisso. E o próprio povo, por sua ignorância, companheira inseparável dos preconceitos, muitas vezes colaborou para que seus dominadores usassem da violência" [01] (grifo nosso).

A razão também, muitas vezes, se confundiu com a fé. A doutrina de São Tomás de Aquino defendia que "a fé não teme a razão, mas a solicita e confia nela. Assim como a graça supõe a natureza e a leva à perfeição, assim também a fé supõe e aperfeiçoa a razão". [02]

De acordo com Valdir Sznick,

A tortura, em sua evolução histórica, foi empregada, de início, como meio de prova, já que, através da confissão e declarações, se chegava à descoberta da verdade; ainda que fosse um meio cruel, na Idade Meia e na Inquisição, seu papel é de prova no processo, possibilitando com a confissão a descoberta da verdade. [03]

Foi a tortura, posteriormente, utilizada como pena (entre os antigos e romanos), bem como prova propriamente dita. Por fim, foi utilizada como satisfação, não só do crime cometido, mas, também, como meio de satisfazer os instintos baixos, em atos de verdadeiro sadismo. [04] Isso porque "a tortura tem em si uma conotação muito ligada ao sadismo; o sadismo supera o poder – que leva à tortura – e, ainda, à vingança. No fundo, o torturador é um sádico". [05]

Em estudo do tema, percebemos igualmente que o século XVIII foi um marco histórico, representando o momento em que a tortura passa a ser oficialmente restringida e abolida em praticamente todos os Estados, em decorrência da propagação das idéias iluministas.

Nos tempos mais atuais, raramente a tortura é empregada no combate aos criminosos e na perseguição ao delito, como antigamente, surgindo os tormentos como medidas de defesa da sociedade contra aquelas pessoas que são consideradas ameaçadoras para a sociedade, como os terroristas.

O que é interessante notar que quanto mais as legislações proibiram a tortura, mais era, na prática, utilizada, com objetivos dos mais diversos.


--------------------------------------------------------------------------------

1.Tortura no mundo

1.1) Antigüidade


Sabe-se que, desde a pré-história, o homem sentiu a necessidade de viver em grupo (pequenos, inicialmente), com laços muito fortes entre os seus componentes, seja pelos temores reais, seja pelos imaginários e sobrenaturais a que estariam sujeitos. Os entes sobrenaturais, acreditava-se, tanto podiam proteger o grupo como castigá-lo, dependendo de seu comportamento.

A crendice fazia parte do cotidiano, e a figura do totem apresenta-se muito presente no começo da civilização humana. Teria ele poderes mágicos extraordinários, "recaindo sobre um animal, sobre qualquer força da natureza ou mesmo sobre uma planta". [06] Também poderia ser representado por um próprio antepassado do grupo. Acredita-se, assim, que os primeiros castigos advieram de relações totêmicas.

Nessa fase, a principal finalidade da tortura era mesmo a retribuição do mal causado pelo delito, daí aplicarem-se métodos de expiação que implicavam em dores praticamente insuportáveis, nem elo estreito entre prisão e tormento.

De acordo com Mário Coimbra:

também floresceram, nessa fase histórica, os tabus, cuja palavra, de origem polinésia, expressa, ao mesmo tempo, o sagrado e o proibido. Tais proibições eram enfocadas como as leis dos deuses, que não deviam ser infringidas. Tratava-se, por conseguinte, de uma lei religiosa, que garantia o controle social [07].

Lembra ainda que

as ofensas ao totem ou as condutas que se consubstanciavam em desobediência ao tabu eram severamente punidas, geralmente com a morte, cujos castigos eram determinados pelo chefe do grupo, que, também, era o chefe religioso [08].

Há muitos relatos de punições coletivas, de todos os que pertenciam ao grupo. A justificativa era de que essa era a única maneira de acalmar a ira da divindade, obstando sua vingança pelo descumprimento de determinadas "obrigações".

O próprio texto bíblico traz passagem descritiva de execução por lapidação, ou seja, através de pedras lançadas pelos integrantes da comunidade como punição pela prática de crimes. A antropologia, inclusive, considera as pedras como as primeiras armas às quais teve o homem acesso.

Antigas civilizações ofereciam suas crianças em sacrifício aos deuses então cultuados. Há textos da Bíblia e até mesmo do império greco-romano descrevendo massacres infantis e a natural matança de crianças portadoras de deficiências físicas. No Novo Testamento, é bom lembrar, o açoite aparece como sevícia mais comum aos acusados.

E se falarmos no início dos tempos,

onde se confunde o poder com a religião, havia um quê de sacralidade na pena e punição. É dentro desse conceito sacral que se tem os totens, amuletos, sortilégios e oráculos. Esse mesmo espírito sacral permanece até os germanos, quando ainda subsistem as ordálias e os juízos de Deus, como instrumento de provas, mas com ‘provas’ cruéis como o uso de água fervendo, óleo fervente e outras. Era a época em que a confissão tinha um valor alto demais como prova, um valor também quase religioso, considerada a ‘rainha das provas’ [09].

Nesse contexto, as infrações tinham uma natureza muito mais ligada ao conceito de pecado do que uma ofensa à sociedade. Esse caráter explicava a desproporção entre a conduta e a sua punição.

Podemos notar, entretanto, que mesmo quando a infração passa a ser considerada um crime político, deixando de ser considerada apenas pecado, não perde integralmente a pena a sua roupagem mística. Durante muitos séculos ainda o misticismo ensejará torturas e mortes.

Pode-se dizer que

a tortura foi uma importante instituição na antiguidade, definida como ‘o tormento que se aplicava ao corpo, com o fim de averiguar a verdade’, sendo que sua base psicológica sedimentava-se no fato de que, mesmo o homem mais mentiroso, tem uma tendência natural de dizer a verdade; e, para mentir, há a necessidade de exercer um autocontrole, mediante esforço cerebral. Inflingindo-se a tortura, esse tem que canalizar suas energias, para a resistência à dor, culminando, assim, por revelar o que sabe, no momento que sua contumácia é debilitada, pelos tormentos aplicados [10].

Valdir Sznick cita Asúa, para o qual

os persas, na Antiguidade, colocavam o condenado amarrado em dois botes, só com a cabeça e os membros de fora. Untavam-no com mel e leite o rosto, os membros e as costas. Viravam-no para o sol. Não demorava muito e o corpo era invadido pelas moscas que, aos poucos, o dilaceravam [11].

De acordo com João Bernardino Gonzaga:

Parece que, em maior ou menor grau, essa violência foi utilizada por todos os povos da Antigüidade. O texto mais velho que dela nos dá notícia acha-se em fragmento egípcio relativo a um caso de profanadores de túmulos, no qual aparece consignado que ‘se procedeu às correspondentes averiguações, enquanto os suspeitos eram golpeados com bastões nos pés e nas mãos’ [12].

Apesar desse relato, a doutrina majoritária prefere ensinar que os gregos foram os primeiros a usar da tortura sistematicamente na instrução criminal, como meio de prova, contra, principalmente, os escravos. A idéia era a de que "a dor por eles sentida substituía o juramento que os seus senhores prestavam de dizer a verdade". [13] Assim, "somente eram supliciados aqueles que, por serem carecedores de honra, não traziam, consigo, a dignidade de pessoa". [14]

Nessa época, as principais provas eram testemunhais, documentos e o juramento.

Os romanos, igualmente, tratavam seus escravos com extremada crueldade. A aplicação da tortura, nos procedimentos judiciais, somente foi regulamentada e limitada nos Códigos Teodosiano e Justiniano; seria usada apenas nos casos de adultério, de fraude cometida no censo e nos delitos de lesa majestade.

Nos dizeres de Pietro Verri, "a corrupção do sistema romano gerou o uso da tortura, estando as principais dignidades do cônsul, do tribuno da plebe e do sumo pontífice concentradas na pessoa exclusiva dos imperadores." [15] É que a aniquilação da república, momento em que quase foi atingida a igualdade de tratamento entre os cidadãos livres, e a imposição de um governo despótico, faz com que simplesmente desaparecessem liberdades públicas logradas em períodos anteriores.

Na fase do Império, o processo sofreu grande transformação, restringindo-se em grande parte o direito de acusação, que foi cedendo lugar à acusação ex officio e ao procedimento extra ordinem, tendo sido a tortura oficialmente introduzida. Em certo momento, até mesmo as testemunhas podiam ser torturadas, embora existissem alguns privilégios em razão da classe social do indivíduo.

Assim,

Primeiramente César e depois Augusto respeitaram a memória da liberdade, ainda recente no espírito dos romanos; depois, gradualmente, ela se foi debilitando, e o natural desejo dos déspotas de ter um poder ilimitado sobre tudo se expandiu com menor comedimento. (...) À medida que se consolidava a tirania, a tortura, utilizada apenas contra os servos nos tempos felizes de Roma, fosse estendida também aos livres [16].

Para os romanos, que desenvolveram inúmeros métodos de tortura,

A confissão era prova suficiente para a condenação. Desde que sem defeitos e aceitável, não havia a necessidade de realizar mais nenhuma prova, interrompendo-se o processo. Para tanto, a confissão era avaliada com cautela, ainda mais quando obtida mediante tortura (quaestio) [17].

A tortura em crianças era uma realidade não combatida na época, dispondo o pai de poder disciplinar absoluto em relação ao filho, podendo, inclusive, matá-lo, vendê-lo ou dá-lo em doação ou penhor. Ocorre que

com a evolução da civilização e a partir do cristianismo, tal poder – que se situava na órbita do exercício regular de direito – foi se abrandando com exigências de moderação, passando a ser punidos seus excessos quando deles resultassem lesões corporais graves ou morte [18].

A chamada Lei de Talião, que tão drástica hoje nos parece, na verdade representou um imenso avanço com relação às penas aplicadas na época, pois ao menos respeitava um critério de proporcionalidade e eram impostas por juízes (ainda que muitas fossem cruéis). A tortura não, pois não respeitava (e não respeita) nenhum direito de defesa, levando a situações aberrantes.

A Lei de Talião, conhecida pela frase "olho por olho, dente por dente", data de 2.000 a.C., e autorizava a intervenção corporal na medida do gravame causado. Constava do Código de Hamurábi, o qual admitia a fogueira, a empalação, a amputação de órgãos e a quebra de ossos.

A aplicação dessa Lei começou a se tornar mais difícil, o que a acabou restringindo apenas aos crimes contra as pessoas, nos quais era possível retribuir o mal causado com um mal idêntico.

Depois, adveio o que se denomina Talião imaterial, surgindo

a idéia de aplicar-se a penalidade de forma indireta ou simbólica. Nos crimes contra os costumes a punição era a castração, nos delitos de difamação (verbal) se recorria à extirpação da língua, nos delitos contra a propriedade, ora a perda da visão, ora do órgão que serviu de meio à subtração (mão). (COSTA, Álvaro, 1998, apud GOULART, p. 21).

1.2) Idade Média

Com a queda do Império Romano e a invasão da Europa pelos povos bárbaros, tem início a Idade Média.

Os bárbaros visigodos dominaram a península em 622 d.C., sendo responsáveis pela elaboração de várias legislações, como o "Código Visigótico". Nesse diploma, as provas eram o juramento, as testemunhas, os juízos de Deus (sobre os quais discorreremos em seguida) e os tormentos.

Segundo os relatos da época,

os medievais eram mais dados ao rigor da Lógica e às verdades metafísicas do que à ternura dos sentimentos; o raciocínio abstrato e rígido neles prevalecia sobre o senso psicológico(...). Tão grande era o amor à fé (esteio da vida espiritual) que se considerava a deturpação da fé pela heresia como um dos maiores crimes que o homem pudesse cometer. [19]

Para ilustrarmos o pensamento da época, interessante a transcrição do seguinte texto de São Tomás de Aquino:

É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda, que é o meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moeda e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte. [20]

Ademais, as crianças, durante a Idade Média, de acordo com Naura Liane de Oliveira Aded e Silvia Falcão,

por constituírem ‘peso-morto’ e bocas a mais a serem alimentadas, em épocas de fome ou guerra, podiam ser abandonadas em florestas, ao nascer, ou então terem sua alimentação e cuidados postos como última opção, pois todos os recursos eram colocados à disposição dos guerreiros. Mulheres e crianças eram consideradas como pertencentes a uma classe inferior [21].

Mas os medievais não podem historicamente ser classificados como bárbaros ou insensíveis, pois, a seu modo, buscavam a justiça e cultivavam a benevolência. Inúmeros benefícios aos presos foram registrados na época, como possibilidade de afastamento para tratamento de saúde (até mesmo de familiares), de tirar férias em casa, e até mesmo indulto total da pena.

No regime feudal, não estava formada a noção de interesse público em punir os crimes praticados dentro de uma sociedade, pertencendo apenas às pessoas lesadas o direito de acusação.

Dava-se especial importância aos juramentos e testemunhas. Se não existissem, restavam dois outros expedientes: o duelo (no qual confrontavam-se acusador e acusado) e os "Juízos de Deus", ou ordálios, que só desapareceram no século XIV. Ambos se fundamentavam na crença de um Deus onipresente a interferir nas relações humanas. A intervenção divina era provocada para a busca do "real culpado".

Os "Juízos de Deus" surgiram no século XI, com a colonização dos bárbaros, e são considerados o início da tortura em juízo. Mais tarde, começam a surgir referências aos tormentos no processo criminal.

Foi nesse período histórico que a confissão passou a ser considerada a rainha das provas – regina probarum – devendo ser buscada praticamente a qualquer custo.

Segundo João Bernardino Gonzaga,

se por qualquer motivo ao conviesse o duelo, recorria-se aos ordálios. (...) Os métodos variavam muito, mas em regra consistiram na ‘prova do fogo’ ou na ‘prova da água’. Por exemplo, o réu devia transportar com as mãos nuas, por determinada distância, uma barra de ferro incandescente. Enfaixavam depois as feridas e deixavam transcorrer certo número de dias. Findo o prazo, se as queimaduras houvessem desaparecido, considerava-se inocente o acusado; se se apresentassem infeccionadas, isso demonstrava a sua culpa. Equivalentemente ocorria na ‘prova da água’, em que o réu devia por exemplo submergir, durante o tempo fixado, seu braço numa caldeira cheia de água fervente. A expectativa dos julgadores era de que o culpado, acreditando no ordálio e por temos a suas conseqüências, preferisse desde logo confessar a própria responsabilidade, dispensando o doloroso teste. [22]

Nesse ínterim, foi-se estruturando a chamada Justiça da Igreja, seguindo doutrina completamente diversa.

Segundo o mesmo autor,

tratava-se mais propriamente de uma Justiça disciplinar do que judiciária; e, à vista dos seus objetivos, é natural que adotasse regras com eles condizentes: a apuração dos fatos devia ser discreta, isto é, secreta, para o bem do acusado e para evitar escândalo público. A confissão do réu passou a ter importância capital, visto constituir indício de arrependimento, suscitando esperança da almejada regeneração. [23]

É muito importante aqui lembrarmos que a idéia de tripartição dos Poderes de Estado somente veio a se concretizar no século XVIII, por influência de Montesquieu. A separação, sem dúvida, propiciou não só a liberdade da Justiça, como também sua imparcialidade e equilíbrio.

Na época em questão não se admitia a presença de um advogado, devendo o réu defender-se sozinho. Não só as acusações eram secretas, como todos os atos processuais em geral e, ao contrário do que hoje ocorre, como regra todo acusado deveria permanecer detido durante o trâmite do processo.

O mais interessante é notar que se fosse reconhecida a culpa do réu, as sanções aplicadas seriam, normalmente, apenas de natureza patrimonial.

Ademais, se o acusado fosse nobre ou de alta classe social, era-lhe permitido indicar algum subordinado para que participasse dessas provas.

Aos nobres, raramente era aplicada a tortura. A própria maneira de cumprimento de pena era diferenciada de acordo com a classe social do acusado. A pena de morte, por exemplo, para os nobres, consistia na decapitação; os plebeus eram submetidos à forca.

1.3) Inquisição

O fenômeno da Inquisição, cujo nome completo era Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, estendeu-se desde o século XII até o século XIX, ultrapassando as fronteiras da Idade Média e do Renascimento, chegando à Idade Moderna.

A Inquisição, como bem lembra Padre Estêvão Tavares Bettencourt,

Nunca foi um tribunal meramente eclesiástico; sempre teve a participação (e participação de vulto crescente) do poder régio, pois os assuntos religiosos eram, na Antigüidade e na Idade Média, assuntos de interesse do Estado; a repressão das heresias (...) era praticada também pelo braço secular, que muitas vezes abusou da sua autoridade. Quanto mais o tempo passava, mais o poder régio se ingeria no tribunal da Inquisição, servindo-se da religião para fins políticos. [24]

Ainda no século XIII, conta Valéria Diez Scarance Fernandes Goulart:

Inocêncio III deu início à investigação de ofício, para os casos de notoriedade, fama e clamor público. Com o tempo, mesmo sem esses requisitos, o sistema inquisitivo passou a ser aplicado a todos os crimes, desenvolvendo-se largamente em decorrência das lutas contra hereges. Criou-se o Tribunal da Inquisição e, no século XV, os Tribunais do Santo Ofício, principalmente na Espanha e Portugal. [25]

João Bernardino Gonzaga, em seu livro A Inquisição em seu mundo, logrou fazer um retrato imparcial e justo do período, fundamentado em fatos históricos. Despiu-se do quadro estereotipado dos inquisitores que tendemos a aceitar como verdadeiro e analisou profundamente todo o contexto social, político, econômico, religioso e até científico da época, para, enfim, concluir que as críticas atuais precisam ser repensadas à luz da realidade daquele momento. A Inquisição foi produto de sua época e a legitimidade da tortura utilizada não suscitava então dúvidas.

Realmente, os costumes do povo eram tão bárbaros quanto as leis; ele amava os suplícios como as festas públicas e os sofrimentos divertiam a massa.

De acordo com Pietro Verri,

a natureza do homem é tal que, superado o horror pelos males alheios e sufocado o benévolo germe da compaixão, se embrutece e se regozija com sua superioridade no espetáculo da infelicidade alheia, do que também se tem um exemplo no furor dos romanos pelos gladiadores [26].

João Bernardino Gonzaga descreve bem o quadro estereotipado mencionado, o qual, após infindáveis repetições, acaba sendo considerado verdade absoluta por aqueles que o ouvem:

Nascida oficialmente no começo do século XIII e durando até o século XIX, a Inquisição dedicou-se, dizem eles, a semear o terror e a embrutecer os espíritos. Adotando como método de trabalho a pedagogia do medo, reinou, de modo implacável, para impor aos povos uma ordem, a sua ordem, que não admitia divergência, nem sequer hesitações. Ao mesmo tempo, pretende-se que o que havia por detrás dela, nos bastidores, era um clero depravado, ignorante e corrupto, em busca apenas do poder político e da riqueza material. (...) A igreja teria conseguido entravar por longo tempo o desenvolvimento cultural da humanidade [27].

Após minuciosa descrição das críticas feitas às condutas do período, o autor começa a questioná-las. Afinal, o que haveria de verdadeiro nisso tudo e como interpretar de maneira justa e objetiva o período? A análise deve começar por considerarmos a Inquisição como retrato da justiça criminal da época, por todos encarada com naturalidade, aprovada e defendida pelos juristas especialistas de então.

Os paradoxos, para o autor, são gritantes:

Parece-nos muito intrigante o seguinte: os tribunais de fé, é inegável, foram violentos, usaram métodos processuais e penais que consideramos reprováveis; levaram efetivamente a padecimentos e à morte multidões de pessoas, somente porque elas ousavam ter suas convicções. Tudo isso nos causa a nós, hoje, forte repulsa. Como então conciliar, eis a questão, tanta prepotência e tanta maldade com a suave figura de Jesus de Nazaré; com a virtude da caridade, que deve ser o farol máximo a iluminar o caminho da Igreja? (...) Será crível que, durante tão largo tempo, a Igreja haja abandonado Cristo? [28]

E, como bem lembra Pietro Verri:

O único julgamento pronunciado por Cristo durante sua vida foi para absolver a mulher que queriam apedrejar; e os cristãos que imitam ou deveriam imitar a vida paciente, bondosa, humana e compassiva do Redentor escrevem tratados para torturar seus irmãos com as mais atrozes e refinadas invenções! [29]

As respostas começam a aparecer quando tentamos analisar o período dentro dos valores que então regiam a sociedade, dentro do universo em que a Inquisição estava inserida e se modelou. A formação cultural, o estilo de vida, a relação das pessoas com a política, economia e, principalmente, com a religião, explicam muitas condutas.

Como bem assinala João Bernardino Gonzaga,

ao homem de hoje, forjado por intenso processo de secularização que se iniciou com a Idade Moderna na civilização ocidental, torna-se incompreensível que a religião, outrora, haja assumido o papel de poderoso e efetivo ordenador da vida social. [30]

A proliferação da criminalidade era caótica, ao mesmo tempo em que não havia uma política social eficaz. Coube, assim, à Justiça Penal ordenar a situação, contendo os insatisfeitos, o que foi feito através do terror.

Nesses termos,

diante de tantas dificuldades para uma eficaz proteção social, dois remédios foram adotados; a Justiça incentivava ao máximo as delações secretas, de modo que qualquer pessoa do povo podia acusar outrem, conservando-se no anonimato e a salvo de represálias; depois, o juiz buscava extorquir a confissão do suspeito, mediante a tortura. (...) Não se cogitava de penas com função reeducativa, exceto no Direito da Igreja. Os castigos da Justiça comum tinham mais propriamente o sentido de vingança, contra aquele que violara as ordens do rei e que era depois julgado pelos seus juízes. A par disso, a punição devia ser exemplar, escarmentando o povo, a fim de convencê-lo a respeitar as leis. Para tanto, quanto mais severa, melhor seria a pena. [31]

Não queremos neste trabalho defender as práticas tormentosas utilizadas nesse período histórico, mesmo porque entendemos que qualquer violação à garantia máxima da vida não se legitima jamais (e sua gravidade não deve ser encoberta), mas pretendemos apenas mostrar que tais condutas tiveram um contexto social.

Nicolau Eymerich, em 1376, sistematizou o Manual dos Inquisidores, pelo qual a tortura só poderia ser empregada se houvesse acordo entre o inquisidor e o bispo e os meios empregados deveriam ser tais que o acusado saísse saudável para ser libertado ou executado; sempre o que se buscava era a confissão do suspeito. É interessante notar que não deviam ser torturados os menores de quatorze anos, os velhos e as mulheres grávidas e os torturadores não se importavam com as marcas deixadas nos corpos, pois eram marcas de expiação do crime cometido.

É fácil percebermos, pois, que era inaplicado o princípio da proporcionalidade entre o crime e a pena.

As leis se limitavam a ordenar ou permitir a tortura, fixando algumas regras gerais para o seu uso, mas não especificavam no que ela poderia consistir; "a forma e os meios a serem empregados para produzir a dor seriam aqueles que os costumes indicassem, ou que fossem inventados por executores imaginosos. Facilmente, pois, ocorriam excessos". (GONZAGA, 1993, p.33)

O seguinte ensinamento de São Tomás de Aquino reflete bem a maneira como a tortura era encarada então: dizia que assim como ao médico é lícito amputar o membro infeccionado para salvar o corpo humano ameaçado, deve ser permitido ao príncipe eliminar o elemento nocivo ao organismo social.

Era inconcebível, em séculos passados, falar-se em liberdade religiosa, e isso se aplicava a todas as religiões, não somente à católica. Cada Estado exigia da sua população uma crença única, oficial. Religião e nacionalidade eram crenças que se confundiam.

Assim, não era possível exigir que a Igreja Católica respeitasse heterodoxias religiosas, quando o mundo era regido por dizimações ora de cristãos (pelos romanos, por exemplo), ora de pagãos, ora de anglicanos, ora de islâmicos. Ainda como ponto favorável à Igreja Católica temos a condição de procurar esta, através da força, ao menos atacar rebeldes que procuravam minar uma religião já consolidada entre o povo, ao contrário de outras religiões, que queriam impor compulsoriamente ensinamentos a pessoas de antiga fé oposta.

É fato, ainda, que os escritores mais célebres e conhecidos da época foram defensores desse sistema.

A grande maioria das religiões era absolutamente intolerante com as demais nessa época. Assim, se assumissem os hereges o Poder seguramente dariam aos católicos o mesmo tratamento que a eles estava sendo dispensado.

Nesse contexto,a Inquisição, portanto, não foi algo artificial, que a Igreja tenha impingido ao povo, mas produto de uma necessidade natural, que todos sentiam, e o seu severo modo de atuar foi condizente com o estilo da época. Somente muito mais tarde, presentes outras concepções e outros costumes, é que ela veio a ser criticada como atentatória às liberdades individuais. [32]

A Inquisição tinha um espaço hoje comparável à política, despertando amores e ódios, mas considerada legítima pela população.

O ritual de procedimento da Inquisição era bem definido, em quase todos os seus atos processuais, sendo a execução pública. Os motivos de o procedimento ser sigiloso são bem explicados por Nicolau Eymerich, em seu livro Manual dos Inquisidores:

Não deverão tornar-se públicos os nomes das testemunhas nem dá-los a conhecer ao Acusado, se disso advier algum dano para os Acusadores e só muito raramente é que tal dano não acontece. Efetivamente, se o Acusado não é de temer por causa de suas riquezas, nobreza ou família, é de temer muitas vezes a sua maldade ou a de seus cúmplices, os quais, sendo às vezes determinadas pessoas e nada tendo a perder, se tornam perigosos para as testemunhas. Foi isso que a experiência me ensinou. (...) A forma secreta e escrita do processo confere com o princípio de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era o soberano e seus juízes um direito absoluto e um poder exclusivo. (apud SZNICK, 1998, p.81)

A denúncia, que era oral, fazia-se com as mãos sobre o Evangelho, como um juramento e a obrigação de denunciar os hereges era permanente.

A posição da Igreja Católica só começou a mudar pela meditação em torno de textos como os de Santo Agostinho, surgindo, posteriormente, a noção de caráter medicinal da pena, e não apenas vindicativo.

1.4) Idade Moderna

A tortura, que até o século XIV era enfocada como instrumento processual, sobre a qual gravitavam certas garantias legais, agravou-se a partir do século XV, principalmente nos governos absolutistas. É que, nesse momento, a tortura torna-se indispensável para a defesa e segurança do próprio Estado.

Observa Mário Coimbra que

o processo inquisitivo, na Idade Moderna, com raras exceções, se desenvolveu de forma ainda mais atentatória aos direitos do acusado, porquanto todos os atos processuais eram realizados de forma secreta, sem que este tomasse conhecimento da acusação. [33]

É exatamente essa a realidade retratada por Pietro Verri em seu livro Observações sobre a tortura, que comentaremos no próximo item.

É imperioso notar que

a insegurança vivenciada pelos cidadãos da época refletia a absoluta imperfeição do procedimento criminal destinado à apuração da verdade do fato delituoso, uma vez que a culpa não incidia sobre o acusado após a reunião de todas as provas no processo. Dessa forma, um pequeno indício de um crime grave, por exemplo, era suficiente para manchar uma pessoa com a pecha de um pouco criminoso. [34]

Cada país europeu teve suas particularidades processuais, quase todos com o uso da tortura, mas provavelmente a Alemanha foi o palco das maiores atrocidades relacionadas à tortura no período. Eram comumente utilizadas a empolgadeira (que esmaga polegares), a chamada "virgem de Nuremberg" (um sarcófago de lâminas pontiagudas), bem como torturas por meio de azeite (nas quais o acusado era obrigado a ingerir grande quantidade de azeite fortemente temperado, sendo depois levado a uma sala de temperatura elevada) e de fogo (principalmente nos pés, devidamente untados com gordura).

Outra espécie de tormento

consistia em se desnudar o acusado e colocá-lo, amarrado, num banco, inserindo, sobre seu corpo, formigas, enormes ratos e insetos de toda classe, os quais, geralmente, penetravam no corpo do acusado, através do umbigo, por se encontrarem famintos. [35]

1.5) Iluminismo

O primeiro país a abolir a tortura foi a Suécia, no ano de 1734, mantendo-a apenas para os delitos considerados mais graves e abolindo-a completamente em 1776.

Pietro Verri foi um dos grandes nomes da época, escrevendo Observações sobre a tortura, que será muitas vezes por nós citado neste trabalho. Nesse livro, deixa traspassar toda sua revolta com a prática dos tormentos através da reconstrução, por documentos, de um processo que tramitou em Milão no ano de 1630 e culminou com a tortura e morte de muitos "acusados". Esse processo ficou conhecido como "processo dos untores", já que os réus eram acusados de passar um óleo venenoso (untar) nas paredes da cidade, para assim espalhar a peste negra.

A ignorância e as superstições não deixaram que as pessoas aferissem o completo absurdo dessas acusações. O processo tinha como único objetivo confirmar aquilo que já se tinha como certo e, com a tortura (que tinha apoio na lei) e com a construção arbitrária da prova pelo juiz, foram obtidos quaisquer resultados e culpados.

Números oficiais mostram que, apenas na década de 1620, foram queimadas cerca de mil feiticeiras por ano nas cidades alemãs de Würzburg e Bamberg. A bruxaria consistia na venda da própria alma ao diabo em troca da aquisição de poderes sobrenaturais. Dois poderes constantemente apontados eram o de tornar os maridos cegos a respeito da desonestidade de suas esposas e o de fazer com que as mulheres dessem à luz filhos idiotas ou deformados.

Historicamente falando, é no mínimo interessante notar a que extremo de ódio pode chegar o homem medíocre dotado de força bruta, usando a violência como instrumento da justiça. E o mais inusitado é perceber o quão atual se apresenta, em pleno século XXI, tal discussão. Afirma-se que é nas verdadeiras catástrofes que a fraqueza humana tende a dar mais razão a causas absurdas do que às próprias leis físicas.

Iluministas como Verri, entre outras sugestões, propunham a total separação entre os Poderes Legislativo e Judiciário, para afastar deste as pressões de natureza política, os preconceitos e as superstições. Cesare Beccaria defendia que

é querer subverter a ordem das coisas exigir que um homem seja ao mesmo tempo acusador e acusado, que a dor se torne o cadinho da verdade, como se o critério dessa verdade residisse nos músculos ou nas fibras de um infeliz. Esse é o meio seguro de absolver os celerados vigorosos e de condenar os inocentes fracos [36].

Pode-se dizer que já se apresenta a idéia de presunção de inocência do acusado, em lugar da presunção de culpa que servia de justificativa para a tortura.

De acordo com Dalmo de Breu Dallari,

com muita agudeza observa Verri que nas situações excepcionais o povo tende a acreditar facilmente nas opiniões mais extravagantes. (...) O povo quer que alguém seja punido por seus incômodos e por suas desgraças, mesmo que seja absolutamente ilógica essa pretensão punitiva [37].

Como bem assevera Michel Foucault acerca da tortura judiciária no século XVIII:

(...) O corpo interrogado no suplício constitui o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da verdade. E do mesmo modo que a presunção é solidariamente um elemento de inquérito e um fragmento de culpa, o sofrimento regulado da tortura é ao mesmo tempo uma medida para punir e um ato de instrução [38].

A verdade é que a tortura na Toscana só foi oficialmente abolida em 1783. Na Áustria, o acontecimento deu-se em 1787 e na Hungria, Boemia e Tirol, em 1776.

Os autores iluministas questionavam a posição dos escritores mais antigos que defendiam a tortura, dizendo que não acreditavam realmente na eficácia dos tormentos para a obtenção da "verdade". Mostravam, inclusive, um paradoxo em seu raciocínio: em muitos períodos, somente determinadas camadas sociais eram torturadas; se os doutores considerassem a tortura como um meio para descobrir a verdade nos crimes, não excluiriam suas próprias pessoas das torturas, pois é tamanho o interesse da sociedade no desvendamento deles que ninguém pode se subtrair dos meios de descobri-los.

De qualquer forma, é um erro afirmar que a repulsa da tortura é uma nova invenção dos filósofos modernos, pois sempre existiram autoridades que se opuseram à prática dos tormentos.

1.6) Tortura no direito comparado na atualidade

A abolição da tortura institucionalizada na Europa deu-se, primeiramente, por um decreto de Frederico II da Prússia, de 1740. O entendimento ganhou maior ênfase com a Revolução Francesa e conseqüente expansão de idéias abolicionistas, alcançando cada vez mais Estados.

A partir do século XX, a tortura saiu do âmbito apenas dos períodos de guerra, invadindo o mundo através dos regimes antidemocráticos, principalmente. Muitos governos militares, sem dúvida, contribuíram para esse panorama negativo, e o Brasil não ficou fora desse contexto.

A barbárie passa ao domínio público em decorrência da habitualidade, e faz com que também "apareçam" as torturas sofridas por presos comuns, não ligados a crimes de natureza política, em muitas partes do mundo.

Esse panorama desembocou na feitura pela Assembléia da ONU da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, em 1984, que será analisada no capítulo II.

Os pensamentos humanistas evoluíram desde o século XVIII; a tortura deixa de ser legalmente aceita pela maioria dos Estados, mas prossegue à margem da lei, sem data previsível para término.

E como bem esclarece Paulo Sérgio Pinheiro, "os negros, os pobres e os miseráveis são as vítimas preferenciais da tortura nas delegacias, numa dupla discriminação racial e social" (2000).

E uma coisa parece certa: só conseguiremos exterminar de vez a tortura do mundo civilizado quando lograrmos conscientizar todos os governantes e governados da importância dos direitos humanos fundamentais, ou seja, quando a razão prevalecer sobre a ignorância e a brutalidade.

Sucessivos relatórios da Anistia Internacional mostram a persistência da tortura nos países democráticos, incluindo o Brasil. Em relatório publicado pela entidade no ano de 1971, foram apontadas oficialmente mais de mil pessoas vítimas de tortura no Brasil.

Na grande maioria dos casos, é praticada por agentes públicos policiais e a todo esse problema se une, ainda, a falta de prestação de informações por parte, principalmente, dos Estados-membros, dificultando a feitura de qualquer relatório que se queira sério.

A Anistia Internacional confirma casos de tortura em cento e trinta países, já que o próprio conceito de tortura dado pelas entidades de defesa dos direitos humanos é abrangente. Sobre a possibilidade de uma delimitação maior do conceito de tortura, o pesquisador Tim Cahill defende que não é possível fazer essa distinção, pois "se você permitir determinados tipos de tratamento, quando a ação estiver nas mãos de pessoas mal preparadas será fácil ultrapassar a linha que definiria tortura. [39]

Em 2004, o relatório geral da Anistia Internacional revelou quatro situações em que as denúncias de tortura são especialmente preocupantes. São elas:

Nações sob governos ditatoriais, países onde a democracia sucedeu a ditadura, mas não houve reforma dos sistemas de investigação e da Justiça criminal (nesse grupo está o Brasil), lugares onde a tortura aparece em casos isolados de abuso de poder e os eventos ocorridos na prisão iraquiana [40].

Em pleno século XXI,também alguns Estados chegam a aceitar legalmente, sob determinadas circunstâncias, a utilização da tortura como instrumento para o interrogatório de ‘terroristas’. Em geral, justificam a tortura em razão da situação de guerra em que se encontram, como um meio, embora grotesco, necessário à preservação da segurança de seus cidadãos [41].

Podemos citar o caso de Israel, que, em novembro de 1987, legalizou a tortura com a aprovação pelo governo do relatório da Comissão de Landau. Essa Comissão propôs que fossem autorizadas a "pressão psicológica e a pressão física moderada" nos interrogatórios de "detentos de segurança" feitos por oficiais do Serviço de Segurança Geral (SSG).

Entre os métodos aceitáveis estão:

Deter o preso em cárcere incomunicável, privá-lo de sono, sacudi-lo de forma violenta, mantê-lo em posturas doloridas, espancá-lo, submetê-lo continuamente a música alta e a extremos de frio e de calor [42].

No ano de 1999, a Suprema Corte desse país proibiu o uso da tortura de forma genérica, mas abriu exceção para os casos em que houvesse risco de morte de outras pessoas, casos em que a SSG precisa comprovar a existência de ameaça para justificar o uso da tortura.

Tais posturas sempre foram (em vão) duramente criticadas pela ONU e por entidades de defesa dos direitos humanos.

Nos Estados Unidos da América, até os fatídicos atentados ao World Trade Center, no ano de 2001, a prática da tortura parecia confinada aos porões das prisões. Mas, com a queda das torres gêmeas, "a tortura ganhou status de doutrina de segurança, abertamente defendida em nome de sua suposta eficiência como arma de guerra contra o terrorismo". [43]

Donald Rumsfeld, secretário de Defesa dos EUA, assinou em novembro de 2002 um memorando endossando o emprego de quatorze técnicas de interrogatório nos suspeitos de terrorismo detidos em Guantánamo, só tendo sido tal documento revogado após forte reação de grupos defensores dos direitos humanos. Tal revogação, obviamente, não representa mudança de opinião, já que muitas provas de tormentos em prisioneiros em têm vindo à tona.

Ao longo dos séculos, também as crianças foram muitas vezes torturadas, sob o argumento de "educá-las corretamente", apanharam e foram castigadas severamente de infindáveis maneiras, sem que ninguém questionasse tais comportamentos que, por vezes, foram socialmente recomendados.

Na Medicina Legal, data do ano de 1868 o primeiro relato sobre crianças espancadas e queimadas até a morte. E é somente a partir do século XX que passa a criança a ser finalmente encarada como um ser social diferente dos adultos, com peculiaridades e necessidades próprias, de acordo com a sua condição de pessoa em desenvolvimento.

A partir da década de 1970, as diversas formas de maus-tratos infantis vêm sendo estudadas sob a denominação de Síndrome da Criança Espancada (Battered Child Syndrorne), termo criado em 1971 para designar um quadro de abuso e violência contra ela.


--------------------------------------------------------------------------------

2.Tortura no Brasil

A sociedade brasileira na época colonial era de cunho escravista, onde a crueldade perpetrada, principalmente, em relação aos negros, era enfocada como algo natural, porquanto estes eram considerados serem sub-humanos, destinados à produção agrícola e de minérios [44].

Os índios, como regra, sofreram menor opressão, pois receberam relativa proteção da Igreja.

Ao tempo do Brasil colônia, vigoraram as Ordenações Afonsinas (datadas de 1446), Manoelinas (de 1521) e Filipinas (de 1603), estas últimas sendo as que realmente influíram no país, mesmo depois da Independência.

De acordo com Mário Coimbra,

mesmo no Brasil Império, com a elaboração da Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, onde se aboliram os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis, se continuou a supliciar os escravos. Assim, o Código Criminal do império de 1830, esculpido sob o espírito liberal, dispunha, no seu artigo 60, que, quando se tratasse de acusado escravo e que incorresse em pena que não fosse a de morte ou galés, deveria receber a reprimenda de açoites e, após entregue ao seu proprietário, para que este inserisse um ferro em seu pescoço pelo tempo que o juiz determinasse [45].

Assim, a Carta de 1824 trouxe diversos princípios de direitos humanos, abolindo a tortura para os considerados cidadãos brasileiros, mas os negros continuam sofrendo com os tormentos até 1888, ano marco da extinção oficial da escravidão. O Código Criminal de 1832 baniu o sistema inquisitorial e adotou o acusatório, declarando expressamente que a confissão deveria ser livre e estar sustentada em outras provas.

A proclamação da República, apesar de pautar-se em idéias inegavelmente relacionadas a liberdades públicas, não alterou esse panorama. Os movimentos dissidentes à então elite governante, como o de Canudos, recebiam tratamentos muito violentos e a tortura seguiu seu caminho com igual força também nesse período.

Com o estabelecimento do Estado Novo, em 1937, e a implantação da ditadura getulista, que duraria até 1945, a tortura ganhou contornos e regulamentação institucionais.

Com o fim desse período obscuro de nossa história, a tortura passa a ser feita às escondidas, perdendo apenas seu caráter institucional.

Em 1964 chegam, via revolução, os militares ao poder, e

a tortura institucional passou a ser um poderoso instrumento a serviço dos detentores do poder, a fim de que pudessem obter das vítimas supliciadas informações relevantes, para a total extirpação dos opositores políticos. Ademais, sob o manto da barbárie instalada pelo governo militar, que perdurou por vinte anos, um dos generais, mediante intensa propaganda veiculada em todos os meios de comunicação, conseguiu dar um toque de romantismo na total suspensão das liberdades públicas, com o slogan ‘Brasil: ame-o ou deixe-o’ [46].

E segue Mário Coimbra explicando:

Para que o trabalho desenvolvido por tais grupos de opressão atingisse o fim almejado, foram criados, aproximadamente, duzentos e quarenta e dois centros secretos de detenção, muitos deles mantidos, diretamente, pelas Forças Armadas, como o DOI-CODI (Departamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna) e o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), que efetuava investigações políticas no plano estadual [47].

A tortura, ao longo dos séculos, tem sido utilizada contra os considerados "desclassificados sociais"; nessa época, entretanto, surge o fenômeno da tortura contra opositores políticos. Nessa época, o "mal" a ser atacado era o comunismo, cuja extirpação era o fim que justiçava os meios.

O papel da tortura nesse período é diverso do que registrara a História em outros momentos, pois, conforme bem assinala Cecília Maria Bouças Coimbra,

(...) diferentemente da Inquisição, não é ela que absolve e redime o torturado. Ela, inclusive, não é garantia para a manutenção da vida; ao contrário, muitos após terem ‘confessado’ foram – e continuam sendo – mortos e desaparecidos. Além disso, tem tido como principal papel o controle social: pelo medo, cala, leva ao torpor, a conivência e omissões [48].

No final de 1968, pressionado pela crescente oposição, o regime militar assumiu poder ditatorial total, através do infame Ato Institucional nº 5, que inaugurou o governo Médici (que duraria até 1974). O Congresso Nacional foi fechado e a tortura virou política oficial do Estado brasileiro.

Elio Gaspari, via relatos pessoas e documentais do período, nos descreve a vergonhosa e conhecida "aula de tortura", dada em dezembro de 1969, pelo então tenente Ailton Joaquim a oficiais do Exército no quartel da Vila Militar no Rio de Janeiro, momento em que, segundo o autor, a ditadura deixa de se envergonhar de si própria.

Assim,

os presos foram enfileirados perto do palco, e o ‘tenente Ailton’ identificou-os para os convidados. (...) Com a ajuda de slides, mostrou desenhos de diversas modalidades de tortura. Em seguida os presos tiveram de ficar só de cuecas [49].

Um deles receberia choques elétricos:

Depois de algumas descargas, o tenente-mestre ensinou que se devem dosar as voltagens de acordo com a duração dos choques. Chegou a recitar algumas relações numéricas, lembrando que o objetivo do interrogador é obter informações e não matar o preso [50].

Outro preso, segue o autor, foi submetido ao esmagamento dos dedos com barras de metal. Um terceiro apanhou de palmatória nas mãos e na planta dos pés. O tenente explicava aos "alunos" que "a palmatória é um instrumento com o qual se pode bater num homem horas a fio, com toda a força". [51]

Pendurando ainda um outro no pau-de-arara, o tenente explicou - enquanto os soldados demonstravam – que essa modalidade de tortura ganhava eficácia quando associada de palmatória ou aplicações de choques elétricos, cuja intensidade aumenta se a pessoa está molhada [52].

Citado pelo ilustre jornalista, finaliza o tenente-professor: "Começa a fazer efeito quando o preso já não consegue manter o pescoço firme e imóvel. Quando o pescoço dobra, é que o preso está sofrendo". [53]

Os relatos de tortura que poderíamos aqui reproduzir são infindáveis, e alguns serão mencionados ao longo do trabalho.

Um ex-diretor de um órgão de informações no governo Médici explica que

(...) não é segredo para ninguém, que os agentes dos órgãos de segurança recebiam prêmios mensais muitas vezes superiores a seus salários oficiais. E esses prêmios eram ainda mais reforçados quando ocorria a eliminação de algum dirigente subversivo considerado particularmente perigoso [54].

E segue dizendo que

você pode descobrir por si mesmo quem foram os grandes financiadores e beneficiários da tortura. Basta procurar identificar as grandes fortunas que se fizeram naquele período, de forma fácil e aparentemente inexplicável [55].

De acordo com Antonio Carlos Fon,

não apenas empresários, nacionais ou estrangeiros, (...) participaram do esforço para a montagem e manutenção dos órgãos onde se praticava a tortura. Além deles, diversas organizações de extrema-direita, como a TFP, Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (...) ou até mesmo religiosos e católicos conservadores justificaram ou participaram de torturas. (...) Até mesmo alguns governos estrangeiros participaram, através do fornecimento de equipamento ou instrutores, das atividades dos órgãos de repressão política [56].

Tais relatos falam principalmente em norte-americanos, sul-coreanos, sul-africanos e portugueses.

A tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog, chefe de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975, nas dependências do CODI-DOI do II Exército, após apresentação voluntária para depoimento, teve repercussão inesperadamente grande para os inquisidores, que queriam apenas atingir escalões mais altos da administração estadual.

Na época, a polícia divulgou uma foto, tentando convencer a opinião pública de que ele havia se suicidado. A notícia de sua morte não foi divulgada na televisão, mas apareceu nos jornais e milhares de pessoas se reuniram na praça da Sé para protestar contra o assassinato.

De acordo com Jaques de Camargo Penteado,

vencido o estágio que privilegiava o mais forte e conquistada a solução de conflitos com a neutralidade que promove a confiança na autoridade, ficou realçado que não basta um procedimento legal para pôr fim às controvérsias, mas é imprescindível uma forma justa de realização da paz social. (...) A preservação do homem exige que a ciência do Direito utilize todos os seus instrumentos para vedar a tortura. A condenação de um culpado baseada em prova obtida mediante tortura é a condenação da própria justiça. (In: Justiça nº 5, 1997, prefácio)

A realidade do nosso país com relação ao tema segue alarmante, escondida nos porões de delegacias e outros locais de acesso a poucos, mas com o conhecimento de muitos;

não se trata, portanto, apenas de omissão, conivência e/ou tolerância por parte das autoridades para com tais questões, mas de uma política silenciosa, não falada, que aceita e mesmo estimula esses perversos procedimentos [57].

Hoje, a idéia de "inimigo interno" não é mais dos opositores políticos, mas dos miseráveis. Como não é mais possível ignorá-los (porque em número espantoso), é preciso, pensa-se, fortalecer as políticas de segurança pública militarizada. É a cultura do medo, que deságua em movimentos como o da Lei e Ordem, que defende a adoção de política criminal radical, o endurecimento de penas, o corte de direitos e garantias fundamentais, o agravamento da execução, bem como a tipificação inflacionária de novas condutas desviantes.

O retrocesso à Lei de Talião e à imposição da pena capital para muitos se apresenta como solução.

É até mesmo possível concluir que

a tortura é uma prática social solidamente incorporada à nossa tradição cultural, com a única diferença de que é tolerada, muitas vezes exigida, amparada culturalmente, a depender do perfil daqueles que serão vitimados. Há certos segmentos, certos grupos, sobre os quais a prática da tortura não oferece qualquer tipo de constrangimento público [58].

A verdade é que a tortura só é um horror se atinge "um dos nossos". Isso explica um sem número de casos registrados (quando o são) apenas como lesões corporais ou abusos de autoridade.

Essa tradição cultural contamina, sem dúvida, também nossas instituições, cujo fortalecimento começa a dar os primeiros passos.

Para Elzira Vilela, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, a tortura institucionalizada pela ditadura militar hoje só mudou seus alvos, pois para ela:

O modo de agir dos integrantes da ditadura, o arbítrio, a violência que se dirigia contra os opositores do regime passa a se voltar contra a população mais pobre, negra, analfabeta, que se concentra sobretudo nas favelas, cortiços e periferias das cidades. A ação dos agentes de segurança é discriminatória e depende da pessoa contra qual ela é dirigida". [59]


--------------------------------------------------------------------------------

BIBLIOGRAFIA

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

CHINELLI, Ana Paula; VITURINO, Robson. Dedo na ferida. Superinteressante. São Paulo, nº208, p. 54-59, dez. 2004.

COIMBRA, Cecília Maria Bouças; ROLIM, Marcos. Tortura no Brasil como herança cultural dos períodos autoritários. Revista CEJ. Brasília, nº14, ago. 2001.

FARIAS, Maria Eliane Menezes de. Por uma maior eficácia no combate à tortura. Revista CEJ. Brasília, n. 14, p. 73-77, ago. 2001.

FON, Antonio Carlos. Tortura: a história da repressão política no Brasil. 6. ed. São Paulo: Global, 1981.

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

GOMES, Hélio. Medicina Legal. 33. ed., revista e ampliada. Atualizador Dr. Hygino Hercules. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003.

GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu mundo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

GOULART, Valéria Diez Scarance Fernandes. Tortura e prova no Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2002.

MACHADO, Nilton João de Macedo; VIDAL, Luís Fernando Camargo de Barros; GOMES, Luiz Flávio. A eficácia da lei de tortura: aspectos conceituais e normativos. Revista CEJ. Brasília, n. 14, p. 14-32, ago. 2001.

SZNICK, Valdir. Tortura: histórico, evolução, crime. São Paulo: Leud, 1998.

VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. Tradução de Federico Carotti. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.


--------------------------------------------------------------------------------

Notas

01 In: VERRI, 2000, p. VIII.

02 Apud MOURA, 2003, p. 27.

03 1998, p. 14.

04 Ibid.

05 Ibid. p. 20.

06 COIMBRA, 2001, p. 14.

07 Ibid.

08 Ibid.

09 SZNICK, 1998, p. 21.

10 COIMBRA, 2002, p. 16/17.

11 1998, p. 22.

12 1993, p.32.

13 COIMBRA, 2002, p. 18.

14 Ibid.

15 2000, p. 106.

16 Ibid. p. 106/107.

17 GOULART, 2002,p. 24.

18 MACHADO; VIDAL; GOMES, 2001, p. 16.

19 BETTENCOURT, Pe. Estevão Tavares. In: GONZAGA, 1993, págs. 11-12.

20 Apud ibid.

21 In: GOMES, 2003, p. 485.

22 GONZAGA, 1993, pág.23.

23 Ibid., pág.24.

24 BETTENCOURT, Pe. Estevão Tavares. In GONZAGA, 1993, pág15.

25 2002, pág. 26.

26 2000, p. 80.

27 1993, p.17-18.

28 Ibid., p.19.

29 2000, p.102.

30 1993, p.20.

31 Ibid., p.49.

32 GONZAGA, 1993, p.114.

33 2002, p. 75.

34 COIMBRA, 2002, p. 76.

35 Ibid., p. 83.

36 1997, p.69.

37 In: VERRI, 2000, p. XVII.

38 Apud DALLARI, Dalmo de Abreu. In VERRI, 2000, p. XIX

39 Apud CHINELLI, 2004, p.57.

40 CHINELLI, 2004, p. 59.

41 FARIAS, 2001, p. 75.

42 CHINELLI, 2004, p.57.

43 Ibid., p. 56.

44 COIMBRA, 2002, p. 149-150.

45 Ibid, p.152.

46 COIMBRA, 2002, p. 156.

47 Ibid.

48 COIMBRA; ROLIM, 2001, p. 07.

49 GASPARI, 2002, p. 361.

50 Ibid..

51 Ibid., p. 362.

52 Ibid.

53 Ibid..

54 Apud FON, 1981, p. 56.

55 Ibid., p. 59.

56 Ibid., p. 60.

57 COIMBRA; ROLIM, 2001, p. 06.

58 Ibid., p. 11-12.

59 2004.

_______________________________________

Fonte: SiteJus Navegandi