segunda-feira, 23 de março de 2009

"I Got A Thing" por Funkadelic - 1970



ONE NATION UNDER A GROOVE
Alexandre Matias

Um dos maiores prazeres de se gastar a sua vida entre discos é presenciar a "revelação" que um disco pode ser para uma pessoa. Sabemos o poder da música neste aspecto, quanto sua capacidade de persuasão e sedução podem nos virar do avesso em poucos minutos. Uma simples canção pode mudar a vida de uma pessoa e poder conduzir esta pessoa para esta revelação nos dá uma sensação de dever cumprido, todas as horas e camadas de tímpanos gastas não foram em vão.

Senti isso na pele quando, há cerca de um ano, meu irmão passou em casa e, enquanto estávamos ouvindo James Brown ou Al Green, cogitou, entusiasmado: "Imagina se esses negões tomassem ácido!". O entusiasmo procede, afinal conhecemos, nem que por cima, os dois objetos desta ação - de um lado a música pop negra, misto de puro instinto primal e inteligência social superior; do outro o LSD, droga maldita que libertou a consciência de artistas como Beatles, Doors, Who, Rolling Stones, Pink Floyd, Jimi Hendrix, entre milhares de outros. Unir a música negra (precisamente o funk e o soul) à psicodelia era (e é) uma alternativa apetitosa. E, sem falar nada, puxei One Nation Under a Groove, do Funkadelic.

Podia ter pego o Stand!, do Sly & the Family Stone, ou o Hot Buttered Soul, do Isaac Hayes, ou ainda o Songs in the Key of Life, do Stevie Wonder. Mas escolher Funkadelic era uma lei. E entre Hardcore Jollies, Maggot Brain, America Eats Its Young e One Nation..., o último teve de ser escolhido. "Não tem Eddie Hazel!", vão reclamar os puristas. Não. Mas Michael Hampton segura a onda sem fazer esforço e conduz ao lado de um então renovado Funkadelic a obra-prima do pensamento do Dr. Funkenstein, ou Starchild, ou Mr. Wiggles, Sir Lollypop Man, o mentor George Clinton.

Foi Clinton quem teve a visão de transformar seu grupo de doo-wop (The Parliaments, com quem teve até um hit, (I Wanna Testify) em uma usina de groove que unisse o improviso do jazz, o suíngue do funk, o peso do rock, a emoção do soul, o hipnotismo do gospel e a psicodelia levada às últimas conseqüências, criando a mitologia mais complexa da história do pop, cabeça a cabeça com Arquivo X, Sandman e o Projeto/Objeto de Frank Zappa. Com o auxílio de duas revelações pessoais (uma viagem de LSD e um show dos MC5), Clinton reviu todo seu conceito musical e criou um amálgama sonoro que batizaria de The Parliafunkadelicment Thang ou, resumidamente, P-Funk.

O P-Funk é o rótulo que Clinton inventou para facilitar a vida dos milhares de escritores que bolavam os gêneros mais esdrúxulos para fugir do óbvio: o som que George Clinton regia era único, era seu. E o nome P-Funk não apenas abreviava as duas bandas que representavam aquele som (o Parliament e o Funkadelic), como enfatizava seu enraizamento no groove, sem deixar de mostrar sua pequena diferença, o "P", que muitos liam como "psicodélico".



Parliament e Funkadelic são nomes diferentes para a mesma banda. Quando Clinton transformou os Parliaments no Parliament, ele abriu a sucursal Funkadelic para experimentações sonoras e viagens mais pesadas. Enquanto o Parliament contava os delírios sci-fi em forma de uma mistura agressiva de gospel com rock, o Funkadelic explorava as mais distantes profundezas da mente, misturando religião, ciência, escatologia, política, psicologia e sociologia num caldo grosso de protometal cheio de groove e absurdamente enlouquecido. O Parliament é o Dr. Jeckyll, estudioso, eficiente, prático; o Funkadelic é o Mr. Hyde, grotesco, pirado, agressivo. E os dois estão dançando!

O primeiro e dito clássico Funkadelic contava com Eddie Hazel na guitarra, Billy Nelson no baixo, Bernie Worrell nos teclados, Tawl Ross na guitarra base e Tiki Fulwood na bateria. Worrell e Hazel eram as duas armas secretas do grupo: os teclados traziam um molho que cimentava todos instrumentos juntos, enquanto a guitarra solo subia em seu pedestal. Hazel erigiu um monumento a seu instrumento, a épica Maggot Brain, cuja emoção e transe durante a interpretação se tornava um dos maiores marcos do Funkadelic, um motivo mais do que justo para os anos 70 levá-los a sério. Na época, o grupo foi reconhecido como sucessor do Jimi Hendrix Experience, mas o rock psicodélico funkeado dos primeiros dias iria sofrer uma terrível mudança.

Quando Nelson e Hazel (este saiu para tocar com os Temptations) deixaram a banda por motivos financeiros e Ross pirou de vez (ácido, claro), Clinton deparou-se com dois substitutos tão inesperados quanto bem-vindos: os irmãos Collins, rebatizados Bootsy e Catfish por George, haviam saído da banda de James Brown, os JBs, porque suas idéias estavam indo longe demais dos limites enxergados pelo soul brother #1. Imaginem isso: dois músicos que temperaram pérolas da história do groove como Soul Power, Sex Machine, Superbad e Talkin’ Loud & Sayin’ Nothin’ indo além da lógica de suíngue do pai da matéria. Obviamente, um passo à frente.

Onde Clinton se encontrava. Ao lado dos irmãos Collins, o chefão da Máfia Funk criou sua mitologia a partir de Mothership Connection, do Parliament. Aqui, George era o Lollypop Man, DJ da rádio WEFUNK, que, sob longas madeixas loiras, óculos escuros de menina e com um pirulito na boca, contava-nos a saga de Starchild, uma espécie de Messias do Funk. Aos poucos, somos apresentados à doutrina P-Funk, uma utopia psicodélica onde as forças da inteligência, da diversão e do sexo lutam contra as da chatice, opressão, estupidez e falsidade. O espírito do bem tinha outro nome e este era Funk. Foi ele quem deu o primeiro beat do universo, que se tornou o primeiro groove, que levaram as coisas a serem como elas são.


Toda esta teoria científico-religiosa vinha de uma sacada de Bootsy Collins, que se referia ao funk básico como "the one", devido sua marcação no primeiro dos quatro tempos do compasso. Pense em qualquer funk básico e sua força motriz está justamente na ênfase dada à primeira nota desta série de quatro tempos. O Funk então era "the one", "o um", o único, o todo. E Starchild era seu representante na Terra, que trazia o Funk para nós terráqueos. Para fazer Starchild, Clinton vestia-se com uma capa amarela e óculos futuristas. Este, mais tarde, seria revelado na verdade uma criação do Dr. Funkenstein, que revelaria o segredo das pirâmides - e o do Funk - com seu exército de clones. Mas o maligno Sir Nose D’Voidoffunk apareceria fazendo o nariz das pessoas crescerem e impinarem, se achando bons demais para a dança, dando as costas ao ritmo e à inteligência - é a chamada Síndrome de Placebo -, fazendo com que as pessoas alcancem a Zona de Zero Funkatividade. Mas contra isso Starchild tem a Bop Gun, uma arma que ativa o Funk que toda pessoa tem dentro de si. Que doideira!



Imagine isso no palco então. Ninguém queria ficar para trás e todos se travestiam da forma mais espalhafatosa possível. Purpurinas, lantejoulas, plumas, capas, saltos gigantescos, chapéus absurdos, óculos escuros de todos os formatos, perucas, maquiagem - tudo contribuindo para a visão mais excêntrica que o mundo poderia assistir. E contando com de três a cinco guitarristas por show, sete ou oito vocalistas (incluindo aí as Brides of Funkenstein), dois tecladistas, dois bateras, alguns percussionistas, dois baixistas, um time inteiro de metais (os Horny Horns) e quem mais quisesse subir no palco para fazer algum barulho. Não era difícil a banda ter mais de vinte músicos por noite.

Shows intermináveis, horas de delírio que podiam durar até o sol raiar, com toda a parafernália imaginável e condizente com a ficção-científica psicodélica que Clinton criou com o grupo. Luzes, gelo seco, coreografias, flashes e uma gigantesca nave espacial, o ponto alto das apresentações. O som era insistentemente alto e é resultado de uma fatídica noite em que o grupo, usando o equipamento do grupo de rock Vanilla Fudge, viu as pessoas serem literalmente movidas pelo som.

A segunda formação ainda contava com o guitarrista e vocalista Gary Shider, o baixista Cordell "Boogie" Mosson que substituía - e bem - Bootsy Collins (quando este começou a tocar sua própria banda, Bootsy’s Rubber Band), o vocalista Gary "Mudbone" Cooper e o baterista Ty Lampkin. Esta formação consagrou o auge do P-Funk, firmando-o no inconsciente coletivo da América negra.

Em 1975, Clinton convocou o jovem (17 anos!) prodígio Michael Hampton para assumir as guitarras e este se mostrou um guitarrista com tanta personalidade quanto Eddie Hazel. No ano seguinte, o baterista James Brailey, o baixista Rodney "Skeet" Curtis, e os vocalistas Glen Goins (que morreria prematuramente de câncer em 1978), Junie Morrison e Ron Ford entravam na dança. E com esta formação o P-Funk escreveria seu principal disco.

Enquanto o Parliament contava as histórias e aventuras do funk, como um velho testamento futurista, cheio de descrições fantásticas, aventuras de tirar o fôlego e personagens bizarros, o Funkadelic afirmava conceitos. Era a versão zen do P-Funk, a teoria por trás da prática parliamentarista. Em One Nation Under a Groove, de 1978, Clinton descreve o mundo perfeito que todas as religiões prometem; mas um mundo perfeito real, palpável, que apenas depende das ações dos terráqueos para que ele aconteça. A regra? Render-se ao Funk.

O disco começa com a irresistível faixa-título, um suíngue malandro e gostoso que explica esta regra. "Eis nossa chance para dançarmos pra longe nossos apertos", canta o velho George, "com o groove como guia, todos nos moveremos". O balanço é temperado pelos médios, então a guitarra de Gary Shider e os teclados de Bernie Worrell pavimentam o caminho para os vocalistas cantarem a nação perfeita funk: "Uma nação sob um groove/ Get down for the funk of it/ Uma nação sob um groove/ Nada pode nos deter". Os vocais aqui são o principal elemento da canção e eles se sobrepõem cantando lemas da tomada de poder P-Funk: "Pés, não me falhem agora", "Você promete funk?", "Pronto ou não, aí vamos nós/ Chegando junto àquele que acreditamos" , "Mais do que você consegue funkear". O ápice da faixa acontece quando todos os vocalistas cantam o mantra celebratório da faixa com um gospel, uma seqüência mágica de "la-la-las" que foi usado por gente tão diferente quanto Dr. Dre e A Tribe Called Quest. One Nation Under a Groove, a música, é um dos balanços mais irresistíveis da história da música. Não é à toa que se tornou o primeiro número 1 da história do Funkadelic (o Parliament havia conseguido o seu no ano anterior, com Bop Gun).

A segunda faixa começa com um andamento suave e misterioso, alguém falando sozinho na rua deserta: "Foi quando me perguntaram aonde eu estava indo/ E, bem, você tem que ser razoável/ Você sabe, eu nunca estive longe de casa antes/ E além disso, eles me propuseram algo legal/ É... Funkadélica, hmmm, a nação/ Saca, você vive sob ela". Junie Morrison fala como se estivesse fumando algo e uma voz ao fundo pergunta "que diabos esse moleque tá falando?" antes da bateria liberar o baixo e as guitarras para a dança que estavam ensaiando.



Entra a suingueira latinesca de Groovealliance: "Assuma o compromisso da groovealiança com o Funk Unido da Funkadélica", parodiam o juramento da bandeira dos Estados Unidos. Está batizado o país, no funk temperado por calipso e rock steady conduzido pelo baixo de Skeet Curtis e a batera minimal de Ty Lampkin. Novamente, os vocais tem papel fundamental no suíngue, mas quem conduz tudo aqui é a cozinha, que é seguida da guitarra hipnótica de Hampton e pelos teclados insistentes de Worrell.

O grupo enfatiza seu lado pesado numa música cujo título explica tudo. Who Says a Funk Band Can’t Play Rock? (Quem Disse que uma Banda de Funk Não Pode Tocar Rock?) abre com um riff memorável, invejado por Angus Young e Paul Stanley. O resultado final é um furioso cruzamento de AC/DC com Kiss aplacado pelo suíngue visceral do grupo. É o primeiro grande momento de Michael Hampton, que esmerilha sua guitarra para quem ainda duvida de sua capacidade. Guitar hero, dos bons, sem dúvida.

Promentalshitbackwashpsychosisenemasquad (The Doo-Doo Chasers) é a síntese das metáforas escatológicas de Clinton. Sobre um soul psicodélico que coloca o líder na mesma poltrona que Isaac Hayes e Curtis Mayfield, George conta uma parábola sobre os Caçadores de Cocô, a P.E. Squad, dispostos a livrar nossas mentes da quantidade de dejetos que nos são despejados como informação. A letra é dita em forma de oração, com cada verso repetido por todos os vocalistas do grupo: "O mundo é uma privada/ Nossas bocas são cus neurológicos/ E falando psicologicamente/ Estamos num estado de diarréia mental/ Falando merda milhas por minuto/ Ou em nossos estados de noções constipadas/ Não pensamos em nada a não ser merda", brada o presidente, "E o que causa toda esta merda?/ Qual é a fonte para a comida do pensamento?/ Aperitivos de ego/ (...)/ Eu-Hamburguer com molho de Mim/ Um sanduíche de Eu Mesmo/ Um hamburguer pessoal/ E um copo de Constrição-Cola/ (...) Pouca lógica calórica/ Para o músculo cérebro". Doo-Doo Chasers continua suas comparações grotescas por toda canção, falando de Confúcio, Groovalax e que "sorvete frito é uma realidade!". De vez em quando, uma voz sussurra uma piada interna não muito difícil de interpretar: "Qual de vocês é George Clinton?". Dá pra imaginar qualquer tipo de autoridade branca entrando no meio daquela festa blac.k e querendo saber quem é o chefe desta algazarra. Não tem chefe meu amigo, todo mundo aqui é o George Clinton, todos somos clones do Dr. Funkenstein.

Into You dá os vocais para o vozeirão de Ray Davis, seguidor dos princípios Clintonianos desde os tempos dos The Parliaments. "Eu não consigo entrar numa bomba de nêutrons/ Eu não consigo entrar em algo que me machuque/ Eu não consigo entrar no princípio vicioso da droga/ Eu não consigo entrar em algo que feche a porta/ Eu não consigo entrar numa terra envenenada/ Eu não consigo entrar em algo que eu não entendo/ Eu não consigo entrar num mau romance/ Eu não consigo entrar num amor que termine em possibilidades". E usa esse preceito para tentar converter a mente do ouvinte e deixar sua parceira abrir o sinal. Por isso a dança é a moeda do pensamento P-Funk: só assim sexo, inteligência e diversão caminham (ou melhor, rebolam) juntos.

Cholly (Funk Gettin' Ready To Roll) convida o ouvinte ao funk, mais uma vez. "Adoraríamos te levar para onde vamos", canta o coral que chama o personagem central - Cholly - para uma festa interminável. Baixos, guitarras, teclados e percussão trabalham pela primeira vez em uníssono; ninguém se sobressai e todos instrumentos conspiram em torno do groove. "Eu curtia Bach/ E Beethoven era o meu lance/ Curtia jazz, curtia rock/ Tudo que fosse legal/ Mas um amigo me disse que ainda havia muito/ Encontre o vácuo que você perdeu/ Há muito há se explorar", conta o Gary Shider, antes de cair no funk.

O disco vai chegando ao fim com as instrumentais. Lunchmeatophobia (Think!...It Ain't Illegal Yet!) é o casamento improvável do Chic com os Doobie Brothers e o Bla.ck Sabbath, enquanto Clinton apenas berra "Pense! Ainda não é ilegal!" enquanto as guitarras vão se sobrepondo. P.E. Squad/DooDoo Chasers ("Going All-The-Way Off" Instrumental) volta ao departamento de limpeza do esgoto cerebral, só que desta vez sem a oração bizarra. E com atenção no instrumental, assistimos a uma apresentação incrível de um Pink Floyd negro, com tanto suíngue nas cadeiras quanto viagens instrumentais na cabeça. Encerrando o disco, o tira-teima do caçula do grupo: Michael Hampton assume a árdua tarefa de equivaler-se à sombra que Eddie Hazel, que ainda pairava sobre o grupo. E numa versão ao vivo, ele libera toda sua emoção nas seis cordas, recebendo a bênção do autor do lendário e interminável solo de guitarra.

Quando chegamos ao fim do disco, estamos convertidos. Impossível resistir ao groove contagiante da psicodelia de Clinton, que toma o poder da nossa mente sem muito esforço. Se James Brown é o Isaac Newton no funk, descobrindo suas regras básicas e fazendo todo universo encaixar-se nelas, George Clinton é seu Albert Einstein, expandindo estas noções à medida que a consciência de si vai crescendo. E One Nation Under a Groove é sua Teoria da Relatividade, o punhado de princípios que, unidos, mudaram tudo.

Hoje quando encontro meu irmão ele faz questão de me receber com trechos do álbum, tamanho estrago que o disco pode fazer. E quando lembro que isso é só o começo, que One Nation Under a Groove é só o primeiro passo a ser dado dentro deste universo mágico chamado P-Funk, ele não duvida. Quem sente, sabe.


Texto tirado do Trabalho Sujo, blog do Alexandre Matias, com muitos textos e resenhas de música.

A história da tortura

Elaborado em 12.2004.

Daniza Maria Haye Biazevic - promotora de Justiça em Minas Gerais, pós-graduada em Direito Processual Penal pela Escola Paulista de Magistratura


A história relata muitos momentos em que a prática de violências tornou-se rotina. São guerras, civis ou militares, ou simples desordens sociais decorrentes de motivos múltiplos. São instantes em que a força prevalece sobre a razão, de forma oficializada ou não. E o único ponto que aparece como comum em todas essas situações é a desumanização da humanidade.

A prática dos tormentos quase sempre esteve ligada ao próprio sistema penal vigente na sociedade, qualquer que seja ela, e a legislação de um povo deve ser encarada como um reflexo dos conceitos e valores do mesmo.

Sob o aspecto processual, historicamente, a tortura se apresentou como um instrumento útil para obtenção de (duvidosas) confissões, as quais já desfrutaram de valor superior a qualquer outra prova.

O século XVII pode ser citado como um momento de desumanização, em decorrência das lutas por territórios da Idade Média e da própria necessidade de manutenção do poder através da força.

Dalmo de Abreu Dallari, entrando na discussão em torno da pergunta proposta por Maquiavel ainda em 1513, quando procurou saber se para um príncipe era melhor ser temido ou amado pelo povo, assim conclui:

Governantes sem legitimidade e sem escrúpulos, preocupados apenas com a preservação de seus privilégios, sem nenhuma possibilidade de serem amados, usaram amplamente o terror para manter o povo intimado e submisso. E o próprio povo, por sua ignorância, companheira inseparável dos preconceitos, muitas vezes colaborou para que seus dominadores usassem da violência" [01] (grifo nosso).

A razão também, muitas vezes, se confundiu com a fé. A doutrina de São Tomás de Aquino defendia que "a fé não teme a razão, mas a solicita e confia nela. Assim como a graça supõe a natureza e a leva à perfeição, assim também a fé supõe e aperfeiçoa a razão". [02]

De acordo com Valdir Sznick,

A tortura, em sua evolução histórica, foi empregada, de início, como meio de prova, já que, através da confissão e declarações, se chegava à descoberta da verdade; ainda que fosse um meio cruel, na Idade Meia e na Inquisição, seu papel é de prova no processo, possibilitando com a confissão a descoberta da verdade. [03]

Foi a tortura, posteriormente, utilizada como pena (entre os antigos e romanos), bem como prova propriamente dita. Por fim, foi utilizada como satisfação, não só do crime cometido, mas, também, como meio de satisfazer os instintos baixos, em atos de verdadeiro sadismo. [04] Isso porque "a tortura tem em si uma conotação muito ligada ao sadismo; o sadismo supera o poder – que leva à tortura – e, ainda, à vingança. No fundo, o torturador é um sádico". [05]

Em estudo do tema, percebemos igualmente que o século XVIII foi um marco histórico, representando o momento em que a tortura passa a ser oficialmente restringida e abolida em praticamente todos os Estados, em decorrência da propagação das idéias iluministas.

Nos tempos mais atuais, raramente a tortura é empregada no combate aos criminosos e na perseguição ao delito, como antigamente, surgindo os tormentos como medidas de defesa da sociedade contra aquelas pessoas que são consideradas ameaçadoras para a sociedade, como os terroristas.

O que é interessante notar que quanto mais as legislações proibiram a tortura, mais era, na prática, utilizada, com objetivos dos mais diversos.


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1.Tortura no mundo

1.1) Antigüidade


Sabe-se que, desde a pré-história, o homem sentiu a necessidade de viver em grupo (pequenos, inicialmente), com laços muito fortes entre os seus componentes, seja pelos temores reais, seja pelos imaginários e sobrenaturais a que estariam sujeitos. Os entes sobrenaturais, acreditava-se, tanto podiam proteger o grupo como castigá-lo, dependendo de seu comportamento.

A crendice fazia parte do cotidiano, e a figura do totem apresenta-se muito presente no começo da civilização humana. Teria ele poderes mágicos extraordinários, "recaindo sobre um animal, sobre qualquer força da natureza ou mesmo sobre uma planta". [06] Também poderia ser representado por um próprio antepassado do grupo. Acredita-se, assim, que os primeiros castigos advieram de relações totêmicas.

Nessa fase, a principal finalidade da tortura era mesmo a retribuição do mal causado pelo delito, daí aplicarem-se métodos de expiação que implicavam em dores praticamente insuportáveis, nem elo estreito entre prisão e tormento.

De acordo com Mário Coimbra:

também floresceram, nessa fase histórica, os tabus, cuja palavra, de origem polinésia, expressa, ao mesmo tempo, o sagrado e o proibido. Tais proibições eram enfocadas como as leis dos deuses, que não deviam ser infringidas. Tratava-se, por conseguinte, de uma lei religiosa, que garantia o controle social [07].

Lembra ainda que

as ofensas ao totem ou as condutas que se consubstanciavam em desobediência ao tabu eram severamente punidas, geralmente com a morte, cujos castigos eram determinados pelo chefe do grupo, que, também, era o chefe religioso [08].

Há muitos relatos de punições coletivas, de todos os que pertenciam ao grupo. A justificativa era de que essa era a única maneira de acalmar a ira da divindade, obstando sua vingança pelo descumprimento de determinadas "obrigações".

O próprio texto bíblico traz passagem descritiva de execução por lapidação, ou seja, através de pedras lançadas pelos integrantes da comunidade como punição pela prática de crimes. A antropologia, inclusive, considera as pedras como as primeiras armas às quais teve o homem acesso.

Antigas civilizações ofereciam suas crianças em sacrifício aos deuses então cultuados. Há textos da Bíblia e até mesmo do império greco-romano descrevendo massacres infantis e a natural matança de crianças portadoras de deficiências físicas. No Novo Testamento, é bom lembrar, o açoite aparece como sevícia mais comum aos acusados.

E se falarmos no início dos tempos,

onde se confunde o poder com a religião, havia um quê de sacralidade na pena e punição. É dentro desse conceito sacral que se tem os totens, amuletos, sortilégios e oráculos. Esse mesmo espírito sacral permanece até os germanos, quando ainda subsistem as ordálias e os juízos de Deus, como instrumento de provas, mas com ‘provas’ cruéis como o uso de água fervendo, óleo fervente e outras. Era a época em que a confissão tinha um valor alto demais como prova, um valor também quase religioso, considerada a ‘rainha das provas’ [09].

Nesse contexto, as infrações tinham uma natureza muito mais ligada ao conceito de pecado do que uma ofensa à sociedade. Esse caráter explicava a desproporção entre a conduta e a sua punição.

Podemos notar, entretanto, que mesmo quando a infração passa a ser considerada um crime político, deixando de ser considerada apenas pecado, não perde integralmente a pena a sua roupagem mística. Durante muitos séculos ainda o misticismo ensejará torturas e mortes.

Pode-se dizer que

a tortura foi uma importante instituição na antiguidade, definida como ‘o tormento que se aplicava ao corpo, com o fim de averiguar a verdade’, sendo que sua base psicológica sedimentava-se no fato de que, mesmo o homem mais mentiroso, tem uma tendência natural de dizer a verdade; e, para mentir, há a necessidade de exercer um autocontrole, mediante esforço cerebral. Inflingindo-se a tortura, esse tem que canalizar suas energias, para a resistência à dor, culminando, assim, por revelar o que sabe, no momento que sua contumácia é debilitada, pelos tormentos aplicados [10].

Valdir Sznick cita Asúa, para o qual

os persas, na Antiguidade, colocavam o condenado amarrado em dois botes, só com a cabeça e os membros de fora. Untavam-no com mel e leite o rosto, os membros e as costas. Viravam-no para o sol. Não demorava muito e o corpo era invadido pelas moscas que, aos poucos, o dilaceravam [11].

De acordo com João Bernardino Gonzaga:

Parece que, em maior ou menor grau, essa violência foi utilizada por todos os povos da Antigüidade. O texto mais velho que dela nos dá notícia acha-se em fragmento egípcio relativo a um caso de profanadores de túmulos, no qual aparece consignado que ‘se procedeu às correspondentes averiguações, enquanto os suspeitos eram golpeados com bastões nos pés e nas mãos’ [12].

Apesar desse relato, a doutrina majoritária prefere ensinar que os gregos foram os primeiros a usar da tortura sistematicamente na instrução criminal, como meio de prova, contra, principalmente, os escravos. A idéia era a de que "a dor por eles sentida substituía o juramento que os seus senhores prestavam de dizer a verdade". [13] Assim, "somente eram supliciados aqueles que, por serem carecedores de honra, não traziam, consigo, a dignidade de pessoa". [14]

Nessa época, as principais provas eram testemunhais, documentos e o juramento.

Os romanos, igualmente, tratavam seus escravos com extremada crueldade. A aplicação da tortura, nos procedimentos judiciais, somente foi regulamentada e limitada nos Códigos Teodosiano e Justiniano; seria usada apenas nos casos de adultério, de fraude cometida no censo e nos delitos de lesa majestade.

Nos dizeres de Pietro Verri, "a corrupção do sistema romano gerou o uso da tortura, estando as principais dignidades do cônsul, do tribuno da plebe e do sumo pontífice concentradas na pessoa exclusiva dos imperadores." [15] É que a aniquilação da república, momento em que quase foi atingida a igualdade de tratamento entre os cidadãos livres, e a imposição de um governo despótico, faz com que simplesmente desaparecessem liberdades públicas logradas em períodos anteriores.

Na fase do Império, o processo sofreu grande transformação, restringindo-se em grande parte o direito de acusação, que foi cedendo lugar à acusação ex officio e ao procedimento extra ordinem, tendo sido a tortura oficialmente introduzida. Em certo momento, até mesmo as testemunhas podiam ser torturadas, embora existissem alguns privilégios em razão da classe social do indivíduo.

Assim,

Primeiramente César e depois Augusto respeitaram a memória da liberdade, ainda recente no espírito dos romanos; depois, gradualmente, ela se foi debilitando, e o natural desejo dos déspotas de ter um poder ilimitado sobre tudo se expandiu com menor comedimento. (...) À medida que se consolidava a tirania, a tortura, utilizada apenas contra os servos nos tempos felizes de Roma, fosse estendida também aos livres [16].

Para os romanos, que desenvolveram inúmeros métodos de tortura,

A confissão era prova suficiente para a condenação. Desde que sem defeitos e aceitável, não havia a necessidade de realizar mais nenhuma prova, interrompendo-se o processo. Para tanto, a confissão era avaliada com cautela, ainda mais quando obtida mediante tortura (quaestio) [17].

A tortura em crianças era uma realidade não combatida na época, dispondo o pai de poder disciplinar absoluto em relação ao filho, podendo, inclusive, matá-lo, vendê-lo ou dá-lo em doação ou penhor. Ocorre que

com a evolução da civilização e a partir do cristianismo, tal poder – que se situava na órbita do exercício regular de direito – foi se abrandando com exigências de moderação, passando a ser punidos seus excessos quando deles resultassem lesões corporais graves ou morte [18].

A chamada Lei de Talião, que tão drástica hoje nos parece, na verdade representou um imenso avanço com relação às penas aplicadas na época, pois ao menos respeitava um critério de proporcionalidade e eram impostas por juízes (ainda que muitas fossem cruéis). A tortura não, pois não respeitava (e não respeita) nenhum direito de defesa, levando a situações aberrantes.

A Lei de Talião, conhecida pela frase "olho por olho, dente por dente", data de 2.000 a.C., e autorizava a intervenção corporal na medida do gravame causado. Constava do Código de Hamurábi, o qual admitia a fogueira, a empalação, a amputação de órgãos e a quebra de ossos.

A aplicação dessa Lei começou a se tornar mais difícil, o que a acabou restringindo apenas aos crimes contra as pessoas, nos quais era possível retribuir o mal causado com um mal idêntico.

Depois, adveio o que se denomina Talião imaterial, surgindo

a idéia de aplicar-se a penalidade de forma indireta ou simbólica. Nos crimes contra os costumes a punição era a castração, nos delitos de difamação (verbal) se recorria à extirpação da língua, nos delitos contra a propriedade, ora a perda da visão, ora do órgão que serviu de meio à subtração (mão). (COSTA, Álvaro, 1998, apud GOULART, p. 21).

1.2) Idade Média

Com a queda do Império Romano e a invasão da Europa pelos povos bárbaros, tem início a Idade Média.

Os bárbaros visigodos dominaram a península em 622 d.C., sendo responsáveis pela elaboração de várias legislações, como o "Código Visigótico". Nesse diploma, as provas eram o juramento, as testemunhas, os juízos de Deus (sobre os quais discorreremos em seguida) e os tormentos.

Segundo os relatos da época,

os medievais eram mais dados ao rigor da Lógica e às verdades metafísicas do que à ternura dos sentimentos; o raciocínio abstrato e rígido neles prevalecia sobre o senso psicológico(...). Tão grande era o amor à fé (esteio da vida espiritual) que se considerava a deturpação da fé pela heresia como um dos maiores crimes que o homem pudesse cometer. [19]

Para ilustrarmos o pensamento da época, interessante a transcrição do seguinte texto de São Tomás de Aquino:

É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda, que é o meio de prover à vida temporal. Se, pois, os falsificadores de moeda e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte. [20]

Ademais, as crianças, durante a Idade Média, de acordo com Naura Liane de Oliveira Aded e Silvia Falcão,

por constituírem ‘peso-morto’ e bocas a mais a serem alimentadas, em épocas de fome ou guerra, podiam ser abandonadas em florestas, ao nascer, ou então terem sua alimentação e cuidados postos como última opção, pois todos os recursos eram colocados à disposição dos guerreiros. Mulheres e crianças eram consideradas como pertencentes a uma classe inferior [21].

Mas os medievais não podem historicamente ser classificados como bárbaros ou insensíveis, pois, a seu modo, buscavam a justiça e cultivavam a benevolência. Inúmeros benefícios aos presos foram registrados na época, como possibilidade de afastamento para tratamento de saúde (até mesmo de familiares), de tirar férias em casa, e até mesmo indulto total da pena.

No regime feudal, não estava formada a noção de interesse público em punir os crimes praticados dentro de uma sociedade, pertencendo apenas às pessoas lesadas o direito de acusação.

Dava-se especial importância aos juramentos e testemunhas. Se não existissem, restavam dois outros expedientes: o duelo (no qual confrontavam-se acusador e acusado) e os "Juízos de Deus", ou ordálios, que só desapareceram no século XIV. Ambos se fundamentavam na crença de um Deus onipresente a interferir nas relações humanas. A intervenção divina era provocada para a busca do "real culpado".

Os "Juízos de Deus" surgiram no século XI, com a colonização dos bárbaros, e são considerados o início da tortura em juízo. Mais tarde, começam a surgir referências aos tormentos no processo criminal.

Foi nesse período histórico que a confissão passou a ser considerada a rainha das provas – regina probarum – devendo ser buscada praticamente a qualquer custo.

Segundo João Bernardino Gonzaga,

se por qualquer motivo ao conviesse o duelo, recorria-se aos ordálios. (...) Os métodos variavam muito, mas em regra consistiram na ‘prova do fogo’ ou na ‘prova da água’. Por exemplo, o réu devia transportar com as mãos nuas, por determinada distância, uma barra de ferro incandescente. Enfaixavam depois as feridas e deixavam transcorrer certo número de dias. Findo o prazo, se as queimaduras houvessem desaparecido, considerava-se inocente o acusado; se se apresentassem infeccionadas, isso demonstrava a sua culpa. Equivalentemente ocorria na ‘prova da água’, em que o réu devia por exemplo submergir, durante o tempo fixado, seu braço numa caldeira cheia de água fervente. A expectativa dos julgadores era de que o culpado, acreditando no ordálio e por temos a suas conseqüências, preferisse desde logo confessar a própria responsabilidade, dispensando o doloroso teste. [22]

Nesse ínterim, foi-se estruturando a chamada Justiça da Igreja, seguindo doutrina completamente diversa.

Segundo o mesmo autor,

tratava-se mais propriamente de uma Justiça disciplinar do que judiciária; e, à vista dos seus objetivos, é natural que adotasse regras com eles condizentes: a apuração dos fatos devia ser discreta, isto é, secreta, para o bem do acusado e para evitar escândalo público. A confissão do réu passou a ter importância capital, visto constituir indício de arrependimento, suscitando esperança da almejada regeneração. [23]

É muito importante aqui lembrarmos que a idéia de tripartição dos Poderes de Estado somente veio a se concretizar no século XVIII, por influência de Montesquieu. A separação, sem dúvida, propiciou não só a liberdade da Justiça, como também sua imparcialidade e equilíbrio.

Na época em questão não se admitia a presença de um advogado, devendo o réu defender-se sozinho. Não só as acusações eram secretas, como todos os atos processuais em geral e, ao contrário do que hoje ocorre, como regra todo acusado deveria permanecer detido durante o trâmite do processo.

O mais interessante é notar que se fosse reconhecida a culpa do réu, as sanções aplicadas seriam, normalmente, apenas de natureza patrimonial.

Ademais, se o acusado fosse nobre ou de alta classe social, era-lhe permitido indicar algum subordinado para que participasse dessas provas.

Aos nobres, raramente era aplicada a tortura. A própria maneira de cumprimento de pena era diferenciada de acordo com a classe social do acusado. A pena de morte, por exemplo, para os nobres, consistia na decapitação; os plebeus eram submetidos à forca.

1.3) Inquisição

O fenômeno da Inquisição, cujo nome completo era Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, estendeu-se desde o século XII até o século XIX, ultrapassando as fronteiras da Idade Média e do Renascimento, chegando à Idade Moderna.

A Inquisição, como bem lembra Padre Estêvão Tavares Bettencourt,

Nunca foi um tribunal meramente eclesiástico; sempre teve a participação (e participação de vulto crescente) do poder régio, pois os assuntos religiosos eram, na Antigüidade e na Idade Média, assuntos de interesse do Estado; a repressão das heresias (...) era praticada também pelo braço secular, que muitas vezes abusou da sua autoridade. Quanto mais o tempo passava, mais o poder régio se ingeria no tribunal da Inquisição, servindo-se da religião para fins políticos. [24]

Ainda no século XIII, conta Valéria Diez Scarance Fernandes Goulart:

Inocêncio III deu início à investigação de ofício, para os casos de notoriedade, fama e clamor público. Com o tempo, mesmo sem esses requisitos, o sistema inquisitivo passou a ser aplicado a todos os crimes, desenvolvendo-se largamente em decorrência das lutas contra hereges. Criou-se o Tribunal da Inquisição e, no século XV, os Tribunais do Santo Ofício, principalmente na Espanha e Portugal. [25]

João Bernardino Gonzaga, em seu livro A Inquisição em seu mundo, logrou fazer um retrato imparcial e justo do período, fundamentado em fatos históricos. Despiu-se do quadro estereotipado dos inquisitores que tendemos a aceitar como verdadeiro e analisou profundamente todo o contexto social, político, econômico, religioso e até científico da época, para, enfim, concluir que as críticas atuais precisam ser repensadas à luz da realidade daquele momento. A Inquisição foi produto de sua época e a legitimidade da tortura utilizada não suscitava então dúvidas.

Realmente, os costumes do povo eram tão bárbaros quanto as leis; ele amava os suplícios como as festas públicas e os sofrimentos divertiam a massa.

De acordo com Pietro Verri,

a natureza do homem é tal que, superado o horror pelos males alheios e sufocado o benévolo germe da compaixão, se embrutece e se regozija com sua superioridade no espetáculo da infelicidade alheia, do que também se tem um exemplo no furor dos romanos pelos gladiadores [26].

João Bernardino Gonzaga descreve bem o quadro estereotipado mencionado, o qual, após infindáveis repetições, acaba sendo considerado verdade absoluta por aqueles que o ouvem:

Nascida oficialmente no começo do século XIII e durando até o século XIX, a Inquisição dedicou-se, dizem eles, a semear o terror e a embrutecer os espíritos. Adotando como método de trabalho a pedagogia do medo, reinou, de modo implacável, para impor aos povos uma ordem, a sua ordem, que não admitia divergência, nem sequer hesitações. Ao mesmo tempo, pretende-se que o que havia por detrás dela, nos bastidores, era um clero depravado, ignorante e corrupto, em busca apenas do poder político e da riqueza material. (...) A igreja teria conseguido entravar por longo tempo o desenvolvimento cultural da humanidade [27].

Após minuciosa descrição das críticas feitas às condutas do período, o autor começa a questioná-las. Afinal, o que haveria de verdadeiro nisso tudo e como interpretar de maneira justa e objetiva o período? A análise deve começar por considerarmos a Inquisição como retrato da justiça criminal da época, por todos encarada com naturalidade, aprovada e defendida pelos juristas especialistas de então.

Os paradoxos, para o autor, são gritantes:

Parece-nos muito intrigante o seguinte: os tribunais de fé, é inegável, foram violentos, usaram métodos processuais e penais que consideramos reprováveis; levaram efetivamente a padecimentos e à morte multidões de pessoas, somente porque elas ousavam ter suas convicções. Tudo isso nos causa a nós, hoje, forte repulsa. Como então conciliar, eis a questão, tanta prepotência e tanta maldade com a suave figura de Jesus de Nazaré; com a virtude da caridade, que deve ser o farol máximo a iluminar o caminho da Igreja? (...) Será crível que, durante tão largo tempo, a Igreja haja abandonado Cristo? [28]

E, como bem lembra Pietro Verri:

O único julgamento pronunciado por Cristo durante sua vida foi para absolver a mulher que queriam apedrejar; e os cristãos que imitam ou deveriam imitar a vida paciente, bondosa, humana e compassiva do Redentor escrevem tratados para torturar seus irmãos com as mais atrozes e refinadas invenções! [29]

As respostas começam a aparecer quando tentamos analisar o período dentro dos valores que então regiam a sociedade, dentro do universo em que a Inquisição estava inserida e se modelou. A formação cultural, o estilo de vida, a relação das pessoas com a política, economia e, principalmente, com a religião, explicam muitas condutas.

Como bem assinala João Bernardino Gonzaga,

ao homem de hoje, forjado por intenso processo de secularização que se iniciou com a Idade Moderna na civilização ocidental, torna-se incompreensível que a religião, outrora, haja assumido o papel de poderoso e efetivo ordenador da vida social. [30]

A proliferação da criminalidade era caótica, ao mesmo tempo em que não havia uma política social eficaz. Coube, assim, à Justiça Penal ordenar a situação, contendo os insatisfeitos, o que foi feito através do terror.

Nesses termos,

diante de tantas dificuldades para uma eficaz proteção social, dois remédios foram adotados; a Justiça incentivava ao máximo as delações secretas, de modo que qualquer pessoa do povo podia acusar outrem, conservando-se no anonimato e a salvo de represálias; depois, o juiz buscava extorquir a confissão do suspeito, mediante a tortura. (...) Não se cogitava de penas com função reeducativa, exceto no Direito da Igreja. Os castigos da Justiça comum tinham mais propriamente o sentido de vingança, contra aquele que violara as ordens do rei e que era depois julgado pelos seus juízes. A par disso, a punição devia ser exemplar, escarmentando o povo, a fim de convencê-lo a respeitar as leis. Para tanto, quanto mais severa, melhor seria a pena. [31]

Não queremos neste trabalho defender as práticas tormentosas utilizadas nesse período histórico, mesmo porque entendemos que qualquer violação à garantia máxima da vida não se legitima jamais (e sua gravidade não deve ser encoberta), mas pretendemos apenas mostrar que tais condutas tiveram um contexto social.

Nicolau Eymerich, em 1376, sistematizou o Manual dos Inquisidores, pelo qual a tortura só poderia ser empregada se houvesse acordo entre o inquisidor e o bispo e os meios empregados deveriam ser tais que o acusado saísse saudável para ser libertado ou executado; sempre o que se buscava era a confissão do suspeito. É interessante notar que não deviam ser torturados os menores de quatorze anos, os velhos e as mulheres grávidas e os torturadores não se importavam com as marcas deixadas nos corpos, pois eram marcas de expiação do crime cometido.

É fácil percebermos, pois, que era inaplicado o princípio da proporcionalidade entre o crime e a pena.

As leis se limitavam a ordenar ou permitir a tortura, fixando algumas regras gerais para o seu uso, mas não especificavam no que ela poderia consistir; "a forma e os meios a serem empregados para produzir a dor seriam aqueles que os costumes indicassem, ou que fossem inventados por executores imaginosos. Facilmente, pois, ocorriam excessos". (GONZAGA, 1993, p.33)

O seguinte ensinamento de São Tomás de Aquino reflete bem a maneira como a tortura era encarada então: dizia que assim como ao médico é lícito amputar o membro infeccionado para salvar o corpo humano ameaçado, deve ser permitido ao príncipe eliminar o elemento nocivo ao organismo social.

Era inconcebível, em séculos passados, falar-se em liberdade religiosa, e isso se aplicava a todas as religiões, não somente à católica. Cada Estado exigia da sua população uma crença única, oficial. Religião e nacionalidade eram crenças que se confundiam.

Assim, não era possível exigir que a Igreja Católica respeitasse heterodoxias religiosas, quando o mundo era regido por dizimações ora de cristãos (pelos romanos, por exemplo), ora de pagãos, ora de anglicanos, ora de islâmicos. Ainda como ponto favorável à Igreja Católica temos a condição de procurar esta, através da força, ao menos atacar rebeldes que procuravam minar uma religião já consolidada entre o povo, ao contrário de outras religiões, que queriam impor compulsoriamente ensinamentos a pessoas de antiga fé oposta.

É fato, ainda, que os escritores mais célebres e conhecidos da época foram defensores desse sistema.

A grande maioria das religiões era absolutamente intolerante com as demais nessa época. Assim, se assumissem os hereges o Poder seguramente dariam aos católicos o mesmo tratamento que a eles estava sendo dispensado.

Nesse contexto,a Inquisição, portanto, não foi algo artificial, que a Igreja tenha impingido ao povo, mas produto de uma necessidade natural, que todos sentiam, e o seu severo modo de atuar foi condizente com o estilo da época. Somente muito mais tarde, presentes outras concepções e outros costumes, é que ela veio a ser criticada como atentatória às liberdades individuais. [32]

A Inquisição tinha um espaço hoje comparável à política, despertando amores e ódios, mas considerada legítima pela população.

O ritual de procedimento da Inquisição era bem definido, em quase todos os seus atos processuais, sendo a execução pública. Os motivos de o procedimento ser sigiloso são bem explicados por Nicolau Eymerich, em seu livro Manual dos Inquisidores:

Não deverão tornar-se públicos os nomes das testemunhas nem dá-los a conhecer ao Acusado, se disso advier algum dano para os Acusadores e só muito raramente é que tal dano não acontece. Efetivamente, se o Acusado não é de temer por causa de suas riquezas, nobreza ou família, é de temer muitas vezes a sua maldade ou a de seus cúmplices, os quais, sendo às vezes determinadas pessoas e nada tendo a perder, se tornam perigosos para as testemunhas. Foi isso que a experiência me ensinou. (...) A forma secreta e escrita do processo confere com o princípio de que em matéria criminal o estabelecimento da verdade era o soberano e seus juízes um direito absoluto e um poder exclusivo. (apud SZNICK, 1998, p.81)

A denúncia, que era oral, fazia-se com as mãos sobre o Evangelho, como um juramento e a obrigação de denunciar os hereges era permanente.

A posição da Igreja Católica só começou a mudar pela meditação em torno de textos como os de Santo Agostinho, surgindo, posteriormente, a noção de caráter medicinal da pena, e não apenas vindicativo.

1.4) Idade Moderna

A tortura, que até o século XIV era enfocada como instrumento processual, sobre a qual gravitavam certas garantias legais, agravou-se a partir do século XV, principalmente nos governos absolutistas. É que, nesse momento, a tortura torna-se indispensável para a defesa e segurança do próprio Estado.

Observa Mário Coimbra que

o processo inquisitivo, na Idade Moderna, com raras exceções, se desenvolveu de forma ainda mais atentatória aos direitos do acusado, porquanto todos os atos processuais eram realizados de forma secreta, sem que este tomasse conhecimento da acusação. [33]

É exatamente essa a realidade retratada por Pietro Verri em seu livro Observações sobre a tortura, que comentaremos no próximo item.

É imperioso notar que

a insegurança vivenciada pelos cidadãos da época refletia a absoluta imperfeição do procedimento criminal destinado à apuração da verdade do fato delituoso, uma vez que a culpa não incidia sobre o acusado após a reunião de todas as provas no processo. Dessa forma, um pequeno indício de um crime grave, por exemplo, era suficiente para manchar uma pessoa com a pecha de um pouco criminoso. [34]

Cada país europeu teve suas particularidades processuais, quase todos com o uso da tortura, mas provavelmente a Alemanha foi o palco das maiores atrocidades relacionadas à tortura no período. Eram comumente utilizadas a empolgadeira (que esmaga polegares), a chamada "virgem de Nuremberg" (um sarcófago de lâminas pontiagudas), bem como torturas por meio de azeite (nas quais o acusado era obrigado a ingerir grande quantidade de azeite fortemente temperado, sendo depois levado a uma sala de temperatura elevada) e de fogo (principalmente nos pés, devidamente untados com gordura).

Outra espécie de tormento

consistia em se desnudar o acusado e colocá-lo, amarrado, num banco, inserindo, sobre seu corpo, formigas, enormes ratos e insetos de toda classe, os quais, geralmente, penetravam no corpo do acusado, através do umbigo, por se encontrarem famintos. [35]

1.5) Iluminismo

O primeiro país a abolir a tortura foi a Suécia, no ano de 1734, mantendo-a apenas para os delitos considerados mais graves e abolindo-a completamente em 1776.

Pietro Verri foi um dos grandes nomes da época, escrevendo Observações sobre a tortura, que será muitas vezes por nós citado neste trabalho. Nesse livro, deixa traspassar toda sua revolta com a prática dos tormentos através da reconstrução, por documentos, de um processo que tramitou em Milão no ano de 1630 e culminou com a tortura e morte de muitos "acusados". Esse processo ficou conhecido como "processo dos untores", já que os réus eram acusados de passar um óleo venenoso (untar) nas paredes da cidade, para assim espalhar a peste negra.

A ignorância e as superstições não deixaram que as pessoas aferissem o completo absurdo dessas acusações. O processo tinha como único objetivo confirmar aquilo que já se tinha como certo e, com a tortura (que tinha apoio na lei) e com a construção arbitrária da prova pelo juiz, foram obtidos quaisquer resultados e culpados.

Números oficiais mostram que, apenas na década de 1620, foram queimadas cerca de mil feiticeiras por ano nas cidades alemãs de Würzburg e Bamberg. A bruxaria consistia na venda da própria alma ao diabo em troca da aquisição de poderes sobrenaturais. Dois poderes constantemente apontados eram o de tornar os maridos cegos a respeito da desonestidade de suas esposas e o de fazer com que as mulheres dessem à luz filhos idiotas ou deformados.

Historicamente falando, é no mínimo interessante notar a que extremo de ódio pode chegar o homem medíocre dotado de força bruta, usando a violência como instrumento da justiça. E o mais inusitado é perceber o quão atual se apresenta, em pleno século XXI, tal discussão. Afirma-se que é nas verdadeiras catástrofes que a fraqueza humana tende a dar mais razão a causas absurdas do que às próprias leis físicas.

Iluministas como Verri, entre outras sugestões, propunham a total separação entre os Poderes Legislativo e Judiciário, para afastar deste as pressões de natureza política, os preconceitos e as superstições. Cesare Beccaria defendia que

é querer subverter a ordem das coisas exigir que um homem seja ao mesmo tempo acusador e acusado, que a dor se torne o cadinho da verdade, como se o critério dessa verdade residisse nos músculos ou nas fibras de um infeliz. Esse é o meio seguro de absolver os celerados vigorosos e de condenar os inocentes fracos [36].

Pode-se dizer que já se apresenta a idéia de presunção de inocência do acusado, em lugar da presunção de culpa que servia de justificativa para a tortura.

De acordo com Dalmo de Breu Dallari,

com muita agudeza observa Verri que nas situações excepcionais o povo tende a acreditar facilmente nas opiniões mais extravagantes. (...) O povo quer que alguém seja punido por seus incômodos e por suas desgraças, mesmo que seja absolutamente ilógica essa pretensão punitiva [37].

Como bem assevera Michel Foucault acerca da tortura judiciária no século XVIII:

(...) O corpo interrogado no suplício constitui o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da verdade. E do mesmo modo que a presunção é solidariamente um elemento de inquérito e um fragmento de culpa, o sofrimento regulado da tortura é ao mesmo tempo uma medida para punir e um ato de instrução [38].

A verdade é que a tortura na Toscana só foi oficialmente abolida em 1783. Na Áustria, o acontecimento deu-se em 1787 e na Hungria, Boemia e Tirol, em 1776.

Os autores iluministas questionavam a posição dos escritores mais antigos que defendiam a tortura, dizendo que não acreditavam realmente na eficácia dos tormentos para a obtenção da "verdade". Mostravam, inclusive, um paradoxo em seu raciocínio: em muitos períodos, somente determinadas camadas sociais eram torturadas; se os doutores considerassem a tortura como um meio para descobrir a verdade nos crimes, não excluiriam suas próprias pessoas das torturas, pois é tamanho o interesse da sociedade no desvendamento deles que ninguém pode se subtrair dos meios de descobri-los.

De qualquer forma, é um erro afirmar que a repulsa da tortura é uma nova invenção dos filósofos modernos, pois sempre existiram autoridades que se opuseram à prática dos tormentos.

1.6) Tortura no direito comparado na atualidade

A abolição da tortura institucionalizada na Europa deu-se, primeiramente, por um decreto de Frederico II da Prússia, de 1740. O entendimento ganhou maior ênfase com a Revolução Francesa e conseqüente expansão de idéias abolicionistas, alcançando cada vez mais Estados.

A partir do século XX, a tortura saiu do âmbito apenas dos períodos de guerra, invadindo o mundo através dos regimes antidemocráticos, principalmente. Muitos governos militares, sem dúvida, contribuíram para esse panorama negativo, e o Brasil não ficou fora desse contexto.

A barbárie passa ao domínio público em decorrência da habitualidade, e faz com que também "apareçam" as torturas sofridas por presos comuns, não ligados a crimes de natureza política, em muitas partes do mundo.

Esse panorama desembocou na feitura pela Assembléia da ONU da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, em 1984, que será analisada no capítulo II.

Os pensamentos humanistas evoluíram desde o século XVIII; a tortura deixa de ser legalmente aceita pela maioria dos Estados, mas prossegue à margem da lei, sem data previsível para término.

E como bem esclarece Paulo Sérgio Pinheiro, "os negros, os pobres e os miseráveis são as vítimas preferenciais da tortura nas delegacias, numa dupla discriminação racial e social" (2000).

E uma coisa parece certa: só conseguiremos exterminar de vez a tortura do mundo civilizado quando lograrmos conscientizar todos os governantes e governados da importância dos direitos humanos fundamentais, ou seja, quando a razão prevalecer sobre a ignorância e a brutalidade.

Sucessivos relatórios da Anistia Internacional mostram a persistência da tortura nos países democráticos, incluindo o Brasil. Em relatório publicado pela entidade no ano de 1971, foram apontadas oficialmente mais de mil pessoas vítimas de tortura no Brasil.

Na grande maioria dos casos, é praticada por agentes públicos policiais e a todo esse problema se une, ainda, a falta de prestação de informações por parte, principalmente, dos Estados-membros, dificultando a feitura de qualquer relatório que se queira sério.

A Anistia Internacional confirma casos de tortura em cento e trinta países, já que o próprio conceito de tortura dado pelas entidades de defesa dos direitos humanos é abrangente. Sobre a possibilidade de uma delimitação maior do conceito de tortura, o pesquisador Tim Cahill defende que não é possível fazer essa distinção, pois "se você permitir determinados tipos de tratamento, quando a ação estiver nas mãos de pessoas mal preparadas será fácil ultrapassar a linha que definiria tortura. [39]

Em 2004, o relatório geral da Anistia Internacional revelou quatro situações em que as denúncias de tortura são especialmente preocupantes. São elas:

Nações sob governos ditatoriais, países onde a democracia sucedeu a ditadura, mas não houve reforma dos sistemas de investigação e da Justiça criminal (nesse grupo está o Brasil), lugares onde a tortura aparece em casos isolados de abuso de poder e os eventos ocorridos na prisão iraquiana [40].

Em pleno século XXI,também alguns Estados chegam a aceitar legalmente, sob determinadas circunstâncias, a utilização da tortura como instrumento para o interrogatório de ‘terroristas’. Em geral, justificam a tortura em razão da situação de guerra em que se encontram, como um meio, embora grotesco, necessário à preservação da segurança de seus cidadãos [41].

Podemos citar o caso de Israel, que, em novembro de 1987, legalizou a tortura com a aprovação pelo governo do relatório da Comissão de Landau. Essa Comissão propôs que fossem autorizadas a "pressão psicológica e a pressão física moderada" nos interrogatórios de "detentos de segurança" feitos por oficiais do Serviço de Segurança Geral (SSG).

Entre os métodos aceitáveis estão:

Deter o preso em cárcere incomunicável, privá-lo de sono, sacudi-lo de forma violenta, mantê-lo em posturas doloridas, espancá-lo, submetê-lo continuamente a música alta e a extremos de frio e de calor [42].

No ano de 1999, a Suprema Corte desse país proibiu o uso da tortura de forma genérica, mas abriu exceção para os casos em que houvesse risco de morte de outras pessoas, casos em que a SSG precisa comprovar a existência de ameaça para justificar o uso da tortura.

Tais posturas sempre foram (em vão) duramente criticadas pela ONU e por entidades de defesa dos direitos humanos.

Nos Estados Unidos da América, até os fatídicos atentados ao World Trade Center, no ano de 2001, a prática da tortura parecia confinada aos porões das prisões. Mas, com a queda das torres gêmeas, "a tortura ganhou status de doutrina de segurança, abertamente defendida em nome de sua suposta eficiência como arma de guerra contra o terrorismo". [43]

Donald Rumsfeld, secretário de Defesa dos EUA, assinou em novembro de 2002 um memorando endossando o emprego de quatorze técnicas de interrogatório nos suspeitos de terrorismo detidos em Guantánamo, só tendo sido tal documento revogado após forte reação de grupos defensores dos direitos humanos. Tal revogação, obviamente, não representa mudança de opinião, já que muitas provas de tormentos em prisioneiros em têm vindo à tona.

Ao longo dos séculos, também as crianças foram muitas vezes torturadas, sob o argumento de "educá-las corretamente", apanharam e foram castigadas severamente de infindáveis maneiras, sem que ninguém questionasse tais comportamentos que, por vezes, foram socialmente recomendados.

Na Medicina Legal, data do ano de 1868 o primeiro relato sobre crianças espancadas e queimadas até a morte. E é somente a partir do século XX que passa a criança a ser finalmente encarada como um ser social diferente dos adultos, com peculiaridades e necessidades próprias, de acordo com a sua condição de pessoa em desenvolvimento.

A partir da década de 1970, as diversas formas de maus-tratos infantis vêm sendo estudadas sob a denominação de Síndrome da Criança Espancada (Battered Child Syndrorne), termo criado em 1971 para designar um quadro de abuso e violência contra ela.


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2.Tortura no Brasil

A sociedade brasileira na época colonial era de cunho escravista, onde a crueldade perpetrada, principalmente, em relação aos negros, era enfocada como algo natural, porquanto estes eram considerados serem sub-humanos, destinados à produção agrícola e de minérios [44].

Os índios, como regra, sofreram menor opressão, pois receberam relativa proteção da Igreja.

Ao tempo do Brasil colônia, vigoraram as Ordenações Afonsinas (datadas de 1446), Manoelinas (de 1521) e Filipinas (de 1603), estas últimas sendo as que realmente influíram no país, mesmo depois da Independência.

De acordo com Mário Coimbra,

mesmo no Brasil Império, com a elaboração da Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, onde se aboliram os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis, se continuou a supliciar os escravos. Assim, o Código Criminal do império de 1830, esculpido sob o espírito liberal, dispunha, no seu artigo 60, que, quando se tratasse de acusado escravo e que incorresse em pena que não fosse a de morte ou galés, deveria receber a reprimenda de açoites e, após entregue ao seu proprietário, para que este inserisse um ferro em seu pescoço pelo tempo que o juiz determinasse [45].

Assim, a Carta de 1824 trouxe diversos princípios de direitos humanos, abolindo a tortura para os considerados cidadãos brasileiros, mas os negros continuam sofrendo com os tormentos até 1888, ano marco da extinção oficial da escravidão. O Código Criminal de 1832 baniu o sistema inquisitorial e adotou o acusatório, declarando expressamente que a confissão deveria ser livre e estar sustentada em outras provas.

A proclamação da República, apesar de pautar-se em idéias inegavelmente relacionadas a liberdades públicas, não alterou esse panorama. Os movimentos dissidentes à então elite governante, como o de Canudos, recebiam tratamentos muito violentos e a tortura seguiu seu caminho com igual força também nesse período.

Com o estabelecimento do Estado Novo, em 1937, e a implantação da ditadura getulista, que duraria até 1945, a tortura ganhou contornos e regulamentação institucionais.

Com o fim desse período obscuro de nossa história, a tortura passa a ser feita às escondidas, perdendo apenas seu caráter institucional.

Em 1964 chegam, via revolução, os militares ao poder, e

a tortura institucional passou a ser um poderoso instrumento a serviço dos detentores do poder, a fim de que pudessem obter das vítimas supliciadas informações relevantes, para a total extirpação dos opositores políticos. Ademais, sob o manto da barbárie instalada pelo governo militar, que perdurou por vinte anos, um dos generais, mediante intensa propaganda veiculada em todos os meios de comunicação, conseguiu dar um toque de romantismo na total suspensão das liberdades públicas, com o slogan ‘Brasil: ame-o ou deixe-o’ [46].

E segue Mário Coimbra explicando:

Para que o trabalho desenvolvido por tais grupos de opressão atingisse o fim almejado, foram criados, aproximadamente, duzentos e quarenta e dois centros secretos de detenção, muitos deles mantidos, diretamente, pelas Forças Armadas, como o DOI-CODI (Departamento de Operações de Informações/Centro de Operações de Defesa Interna) e o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), que efetuava investigações políticas no plano estadual [47].

A tortura, ao longo dos séculos, tem sido utilizada contra os considerados "desclassificados sociais"; nessa época, entretanto, surge o fenômeno da tortura contra opositores políticos. Nessa época, o "mal" a ser atacado era o comunismo, cuja extirpação era o fim que justiçava os meios.

O papel da tortura nesse período é diverso do que registrara a História em outros momentos, pois, conforme bem assinala Cecília Maria Bouças Coimbra,

(...) diferentemente da Inquisição, não é ela que absolve e redime o torturado. Ela, inclusive, não é garantia para a manutenção da vida; ao contrário, muitos após terem ‘confessado’ foram – e continuam sendo – mortos e desaparecidos. Além disso, tem tido como principal papel o controle social: pelo medo, cala, leva ao torpor, a conivência e omissões [48].

No final de 1968, pressionado pela crescente oposição, o regime militar assumiu poder ditatorial total, através do infame Ato Institucional nº 5, que inaugurou o governo Médici (que duraria até 1974). O Congresso Nacional foi fechado e a tortura virou política oficial do Estado brasileiro.

Elio Gaspari, via relatos pessoas e documentais do período, nos descreve a vergonhosa e conhecida "aula de tortura", dada em dezembro de 1969, pelo então tenente Ailton Joaquim a oficiais do Exército no quartel da Vila Militar no Rio de Janeiro, momento em que, segundo o autor, a ditadura deixa de se envergonhar de si própria.

Assim,

os presos foram enfileirados perto do palco, e o ‘tenente Ailton’ identificou-os para os convidados. (...) Com a ajuda de slides, mostrou desenhos de diversas modalidades de tortura. Em seguida os presos tiveram de ficar só de cuecas [49].

Um deles receberia choques elétricos:

Depois de algumas descargas, o tenente-mestre ensinou que se devem dosar as voltagens de acordo com a duração dos choques. Chegou a recitar algumas relações numéricas, lembrando que o objetivo do interrogador é obter informações e não matar o preso [50].

Outro preso, segue o autor, foi submetido ao esmagamento dos dedos com barras de metal. Um terceiro apanhou de palmatória nas mãos e na planta dos pés. O tenente explicava aos "alunos" que "a palmatória é um instrumento com o qual se pode bater num homem horas a fio, com toda a força". [51]

Pendurando ainda um outro no pau-de-arara, o tenente explicou - enquanto os soldados demonstravam – que essa modalidade de tortura ganhava eficácia quando associada de palmatória ou aplicações de choques elétricos, cuja intensidade aumenta se a pessoa está molhada [52].

Citado pelo ilustre jornalista, finaliza o tenente-professor: "Começa a fazer efeito quando o preso já não consegue manter o pescoço firme e imóvel. Quando o pescoço dobra, é que o preso está sofrendo". [53]

Os relatos de tortura que poderíamos aqui reproduzir são infindáveis, e alguns serão mencionados ao longo do trabalho.

Um ex-diretor de um órgão de informações no governo Médici explica que

(...) não é segredo para ninguém, que os agentes dos órgãos de segurança recebiam prêmios mensais muitas vezes superiores a seus salários oficiais. E esses prêmios eram ainda mais reforçados quando ocorria a eliminação de algum dirigente subversivo considerado particularmente perigoso [54].

E segue dizendo que

você pode descobrir por si mesmo quem foram os grandes financiadores e beneficiários da tortura. Basta procurar identificar as grandes fortunas que se fizeram naquele período, de forma fácil e aparentemente inexplicável [55].

De acordo com Antonio Carlos Fon,

não apenas empresários, nacionais ou estrangeiros, (...) participaram do esforço para a montagem e manutenção dos órgãos onde se praticava a tortura. Além deles, diversas organizações de extrema-direita, como a TFP, Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (...) ou até mesmo religiosos e católicos conservadores justificaram ou participaram de torturas. (...) Até mesmo alguns governos estrangeiros participaram, através do fornecimento de equipamento ou instrutores, das atividades dos órgãos de repressão política [56].

Tais relatos falam principalmente em norte-americanos, sul-coreanos, sul-africanos e portugueses.

A tortura e morte do jornalista Vladimir Herzog, chefe de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975, nas dependências do CODI-DOI do II Exército, após apresentação voluntária para depoimento, teve repercussão inesperadamente grande para os inquisidores, que queriam apenas atingir escalões mais altos da administração estadual.

Na época, a polícia divulgou uma foto, tentando convencer a opinião pública de que ele havia se suicidado. A notícia de sua morte não foi divulgada na televisão, mas apareceu nos jornais e milhares de pessoas se reuniram na praça da Sé para protestar contra o assassinato.

De acordo com Jaques de Camargo Penteado,

vencido o estágio que privilegiava o mais forte e conquistada a solução de conflitos com a neutralidade que promove a confiança na autoridade, ficou realçado que não basta um procedimento legal para pôr fim às controvérsias, mas é imprescindível uma forma justa de realização da paz social. (...) A preservação do homem exige que a ciência do Direito utilize todos os seus instrumentos para vedar a tortura. A condenação de um culpado baseada em prova obtida mediante tortura é a condenação da própria justiça. (In: Justiça nº 5, 1997, prefácio)

A realidade do nosso país com relação ao tema segue alarmante, escondida nos porões de delegacias e outros locais de acesso a poucos, mas com o conhecimento de muitos;

não se trata, portanto, apenas de omissão, conivência e/ou tolerância por parte das autoridades para com tais questões, mas de uma política silenciosa, não falada, que aceita e mesmo estimula esses perversos procedimentos [57].

Hoje, a idéia de "inimigo interno" não é mais dos opositores políticos, mas dos miseráveis. Como não é mais possível ignorá-los (porque em número espantoso), é preciso, pensa-se, fortalecer as políticas de segurança pública militarizada. É a cultura do medo, que deságua em movimentos como o da Lei e Ordem, que defende a adoção de política criminal radical, o endurecimento de penas, o corte de direitos e garantias fundamentais, o agravamento da execução, bem como a tipificação inflacionária de novas condutas desviantes.

O retrocesso à Lei de Talião e à imposição da pena capital para muitos se apresenta como solução.

É até mesmo possível concluir que

a tortura é uma prática social solidamente incorporada à nossa tradição cultural, com a única diferença de que é tolerada, muitas vezes exigida, amparada culturalmente, a depender do perfil daqueles que serão vitimados. Há certos segmentos, certos grupos, sobre os quais a prática da tortura não oferece qualquer tipo de constrangimento público [58].

A verdade é que a tortura só é um horror se atinge "um dos nossos". Isso explica um sem número de casos registrados (quando o são) apenas como lesões corporais ou abusos de autoridade.

Essa tradição cultural contamina, sem dúvida, também nossas instituições, cujo fortalecimento começa a dar os primeiros passos.

Para Elzira Vilela, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, a tortura institucionalizada pela ditadura militar hoje só mudou seus alvos, pois para ela:

O modo de agir dos integrantes da ditadura, o arbítrio, a violência que se dirigia contra os opositores do regime passa a se voltar contra a população mais pobre, negra, analfabeta, que se concentra sobretudo nas favelas, cortiços e periferias das cidades. A ação dos agentes de segurança é discriminatória e depende da pessoa contra qual ela é dirigida". [59]


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BIBLIOGRAFIA

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Lucia Guidicini e Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

CHINELLI, Ana Paula; VITURINO, Robson. Dedo na ferida. Superinteressante. São Paulo, nº208, p. 54-59, dez. 2004.

COIMBRA, Cecília Maria Bouças; ROLIM, Marcos. Tortura no Brasil como herança cultural dos períodos autoritários. Revista CEJ. Brasília, nº14, ago. 2001.

FARIAS, Maria Eliane Menezes de. Por uma maior eficácia no combate à tortura. Revista CEJ. Brasília, n. 14, p. 73-77, ago. 2001.

FON, Antonio Carlos. Tortura: a história da repressão política no Brasil. 6. ed. São Paulo: Global, 1981.

GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

GOMES, Hélio. Medicina Legal. 33. ed., revista e ampliada. Atualizador Dr. Hygino Hercules. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2003.

GONZAGA, João Bernardino. A Inquisição em seu mundo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

GOULART, Valéria Diez Scarance Fernandes. Tortura e prova no Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2002.

MACHADO, Nilton João de Macedo; VIDAL, Luís Fernando Camargo de Barros; GOMES, Luiz Flávio. A eficácia da lei de tortura: aspectos conceituais e normativos. Revista CEJ. Brasília, n. 14, p. 14-32, ago. 2001.

SZNICK, Valdir. Tortura: histórico, evolução, crime. São Paulo: Leud, 1998.

VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. Tradução de Federico Carotti. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.


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Notas

01 In: VERRI, 2000, p. VIII.

02 Apud MOURA, 2003, p. 27.

03 1998, p. 14.

04 Ibid.

05 Ibid. p. 20.

06 COIMBRA, 2001, p. 14.

07 Ibid.

08 Ibid.

09 SZNICK, 1998, p. 21.

10 COIMBRA, 2002, p. 16/17.

11 1998, p. 22.

12 1993, p.32.

13 COIMBRA, 2002, p. 18.

14 Ibid.

15 2000, p. 106.

16 Ibid. p. 106/107.

17 GOULART, 2002,p. 24.

18 MACHADO; VIDAL; GOMES, 2001, p. 16.

19 BETTENCOURT, Pe. Estevão Tavares. In: GONZAGA, 1993, págs. 11-12.

20 Apud ibid.

21 In: GOMES, 2003, p. 485.

22 GONZAGA, 1993, pág.23.

23 Ibid., pág.24.

24 BETTENCOURT, Pe. Estevão Tavares. In GONZAGA, 1993, pág15.

25 2002, pág. 26.

26 2000, p. 80.

27 1993, p.17-18.

28 Ibid., p.19.

29 2000, p.102.

30 1993, p.20.

31 Ibid., p.49.

32 GONZAGA, 1993, p.114.

33 2002, p. 75.

34 COIMBRA, 2002, p. 76.

35 Ibid., p. 83.

36 1997, p.69.

37 In: VERRI, 2000, p. XVII.

38 Apud DALLARI, Dalmo de Abreu. In VERRI, 2000, p. XIX

39 Apud CHINELLI, 2004, p.57.

40 CHINELLI, 2004, p. 59.

41 FARIAS, 2001, p. 75.

42 CHINELLI, 2004, p.57.

43 Ibid., p. 56.

44 COIMBRA, 2002, p. 149-150.

45 Ibid, p.152.

46 COIMBRA, 2002, p. 156.

47 Ibid.

48 COIMBRA; ROLIM, 2001, p. 07.

49 GASPARI, 2002, p. 361.

50 Ibid..

51 Ibid., p. 362.

52 Ibid.

53 Ibid..

54 Apud FON, 1981, p. 56.

55 Ibid., p. 59.

56 Ibid., p. 60.

57 COIMBRA; ROLIM, 2001, p. 06.

58 Ibid., p. 11-12.

59 2004.

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Fonte: SiteJus Navegandi

quinta-feira, 5 de março de 2009

Oscar ou Carnaval?

A emissora de TV mais poderosa do Brasil, a Rede Globo, fez algo digamos discutível no último dia 22 de fevereiro. A emissora que detêm os direitos de transmissão da premiação do Oscar, optou por não transmitir o evento, em prol de televisonar, o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro.Deve-se levar em conta que era domingo de carnaval,mas fica o seguinte questionamento,já que não ia transmitir a premiação do oscar, dga-se de passagem é a maior premiação do cinema mundial, por quê não vender os direitos de transmissão a outra emissora? poderia vender ao SBT, que na minha opinião sempre transmitiu o evento melhor que a globo, quando era detentora dos direitos.
Os que possuem TV á cabo, puderam assistir ao oscar pelo canal TNT, mas é necessário lembrar que apesar de morarmos no país do carnaval, existem muitos brasileiros que não tem esse espiríto carnavalesco, que a globo acha que 100% da população tem, existem pessoas no país, que preferem contemplar uma premiação á arte cinematográfica, ao assistir pessoas rebolando na tv.

terça-feira, 3 de março de 2009

Boas Vindas Para a Nati


O que o Blogger Alieanação deseja para a ti Nati bastante sucesso felicidades e bastante Inteligência para vc estar sempre postando coisas boas no nosso blogger e isso ai galerinha que a Nati possa estar fazendo um otimo trabalho no nosso blogger beijos fica com Deus Nati,
PS: Te adorooooooo


Alienação TOTAL


A TV é um inimigo próximo, não digo que tudo o que passa na televisão seja deturpado não é isso. To aqui hoje para falar sobre as novelas, elas influênciam as atitudes, o senso crítico, e o caráter, de muitas pessoas que as assistem a um longo tempo.
As informações disseminadas por estes programas, entretanto, pelo menos no que diz respeito às produções nacionais dos últimos tempos, não colaboram em nada para o crescimento e desenvolvimento mental, moral e social. Não dá para acreditar que as cenas de violência retratadas em chantagens, mentiras e usurpação e de violência explícita, assassinatos, seqüestros, para citar apenas algumas, possam ser aceitas tão naturalmente como parte de um cotidiano similar ao nosso. O que é passado ali tenta simular nossa realidade, mas não fala tudo que tem pra ser dito, querem passar uma realidade ao telespectador que é comprada! Por que a criança de 11, 12 anos pode ver cenas picantes na novela mais já nao pode ver crianças passando fome e catando lixo nas ruas, pedindo esmola, com costelas aparecendo ?
Como dizer à família, aos amigos e a nós mesmos que a telenovela não é o espelho da sociedade, mas uma inversão de imagem? Um ilogismo que faz parecer certo o que é errado; moral, o imoral; que gratifica o mal e pune o bem. O fato é que as relações apresentadas nestas tramas parecem tão lógicas e expressivas, que na maioria das vezes dá a sensação de serem pautadas na realidade.
Mas será mesmo que a vida real é tão pobre? A cidadania, a decência, a honestidade, a verdade são temas tão desinteressantes que só podem ser reportados na pele de alguma personagem sofredora, que vive tudo de ruim que tiver para acontecer?
O que estamos deixando criar dentro de nosso próprio lar????
Uma geração convencida de que o egoísmo, a hipocrisia, a mentira, o consumismo são qualidades e não defeitos.

" As redes de anunciantes deveriam prestar mais atenção naquilo que patrocinam.
O que, a princípio, parece um bom investimento, na verdade não é. O lucro verdadeiro é a criação de uma sociedade fraterna, justa, integrada, educada e cidadã. As empresas devem patrocinar o que é bom para a sociedade. É preciso contribuir para a cidadania para depois cobrarmos a segurança, a liberdade e a justiça que almejamos." Claudir Bustamante da Silva Pinto

A educação é o contrapeso desta história. Longe das telenovelas, iniciativas como bolsa escola, atividades em periodo integral em redes públicas, ONGs que trabalham solidariamente com a educação! São coisas que devemos ajudar a continuar sendo praticado!O resultado é a satisfação deste ser humano em desenvolvimento, com a oportunidade de ser cidadão, de contribuir honestamente para o desenvolvimento sustentável. Precisamos de outros exemplos, de iniciativas como esta que afastem o jovem da fantasia de que tudo é permitido e que mostrem o valor real de cada coisa. Isto sim, é incluir de fato.

Olá! :D

Iai galera eu so a Nati amiga do Diogão querido, pois é ontem ele tava aqui em casa arrumando meu pc e eu comentei com ele a forma de eu conseguir expressar aquilo sobre o que eu acho da sociedade. A alternativa proposta não foi das melhores e o diogo como fala logo as coisas, ja falo que eu não iria praticar isso coisa nenhuma! E entããão me mostrou seu blog, e falou que esse espaço era exatamente o que eu tava precisando.Me amarro nesse cara, brother!Valeu diogão abraços pra galera, Luz!

José Gabriel da Costa: Trajetória de um brasileiro, Mestre e Autor da União do Vegetal


Sérgio Brissac

1. Introdução

Este texto visa traçar a trajetória de José Gabriel da Costa, fundador da União do Vegetal, e relacioná-la com aspectos da especificidade cultural brasileira. Acompanhando o percurso de sua vida, é possível tecer uma ampla rede de relações com diversas configurações culturais presentes na sociedade brasileira. Este texto restringir-se-á a uma breve exposição dessa trajetória, através do recurso às poucas fontes de informação disponíveis, limitando-se a apontar somente algumas possíveis linhas de investigação, a serem desenvolvidas oportunamente[1].

Em 22 de julho de 1961, José Gabriel da Costa, chamado por seus discípulos de Mestre Gabriel, fundou a União do Vegetal, a UDV, na Amazônia, em região próxima à fronteira entre o Brasil e a Bolívia. . Como centro da atividade religiosa do grupo está a ingestão da Hoasca ou Vegetal, chá obtido a partir de duas plantas, um cipó denominado mariri, Banisteriopsis caapi, e um arbusto chamado chacrona, Psychotria viridis. No ano de 1965, José Gabriel da Costa mudou-se para Porto Velho, onde consolidou a União recém-fundada. Em 1967, após incidentes de perseguição policial ao grupo em Porto Velho, é encaminhada a constituição de uma entidade civil, primeiramente denominada Sociedade Beneficente União do Vegetal, adotando depois o nome definitivo de Centro Espírita Beneficente União do Vegetal. Ainda em vida de Mestre Gabriel, foi fundado o núcleo de Manaus e em 1972, um ano após seu falecimento, já se inaugurou o núcleo de São Paulo. Em 1998, havia em torno de 70 núcleos espalhados por todo o Brasil, totalizando aproximadamente 7 mil sócios.

2. José, o menino de Coração de Maria

No dia 10 de fevereiro de 1922, na localidade de Coração de Maria, próxima a Feira de Santana, Bahia, nasce José Gabriel da Costa. Filho de Manuel Gabriel da Costa e Prima Feliciana da Costa, José nasce em uma numerosa família de treze irmãos: João, Dionísio, Otacílio, Pedro, Romão, Maria, “Miúda”, José Gabriel, “Sinhá”, Alfredo, Antônio, Maximiano, Hipólito[2]. No livro União do Vegetal: Hoasca; Fundamentos e Objetivos, o único texto editado para o grande público até o momento pela instituição, apenas três páginas tratam da vida do fundador da UDV. Assim, tivemos de buscar informações junto a parentes e outras pessoas que com ele conviveram, além de pesquisar no jornal Alto Falante, do Departamento de Memória e Documentação da UDV.

Segundo seus parentes, desde pequeno, José já se destacava como alguém especial. Contam que ainda criança, ele auxiliou uma mulher com dificuldades de parto. O bebê se encontrava mal posicionado e a parteira temia que morressem mãe e filho. José entra no quarto, manda todos saírem, tranca a porta e logo em seguida a destranca. Quando o menino abre a porta, simultaneamente nasce a criança.

Na década de 20, o menino José cresce em um meio rural fortemente marcado pelo catolicismo popular. Uma recordação que narram de sua infância é que o “garoto ia aos domingos à igreja de sua cidade e levava com ele um barbante. Durante a missa, amarrava as pessoas umas às outras, pelos passantes das roupas, sem que elas percebessem”[3]. Nas chamadas, hinos entoados durante o ritual da UDV, há referências constantes a Jesus e a vários santos católicos: a Virgem da Conceição, São João Batista, a Senhora Santana, São Cosmo e São Damião.

Aos 13 anos de idade, em 1935, José vai trabalhar em Salvador. Emprega-se em diversos estabelecimentos comerciais. Aos 18 anos, presta serviço militar voluntariamente na Polícia Militar da Bahia, chegando em poucos meses à patente de cabo de esquadra. Segundo seu irmão Antônio, atualmente também mestre na UDV, José Gabriel “conheceu todas as religiões, conheceu os terreiros de Salvador, andou por todas as religiões procurando a realidade”[4]. Segundo outro mestre, José iniciou na “ciência espírita” com apenas 14 anos. Provavelmente, esta informação refere-se à participação de José em terreiros de candomblé, e não em centros kardecistas, com os quais entretanto ele também entrou em contato, só que posteriormente, ainda quando morava em Salvador.

Segundo o pesquisador Afrânio Patrocínio de Andrade, José Gabriel freqüentou sessões espíritas kardecistas na Bahia[5] . Foi, aliás, em Salvador que teve início o espiritismo kardecista no Brasil, no ano de 1865. Luís Olímpio Teles de Menezes fundou nesse ano o centro espírita Grupo Familiar do Espiritismo[6]. De acordo com Patrocínio de Andrade, certos temas recorrentes na União do Vegetal poderiam ter sido colhidos do espiritismo kardecista. Antes de mais nada, a visão reencarnacionista, um dos eixos fundamentais da visão de mundo da UDV. Assim como o lema “Luz, Paz e Amor”, denominado o “símbolo da União”, poderia provir dos temas espíritas da “luz interior”, da “paz de espírito” e do “amor ao próximo” (ou caridade). A própria ênfase na “União” é freqüente entre os espíritas no Brasil.[7]

3. O capoeirista

Segundo declarações de familiares, o jovem José foi considerado pelos prosadores populares um dos melhores da região. Como cantador repentista teve sucesso inclusive em Alagoas e Sergipe. Também se destacou na capoeira, chegando a ser considerado um dos melhores do Nordeste. O livro de Ruth Landes, A cidade das mulheres, nos auxilia a traçar um panorama dos ares soteropolitanos da década de 30, que José tantas vezes respirou. A autora é levada por Edison Carneiro para assistir uma capoeira. Ela descreve detalhadamente a seqüência do jogo, e em certo momento, observa: “silenciados os ecos do desafio, terminada a rodada, os dois homens andavam e corriam sem descanso em sentido contrário aos ponteiros do relógio, um atrás do outro, o campeão à frente com os braços levantados”[8]. É interessante notar que no ritual da UDV a circulação das pessoas no salão se faz também no sentido anti-horário, pois “este é o sentido da força”. Na capoeira, José cultiva uma série de habilidades postas em prática posteriormente, em suas experiências de incorporação nos toques de caboclo como Sultão das Matas. Do mesmo modo, tais habilidades também foram exercitadas como Mestre da UDV.

Evocadora desse ambiente capoeirista é a cantiga de domínio público gravada por Nara Leão, às vezes tocada em sessões da UDV:

“Minino, quem foi teu mestre?

Meu mestre foi Salomão.

A ele devo dinheiro,

saber e obrigação.

O segredo de São Cosme

quem sabe é São Damião, olê

Água de beber, camarada

água de beber, olê

Água de beber, camarada

faca de cortar, olê

Faca de cortar, camarada,

Ferro de engomar, olê

Ferro de engomar, camarada

Perna de brigar, olê

Perna de brigar, camarada.

Minino, quem foi teu mestre?”[9]

Parece estar relacionada à capoeiragem a decisão do jovem José de viajar da Bahia para o Norte. De acordo com relato de seu filho Carmiro da Costa, em 1943 José envolve-se num conflito. Um amigo seu, de nome Mário, tem o pé pisado por um policial. José Gabriel “compra a briga do Mário”. Este foge e os policiais seguram José. Num golpe de destreza, ele consegue se desvencilhar dos policiais. Segue para um navio, para onde tinha ido se refugiar o amigo Mário. Os dois se alistam no “Exército da Borracha” e rumam para o Norte no navio Pará, da frota do Lloyd Brasileiro. Chegando a Manaus, embarcam no navio Rio Mar, com destino a Porto Velho, onde chegam no dia 13 de setembro de 1943. Os dois vão juntos para o trabalho na seringa e fazem um “pacto de amigo”, de só se separarem pela morte. No seringal, José Gabriel cumpre até o fim esse pacto, cuidando de Mário, que adoece com leishmaniose. Chega a carregar Mário nas costas por vários quilômetros. Quando o doente morre, seu amigo sozinho o enterra na floresta.[10] Tudo indica que Mário era companheiro de capoeira de José Gabriel. No mundo da capoeiragem na época, a ética dos grupos sublinhava a importância da solidariedade e fidelidade entre os camaradas. E eram freqüentes os conflitos entre os grupos, com a polícia ou com indivíduos de outros segmentos da sociedade. Em dissertação acerca da capoeira no Rio de Janeiro de 1890 a 1937, Antonio Pires afirma que “as relações de conflito e solidariedade na capoeiragem estiveram permanentemente relacionadas com os conflitos mais gerais da sociedade”[11]. Parece que já se esboça nesse tempo a preocupação de José Gabriel com a “justiça”. Sua participação na capoeiragem em Salvador não conflita com seu engajamento profissional, primeiramente como comerciário e depois como enfermeiro. Como observa Antonio Pires quanto à capoeira no Rio, “a maioria dos capoeiras comprovaram manter vínculos com o ‘mundo do trabalho’, descaracterizando o estereótipo de vadios construído em relação a eles.”[12]

4. O seringueiro do Exército da Borracha

Chegando no Território de Guaporé, atual Estado de Rondônia, José Gabriel se insere num ambiente com uma configuração ecológica e sócio-cultural bem distinta da Cidade de Salvador. O extrativismo da borracha, depois de seu período de boom, entre 1890 e 1912, havia em seguida atravessado uma fase de declínio, devido à concorrência no mercado internacional da borracha extraída na Ásia. Com a Segunda Guerra Mundial, apresentou-se a necessidade de borracha para os exércitos Aliados. Com a assinatura de acordos com os Estados Unidos, o Governo Vargas iniciou uma ampla campanha de recrutamento de trabalhadores, principalmente nordestinos, para a extração gomífera no Norte. Foi criado o SEMTA, Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, que, somente no ano de 1943, encaminhou 13 mil pessoas, segundo dados oficiais[13].

No mesmo ano de 1943, José Gabriel integra essa massa de trabalhadores nordestinos que se lançam como “brabos” nos seringais amazônicos. “Brabo é gente que nunca cortou seringa, nunca andou na floresta. Sofremos muito, como brabo” - declara Pequenina, esposa de José Gabriel[14]. O sofrimento daqueles homens, submetidos a condições de vida e trabalho extremamente penosas, em um ambiente desconhecido, sem o auxílio governamental prometido pela propaganda oficial, ficou bem marcado na memória dos sobreviventes da “batalha da borracha”. A antropóloga Lúcia Arrais, que está elaborando sua tese de doutorado a respeito dos soldados da borracha, recolheu o seguinte depoimento, de um Sr. Chico, ex-soldado da borracha, que bem se assemelha ao da esposa de José Gabriel: “.... a casa dele era bem pequenininha num tinha onde a gente dormir. Dormimo no teto mermo. Carapanã! Carapanã, Lúcia! e agora, a comida? Tudo brabo, tudo... a gente já tinha deixado a Companhia [SEMTA] já... Aí fiquemo aí sofrendo.. fiquemo jogado que nem cachorro na beira do rio... [Qual?] era o Solimões acima de Tefé. Aí eu disse: ‘ombora pessoal! vamo meu povo!, bora cuidar!, bora se virar’.”[15] Arrais observa que aqueles que conseguiram sobreviver a condições tão adversas foram homens de significativa inteligência e iniciativa, que conseguiram adaptar seus esquemas de percepção e recursos cognitivos à nova realidade em que se encontravam: “Numa atitude de quem vive em estado de autodefesa permanente, o Sr. Chico diz: ‘ombora pessoal! bora se virar!’. E então escolhem uma linha de ação onde predomina a iniciativa e a coragem. Onde prevalece a concentração dos recursos da percepção, da memória e da atenção para dirigir esforços na descoberta de meios capazes de resolver a questão.”[16] José Gabriel foi um desses homens de aguda inteligência e destreza, que não somente conseguiu sobreviver como chegou a ser considerado pelos seus companheiros como o “Tuxáua”, o seringueiro que coletava maior quantidade de seringa na região. Tais êxitos eram acompanhados de dureza e sofrimento, como quando José Gabriel pisou em uma arraia, e teve de passar “um ano e dez meses sem poder andar, de muleta”.[17]

5. O ogã do terreiro de Chica Macaxeira

Depois de trabalhar um tempo no seringal, José Gabriel muda-se para Porto Velho, onde fica trabalhando como servidor público, enfermeiro no Hospital São José. Conhece, em 1946, Raimunda Ferreira, chamada Pequenina, com quem se casa no ano seguinte. Em Porto Velho, “Seu” Gabriel atendia pessoas em sua casa, pois jogava búzios. Mais tarde, se torna Ogã e Pai do Terreiro de São Benedito, de Mãe Chica Macaxeira[18]. Esse terreiro foi citado por Nunes Pereira[19], que o visitou, possivelmente em meados da década de 60 ou no início dos anos 70. O pesquisador maranhense reconhece o terreiro de Porto Velho como sendo da tradição mina-jeje, oriundo da Casa das Minas. “Os toques, inegavelmente, tinham a rítmica que me era familiar não só da Casa das Minas, de São Luís do Maranhão, como do Bogum de Mãe Valentina, em Salvador, Estado da Bahia.”[20]

É surpreendente descobrir que Nunes Pereira encontrou no Terreiro de Chica Macaxeira uma “inovação no ritual mina-jeje, o uso da ayahuasca. E isso, sem dúvida, para estimular , paralelamente, com os cânticos rituais e com a voz sagrada dos tambores, ogãs e gôs, o estado de transe, a possessão que ligam os Voduns do panteão daomeano ou do ioruba às gonjais e noviches que o cultuam”[21]. Ora, no tempo em que José Gabriel lá trabalhava como Ogã, não havia utilização da ayahuasca no culto, tanto que ele somente viria a conhecer a bebida anos depois, no seringal. Assim, é legítimo deduzir que a Mãe-de-Terreiro Chica Macaxeira conheceu a ayahuasca através de seu antigo Ogã e Pai-de-Terreiro José Gabriel. Quando Nunes Pereira visitou o terreiro, o conjunto dos cânticos era lá denominado Doutrina da Ayahuasca. “Nomes de santos católicos, nalguns desses cânticos, se misturaram com os dos Voduns mina-jejes, tais como Xangô, Badé, Avêrêquête, e os ditos Barão de Goré, Sultão das Matas, Marangalá, Jatêpequare, Tindarerê, etc.”[22] É significativo que nos anos 60 ou 70 haja a presença do Sultão das Matas na lista das entidades do terreiro, já que, como se verá adiante, José Gabriel “recebia” esse caboclo quando trabalhava num terreiro que armou no seringal, nos anos 50.

6. O Sultão das Matas e os xamãs da fronteira boliviana

Até 1950, José Gabriel morava com Pequenina em Porto Velho. O casal já tivera dois filhos: Getúlio e Jair. Além de trabalhar como enfermeiro, ele tinha também uma taberna de bebidas. E gostava de política. Diante dos dois partidos que disputavam o governo do Território de Guaporé, o de Rondon e o de Aluísio, José Gabriel era pró-Rondon. No entanto, seu candidato perdeu, e ele foi perseguido em seu emprego público no hospital. Tendo de se afastar de seu trabalho, José resolve voltar para o seringal. E sua mulher discorda: “Eu disse: ‘Não, o que é isso? Eu não nasci no seringal, em mato. Não quero criar meus filhos sem saber ler e escrever.’ Ele disse: ‘É porque eu vou atrás de um tesouro.’ Mas eu era uma pessoa de cabeça cheia de muitas coisas e achei que era riqueza material que ele ia achar, e nós ia enricar, ter uma vida de rosa. Então, quando ele disse que ia, eu disse: ‘Então, vamos.’ Então eu digo que esse tesouro que ele encontrou junto comigo e os dois filhos, pra mim, é um tesouro tão maravilhoso que dinheiro nenhum não paga essa felicidade. (...) Então, esse tesouro, que é a União do Vegetal, tem me amparado.”[23] Nestas palavras de Mestre Pequenina e provavelmente também na afirmação de José Gabriel, poder-se-ia detectar a presença dos motivos edênicos que povoaram o imaginário das populações que se defrontaram com a floresta amazônica. Nos sonhos e anseios dos nordestinos pobres que se lançam na aventura da borracha ecoam ainda as buscas das “estranhas coisas deste Brasil”: do Eldorado, da Lagoa do Vupabuçu, ou da serra anunciada por Filipe Guillén, “que ‘resplandece muito’ e que, por esse seu resplendor era chamada ‘sol da terra’ ”[24]. Posteriormente, o sonho do tesouro a ser encontrado na selva é resignificado, passando a expressar a União do Vegetal, que nasce da floresta, de um líquido também dourado, denominado por vezes de “chá misterioso”[25].

No seringal Orion, José Gabriel abriu o terreiro no qual “recebia” o caboclo Sultão das Matas. Como recorda Mestre Pequenina, “vinha gente de tudo quanto era seringal”[26] consultar o Sultão das Matas. E ele curava as pessoas, assim como indicava o lugar certo onde se encontrava caça. Adaptando-se a um novo contexto sócio-ecológico-cultural, José Gabriel dirige um rito sincrético afro-indígena, no qual o valor simbólico da floresta, que perpassa toda a vida dos seringueiros, fica evidente. Tal rito, designado pelo filho de José Gabriel simplesmente como “macumba”[27], parece assemelhar-se à pajelança cabocla amazônica[28], uma forma de xamanismo não-indígena na qual tem importância fundamental a noção de incorporação do curador por entidades espirituais que agem através dele para a cura dos doentes. No entanto, certamente permaneciam marcantes nos toques do Seringal Orion os elementos religiosos afros vivenciados anteriormente por José Gabriel, seja na Bahia, seja em sua participação no Terreiro de São Benedito de Porto Velho.

Mais tarde, quando já estão em outro seringal, Pequenina fica sabendo de um chá: “o pessoal vê isso, vê aquilo, o cara falou até com o filho depois de morto”[29]. Ela fala a José Gabriel e ele vai pedir o chá ayahuasca a quem o distribuía no lugar. Mas o homem disse que “não dava o Vegetal praquele baiano que sabe aonde as andorinhas dormem”[30]. Tempos depois, no seringal Guarapari, numa colocação chamada Capinzal, na região da fronteira boliviana, José Gabriel recebe pela primeira vez o chá de um seringueiro chamado Chico Lourenço, no dia 1° de abril de 1959. Chico Lourenço representa uma tradição indígena-mestiça de uso xamânico da ayahuasca que se espalha por uma ampla região da Amazônia ocidental. Tal tradição é designada posteriormente pela UDV como a dos “Mestres da Curiosidade”. Aí se inicia nova etapa na trajetória de José Gabriel.[31]

7. O Mestre e Autor da União do Vegetal

José Gabriel bebe apenas três vezes o chá com Chico Lourenço. Logo depois, viaja por um mês para levar um filho doente a Vila Plácido, no Acre, e quando retorna traz um balde com o cipó mariri e a folhas de chacrona que colheu no caminho. Diz à mulher: “Sou Mestre, Pequenina, e vou preparar o mariri”[32]. Segundo seu filho Jair, “nesse período o Mestre Gabriel não deixou a macumba não. Ele fazia uma Sessão de Vegetal e uma de umbanda.”[33]

Somente em 1961 ele reuniu as pessoas e disse: “Eu quero falar pra vocês que tudo que o Sultão das Matas fez eu sei: Sultão das Matas sou eu.”[34] Este é um dos momentos mais importantes de ruptura de José Gabriel com a tradição religiosa à qual estava ligado anteriormente. Ao postular para si mesmo o poder antes atribuído à entidade Sultão das Matas, o agora Mestre Gabriel nega a incorporação dos cultos de caboclo e configura o transe que será típico da União do Vegetal: a burracheira. A burracheira, que segundo Mestre Gabriel significa “força estranha”, é a presença da força e da luz do Vegetal na consciência daquele que bebeu o chá. Assim, trata-se de um transe diverso, no qual não há perda da consciência, mas sim iluminação e percepção de uma força desconhecida. Há uma potencialização dos sentimentos, das percepções e da consciência do indivíduo.

Em seguida, Mestre Gabriel e sua família se mudam para o seringal Sunta. No dia 22 de julho de 1961, ele reúne as pessoas para um preparo de Vegetal. Nesse dia, o Mestre Gabriel declara criada a União do Vegetal. Ou melhor, afirma que a UDV foi recriada, já que ela teria existido no passado, quando ele mesmo teria vivido em outra encarnação. No dia 6 de janeiro do ano seguinte, Mestre Gabriel se reúne com doze Mestres da Curiosidade no Acre, em Vila Plácido. Numa sessão, eles reconhecem Gabriel como o Mestre Superior. Finalmente, no dia 1° de novembro de 1964 é realizada uma sessão na qual o Mestre Gabriel afirma que fez a Confirmação da União do Vegetal no Astral Superior. Logo depois, em 1965, ele se muda para Porto Velho, para lá consolidar a nascente instituição. Apenas seis anos depois, se deu o falecimento de José Gabriel da Costa, no dia 24 de setembro de 1971.

8. Conclusão

Descrevendo-se em largos traços a vida de José Gabriel da Costa, fica patente a sua participação numa larga seqüência de configurações culturais muito próprias da sociedade brasileira: o catolicismo popular rural do interior da Bahia, a capoeiragem e os cultos afro-brasileiros de Salvador, a vida sofrida de seringueiro na Amazônia, a experiência de incorporação dos cultos de caboclo, o transe xamânico do hoasqueiro, e, finalmente, a atuação carismática do fundador de um novo movimento religioso.

A maleabilidade, a destreza, a vivacidade e a ginga da capoeira contribuíram para que José Gabriel viesse a elaborar uma inovadora síntese de diversos elementos culturais e religiosos, num culto profundamente adaptado à realidade sócio-cultural amazônica. E não apenas adaptado a esta, mas com virtualidades para se expandir por todo o Brasil, exatamente por ser constituído por uma criação vigorosa que se apropriou de configurações provenientes de diversas regiões brasileiras.

O que ensina Gilberto Freyre pode inspirar a conclusão deste texto: “Verificou-se entre nós uma profunda confraternização de valores e de sentimentos. Predominantemente coletivistas, os vindos das senzalas; puxando para o individualismo e para o privatismo, os das casas-grandes. Confraternização que dificilmente se teria realizado se outro tipo de cristianismo tivesse dominado a formação social do Brasil; um tipo mais clerical, mais ascético, mais ortodoxo; calvinista ou rigidamente católico; diverso da religião doce, doméstica, de relações quase de família entre os santos e os homens, que das capelas patriarcais das casas-grandes, das igrejas sempre em festas - batizados, casamentos, ‘festas de bandeira’ de santos, crismas, novenas - presidiu o desenvolvimento social brasileiro.”[35] José Gabriel da Costa, nascido nessa sociedade propensa a hibridismos, plena de plasticidade e inclusividade, elabora uma nova religião que também é “doce”, na medida em que privilegia o sentir e propicia ao indivíduo espaço para que ele próprio construa suas reinvenções criativas.

* * *

Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus (CES), em Belo Horizonte, Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade de São Paulo e Bacharel em Teologia pelo CES, o autor atualmente faz o Mestrado do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde 1992 vem estudando a União do Vegetal, e o tema de sua dissertação será a respeito dos discípulos urbanos da UDV.

BIBLIOGRAFIA

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JORNAIS

1. ALTO-FALANTE. Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília.

a) Mar / Jul 92 - CONFEN libera chá por unanimidade.

b) Dez 92 / Jan 93 - No relato dos pioneiros, o perfil do Mestre.

c) Jan / Jul 93 - pp. 10-13 - Entrevista com M. Nonato.

d) Ago 93 / Fev 94 - pp. 8-10 - Entrevista com M. Cícero.

e) Mar / Abr 94 - pp. 6-9 - Entrevista com M. Sidon.

f) Mai / Jun / Jul 94 - pp. 8-11 - Entrevista com M. Pernambuco.

g) Ago / Set / Out 94 - pp. 6-9 - Entrevista com M. Roberto Souto.

h) Nov / Dez 94 / Jan 95 - pp. 6-9 - Entrevista com M. Manoel Nogueira.

i) Abr / Jun 95 - pp. 8-11 - Entrevista com Cons. Paixão.

j) Ago / Set / Out 95 - pp. 6-9 - Entrevista com M. Pequenina e M. Jair.

l) Nov / Dez 95 / Jan 96 - pp. 4-5 - Entrevista com M. Monteiro.

m) Fev / Set 96 - pp. 8-11 - Entrevista com M. Florêncio.

2. CORREIO BRAZILIENSE. Brasília.

a) 10 de julho de 1996. Caderno Cidades, p. 4 - Chá Hoasca é inofensivo à saúde.

3. O Alto Madeira. Porto Velho.

a) 6 de outubro de 1967. Artigo: Convicção do Mestre.

[1] Este texto integrará a minha dissertação de mestrado no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional - UFRJ, a respeito dos Discípulos da União do Vegetal na realidade urbana brasileira.

[2] Depoimento de Antônio da Costa, irmão de José Gabriel da Costa, ao autor, em 4 de novembro de 1995.

[3] DEPARTAMENTO DE ESTUDOS MÉDICOS DA UDV. Texto do Programa Oficial do II Congresso em Saúde. Hoasca e desenvolvimento integral do ser humano. Campinas, 1993. p. 1. O texto continua: “José Gabriel da Costa - Mestre Gabriel - era esse menino. Fundou a União do Vegetal para continuar unindo as pessoas.”

[4] Depoimento de Antônio da Costa. Idem.

[5] ANDRADE, Afrânio Patrocínio de. O fenômeno do chá e a religiosidade cabocla. Um estudo centrado na União do Vegetal. Dissertação de Mestrado na Pós-Graduação em Ciências da Religião do Instituto Metodista de Ensino Superior. São Bernardo do Campo, 1995. p. 170.

[6] GIUMBELI, Emerson Alessandro. O cuidado dos mortos: os discursos e intervenções sobre o “Espiritismo” e a trajetória da “Federação Espírita Brasileira” (1890-1950). Dissertação do PPGAS - UFRJ, 1995. p. 29. Ver tb. KLOPENBURG, Boaventura. O espiritismo no Brasil. Petrópolis, 1960. p. 25.

[7] ANDRADE, Afrânio Patrocínio de. Idem.

[8] LANDES, Ruth. A cidade das mulheres. Rio de Janeiro, 1967. p. 117. O grifo é nosso.

[9] Cf. outra cantiga semelhante, recolhida por Edison Carneiro:

“Minino, quem foi teu mestre?

quem te ensinô a jogá?

- Sô discip’o que aprendo

Meu mestre foi Mangangá

Na roda que ele esteve,

outro mestre lá não há.”

In: Folguedos tradicionais. Rio de Janeiro, 1974. p. 138.

[10] Depoimento de Carmiro da Costa, filho de José Gabriel da Costa, ao autor, em 4 de novembro de 1995.

[11] PIRES, Antonio Liberac Cardoso Simões. A capoeira no jogo das cores: criminalidade, cultura e racismo na Cidade do Rio de Janeiro (1890-1937). Dissertação de mestrado em História - UNICAMP . Campinas, 1996. p. 143.

[12] Idem, p. 201.

[13] Em 13 de agosto de 1946, Paulo de Assis Ribeiro, Chefe do SEMTA, declarou à CPI acerca dos soldados da borracha ser esse o número de pessoas encaminhadas à Amazônia. Depoimento publicado no Diário Oficial de 24 agosto de 1946. Dado informado pela antropóloga Lúcia Arrais.

[14] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. In: ALTO FALANTE, Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília, agosto-outubro 1995, p. 6.

[15] In: ARRAIS, Lúcia. No capítulo Dados ignorados da tese de doutorado em elaboração a respeito dos soldados da borracha para o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, da UFRJ. Agradeço à autora por me possibilitar o acesso a esse texto, ainda inédito.

[16] ARRAIS, Lúcia. Idem.

[17] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. Idem, p. 6.

[18] Entrevista do Conselheiro Paixão. In: ALTO FALANTE, Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília, abril-junho 1995, pp. 8-9.

[19] PEREIRA, Nunes. A casa das minas. Contribuição ao estudo das sobrevivências do culto dos voduns do panteão daomeano, no estado do Maranhão, Brasil. Petrópolis, 1979, 2a. ed. pp. 121-143. 223-225.

[20] Idem, p. 223.

[21] Idem, p. 142.

[22] Idem, p. 143. O grifo é nosso.

[23] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. In: ALTO FALANTE, Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília, agosto-outubro 1995, p. 7.

[24] HOLANDA, Sergio Buarque de. Visão do paraíso. São Paulo, 1994. pp. 36-37.

[25] Artigo: Convicção do Mestre. In: O Alto Madeira. Jornal. Porto Velho, 7 de outubro de 1967.

[26] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. In: ALTO FALANTE, Jornal do Departamento de Memória e Documentação da UDV. Brasília, agosto-outubro 1995, p. 7.

[27] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. Idem, p. 9.

[28] Cf. MAUÉS, Raymundo Heraldo. Padres, Pajés, Santos e Festas: Catolicismo popular e controle eclesiástico. Belém: CEJUP.

[29] Entrevista de Mestre Pequenina e Mestre Jair. Idem. p. 7.

[30] Ibidem. p. 7.

[31] Haveria muito a observar acerca da tradição “vegetalista” amazônica, o que transbordaria o âmbito desta breve exposição da trajetória de José Gabriel da Costa. Prefiro remeter aos textos de Luis Eduardo Luna e Edward MacRae citados na bibliografia.

[32] Ibidem. p. 8.

[33] Ibidem. p. 9.

[34] Ibidem. p. 9.

[35] FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala. Rio de Janeiro, 1992, 31a. ed. p. 355.