quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A história do Haiti é a história do racismo na civilização ocidental

Por Eduardo Galeano, em Resumen Latinoamericano, via Resistir.info

A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto
Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.

Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
– Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Porto Príncipe, qual é o problema: – Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.

E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.

Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.

Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do Citybank e abolir o artigo constitucional que proibia vender as plantations aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".

O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".

Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.

A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.

O delito da dignidade
Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.

Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.

A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

Eduardo Galeano é escritor


Fonte: Revista "Caros Amigos" de 20.01.2010

"Vanguarda do atraso"

20/01/2010

Cynara Menezes


"O moderno aqui ficou só nos edifícios", constata tristemente o geógrafo gaúcho Aldo Paviani, pousando o olhar sobre Brasília, aonde chegou em 1969. Prestes a completar 50 anos, a capital criada por Juscelino Kubitschek, Lucio Costa e Oscar Niemeyer transformou-se numa melancólica contradição de si própria. O arrojo de sua arquitetura contrasta com uma prática política digna dos grotões mais atrasados do País: roubalheira, enriquecimento ilícito, domínio da mídia e do Legislativo, violência policial subjugando a população, voto de cabresto.

Como é que a moderna Brasília, nascida para tirar o Brasil do arcaísmo, projetada para incluir o País no Primeiro Mundo, se tornou terra de coronéis? No discurso de inauguração da capital, em abril de 1960, JK vislumbrava um destino civilizador para a recém-nascida “capital da esperança”, como a definiu o escritor francês André Malraux. Brasília, disse Juscelino, seria um “índice do alto grau de nossa civilização”. Nem podia imaginar que, cinquentona, sua criação seria, ao contrário, lançada à barbárie e às bestas-feras da política mais rastaquera.

As imagens de vídeo em que o governador José Roberto Arruda e auxiliares diretos recebem dinheiro e os acontecimentos subsequentes evidenciam que ingredientes típicos do velho coronelismo são utilizados pelos detentores do poder na capital. Na semana que passou, requintes de desfaçatez. Arruda conseguiu colocar aliados no domínio das comissões que vão investigá-lo. Como se não bastasse, o deputado distrital que apareceu para todo o Brasil colocando notas de dinheiro na meia, Leonardo Prudente, voltou a presidir a Câmara Legislativa para ajudar a salvar a pele do chefe.

No fim de 2009, policiais a cavalo apareceram nas telas de tevê pisoteando -manifestantes. “É a polícia mais bem paga do Brasil e uma verdadeira guarda pretoriana do governador”, diz o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília (UnB). Nos últimos dias, os soldados voltaram a reprimir as manifestações contra o governador, agarrando estudantes pelo pescoço em cenas dignas do auge do domínio de Antonio Carlos Magalhães sobre a Bahia. Não à toa, o finado coronel ACM e Arruda foram comparsas no episódio da violação do painel eletrônico do Senado, em 2001, que motivaria a renúncia e as lágrimas de crocodilo do atual governador do Distrito Federal.

Diante das denúncias reveladas pela imprensa nacional, causaram espécie as manchetes anódinas do Correio Braziliense, principal jornal da capital, que evitou até o último momento citar o nome do governador na primeira página. Na terça-feira 12, após a dominação por Arruda das comissões de investigação, o Correio titulava simplesmente: “Distritais instalam CPI”. A ligação umbilical do diário com o governador foi explicitada por CartaCapital em julho, na reportagem que revelou o contrato no valor de 2,9 milhões de reais entre o GDF e o Correio para a distribuição de exemplares do jornal nas escolas públicas.

O que se pratica hoje em Brasília é um coronelismo de asfalto”, define Paulo Kramer, para quem a razão do atraso político da capital está em seu próprio status de cidade-Estado. “Como ela vive basicamente da administração pública, reproduz uma estrutura onde o Estado é forte e a sociedade é fraca”, argumenta. “É de certa forma similar ao que aconteceu nos países do Leste Europeu na época da União Soviética.

Arruda é aprendiz de coronel, mas o grande mandachuva do Cerrado é outro. Deve-se a seu antecessor no cargo, Joaquim Roriz, a instalação e proliferação em Brasília da forma retrógrada de fazer política que tomou conta do DF. Eleito em 2006 com a promessa de fazer o oposto de Roriz, Arruda não só recaiu nas mesmas práticas como as aprimorou. “Pelo que se viu nas investigações, ele aperfeiçoou o modus operandi de Roriz”, afirma o cientista político David Fleischer, também da UnB.

Segundo Fleischer, a deterioração da política do DF pode ser explicada principalmente pelo baixo nível do eleitorado, com dois terços oriundos de outros Estados, baixa renda e baixa escolaridade. Presenteados com lotes por Roriz em quatro mandatos como governador, tornaram-se presa fácil de suas promessas, numa espécie de voto de cabresto onde a terra pública é o objeto de barganha. “No Nordeste, dão chinelos, dentaduras. Aqui deram terras”, compara o geógrafo Aldo Paviani.

De fato, desde que se tornou governador biônico, em 1988, e eleito outras três vezes, em 1990, 1998 e 2002, o goiano Joa-quim Roriz pautou suas administrações pela farta distribuição de lotes. Ele mesmo se orgulha de ser o responsável pela “construção” de sete novas cidades-satélites – na realidade, não houve planejamento urbano algum, apenas ocupação do espaço.

O mineiro José Aparecido, que o antecedeu como governador nomeado, havia feito o oposto, ao realizar a desastrada campanha Retorno com Dignidade, em 1987, que consistia basicamente em dar um banho no migrante ainda na rodoviária, cortar os cabelos e embarcá-lo de volta ao estado de origem. Roriz não só deu terra pública como atraiu mais migração ao defender uma política de “cada cidadão, um lote”, causando o inchaço da capital, atualmente com cerca de 2 milhões de habitantes.

No plano original de Lucio Costa, Brasília teria 600 mil habitantes no ano 2000, quando então começariam a surgir as cidades-satélites. Fora do papel, a primeira delas, Taguatinga, teve de ser criada para abrigar operários em 1958, antes mesmo de a capital ser inaugurada. Hoje, são 16 cidades ao redor do plano piloto, a maioria não planejada e por isso mesmo cheia de problemas. A ponto de Oscar Niemeyer dizer em entrevista recente que, ao se chegar às satélites saindo da cidade cheia de jardins que criou, “é uma merda”.

A estratégia de dominação de Roriz deu resultados. O número de eleitores na capital simplesmente dobrou nos últimos 20 anos. Eram cerca de 900 mil em 1990, quando ele se elegeu governador pela primeira vez. Em 2009, havia 1,7 milhão de eleitores. Índice bem superior à média nacional, em que o eleitorado aumentou 55,6% em idêntico período. Um exemplo do inchaço é a cidade-satélite de Samambaia, criada em 1989 e que possui agora mais de 200 mil habitantes e índices de violência igualmente crescentes.

Brasília foi construída literalmente sobre o nada, sobre o vazio demográfico e social”, analisa o historiador José Murilo de Carvalho, da UFRJ. “É uma cidade ainda sem povo político ou com povo político reduzido. É formada, no andar de cima, por funcionários públicos, dependentes dos governos federal e distrital, e, no andar de baixo, pelos herdeiros dos candangos que a construíram. Residentes em cidades-satélites, em precárias condições de emprego, são alvo fácil de políticas populistas.

Roriz que o diga. Envolvido em denúncias de corrupção em 2007, renunciou ao mandato de senador para evitar o processo de cassação, mas, ante as acusações contra Arruda, já aparece como franco favorito à sucessão. Na última pesquisa do Datafolha, divulgada em dezembro, tinha entre 44% e 48% dos votos, com possibilidade de eleição no primeiro turno. Único governador a não ter sido envolvido na bandalheira reinante, o atual senador Cristovam Buarque, não acredita, porém, que o baixo nível dos políticos na capital se deva apenas aos beneficiados por lotes.

Não são só pobres querendo lotes que elegem essa gente. São ricos querendo viadutos, também”, diz Buarque. Derrotado por Roriz em sua campanha à reeleição, em 1998, Cristovam chegou à conclusão de que água e esgoto não dão votos. Ele lembra que, com sua gestão voltada ao saneamento, à educação e à saúde, foi muitas vezes cobrado: “Cadê suas obras?

O senador, que diz não pretender se candidatar a governador novamente, conta a história ouvida de uma amiga ao perguntar a um rapaz que fazia campanha a favor de Roriz por que iria votar nele. “Porque Cristovam fez muito por onde moro, mas a mim mesmo não deu nada.” No DF, afirma o ex-governador, “infelizmente não há cidadania coletiva, é cada um querendo o benefício próprio. A população do plano piloto quer obras, as empresas de construção querem obras. E, como se vê, estão dispostas a pagar por fora se for preciso”.

Em Brasília existe uma relação muito íntima, viciada, entre o poder público e a iniciativa privada”, confirma o cientista político David Fleischer. Para ter um exemplo, foi divulgado agora que a mesma Via Engenharia responsável pela obra – superfaturada, diga-se – da nova sede da Câmara Legislativa do DF, teria doado 300 mil para a campanha de Arruda a governador. A sede, orçada em 23,6 milhões de reais, será inaugurada em fevereiro a um custo final de 100 milhões.

A Câmara Distrital é um caso à parte na Sucupira que se tornou a Brasília de Juscelino. Trata-se do Legislativo mais caro do País. Os deputados distritais recebem uma verba de gabinete maior do que a dos deputados federais, para fazer não se sabe bem o quê. “Não há político de Brasília que tenha contribuído com uma ideia, nada. É a política mais chã, mais primária, a que se pratica aqui”, opina o professor aposentado de Ciência Política da UnB Octaciano Nogueira.

Alguém pode argumentar que tampouco as demais câmaras e assembleias legislativas País afora funcionam a contento, e que são todas dominadas pelo Executivo, mas a de Brasília consegue se superar. Pelo menos nove dos 24 distritais tiveram os nomes e imagens envolvidos nas denúncias do mensalão do DEM. Dois deles, Benício Tavares e Júnior Brunelli, por incrível que pareça, já carregavam nas costas acusações de pedofilia e de ter ameaçado um colega de morte, respectivamente.

Até 1990, não havia eleição para governador e deputados distritais em Brasília, somente, a partir de 1986, para senadores e deputados federais. O administrador de Brasília era indicado pelo presidente da República, e as questões da cidade, decididas por uma comissão do Senado. Foi durante a Constituinte de 1988 que os brasilienses conseguiram a autonomia política para a capital.

O relator do projeto, o ex-deputado Sigmaringa Seixas, recorda que foi preciso vencer a enorme resistência dos parlamentares de outros estados, que comparavam a criação de uma Câmara Distrital com a histórica Gaiola de Ouro, como foi apelidada a Câmara de Vereadores do Rio quando era Distrito Federal.

Lembro que, nas reuniões finais, alguém virou-se para mim e disse: ‘Vamos aprovar este texto, mas um dia você terá um profundo arrependimento disso’”, conta Sigmaringa, garantindo não ter se arrependido. “Não tem sentido um governante sem ser eleito e é razoável a necessidade de uma Câmara Legislativa. O que ninguém imaginava é que houvesse tantos problemas.” Após as denúncias contra Arruda, não foram poucos os que levantaram a voz para defender que era melhor antes de haver eleições.

Todos os intelectuais ouvidos para esta reportagem disseram ter dúvidas sobre a eficiência do modelo adotado por Brasília, com governador e Câmara Legislativa. Os moradores de Washington, nos EUA, por exemplo, elegem o prefeito, mas há apenas conselheiros municipais, não deputados ou vereadores. Além do mais, embora autônoma, a capital obteve a es-drúxula vantagem de continuar recebendo repasses da União, cerca de 8 bilhões por ano. Ou seja, administrar a capital seria moleza se os políticos locais não se dedicassem a atividades menos nobres.

Curiosamente, quatro anos antes da promulgação da Carta que daria autonomia a Brasília, o pernambucano Fernando Lyra cunharia a expressão “vanguarda do atraso” para definir José Sarney quando este, oriundo da velha Arena, foi indicado a vice de Tancredo Neves. Tornado presidente, seria ninguém menos que Sarney o inventor de Joaquim Roriz, a quem foi buscar nos rincões de Goiás para nomeá-lo governador da capital.

Sigmaringa Seixas lembra, a culpa pela vinda de Roriz deve recair também sobre os parlamentares locais. “Imaturos”, recorda, os senadores e deputados da capital rejeitaram o primeiro nome indicado por Sarney, o do ex-senador Alexandre Costa, que exigia uma emenda constitucional para que pudesse voltar ao Senado depois que a primeira eleição direta se realizasse. Se fosse Costa, ficaria só dois anos. Roriz instalou-se no Distrito Federal para não mais sair. Por ironia do destino, desde então o epíteto “vanguarda do atraso” passou a caber em Brasília como uma luva.


Fonte: Revista "Carta Capital Nenhum comentário:

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"E Agora, José?" (charge de 1970 do Jaguar sobre o poema de Carlos Drummond de Andrade)



“Esta ilustração que fiz para os versos do Carlos Drummond de Andrade quase provocou a prisão do poeta. Tive um trabalho danado para convencer o general de Censura que publiquei o desenho sem pedir autorização do poeta.” (Jaguar)


Fonte: Livro "O Pasquim: Antologia 1969 - 1971" de 2006

A arte de investir em arte

Mercado de US$ 65 bilhões parece atraente, mas é preciso ficar atento com a pouca transparência e a não regulamentação.


Por Georgina Adam, do Financial Times
15/01/2010


AP

O quadro mais caro de Rembrandt foi vendido por US$ 29,5 milhões em leilão realizado na Christie's de Londres, no mês passado

O boom das artes ocorrido entre 2004 e 2007 proporcionou um crescimento tão incrível, especialmente da arte contemporânea, que não surpreende o fato de a arte estar sendo cada vez mais "commoditizada", agrupada em fundos e apresentada como uma classe de ativos alternativa. Mas enquanto a maioria das pessoas consegue reconhecer rapidamente um Picasso ou um Andy Warhol, elas têm um conhecimento muito menor das questões complexas inerentes ao comércio de algo que quase sempre é heterogêneo, num mercado pouco transparente e não regulamentado.

A editora do recém-lançado "Fine Art and High Finance", Clare Mcandrew, tem PhD em economia pelo Trinity College Dublin e comanda uma consultoria voltada para a economia das artes. Seu livro "The Art Economy", publicado em 2007, foi um guia do investidor para o mercado das artes. Este livro atualiza e amplia os tópicos abordados naquele volume. Após uma breve passagem pela história do mercado de arte moderna, a autora afirma que uma das características econômicas mais importantes do mercado é que ele é essencialmente conduzido pela oferta. "O aumento da demanda não consegue necessariamente aumentar a oferta, elevendo os preços em vez disso."

O mercado de arte, no entanto, é também difícil de ser quantificado e até mesmo seu tamanho, conforme observam vários colaboradores do livro, é apenas uma estimativa: US$ 65 bilhões em 2008, segundo Clare McAndrew. Além disso, como avaliar o preço de uma pintura quando quatro retratos que Picasso fez de Dora Maas, todos da década de 1940 e tamanhos comparáveis, podem ser vendidos por entre US$ 4,5 milhões e US$ 85 milhões num período de três anos?

Há muitas tentativas de estabelecer índices para as artes, nenhum deles completamente bem-sucedido. Conforme observa Roman Kräussl, da VU University de Amsterdã: "Todos os índices de preços para o mercado de arte são tendenciosos por causa dos problemas inerentes às informações disponíveis". Os únicos preços disponíveis são aqueles formados nos leilões, o que elimina cerca de 50% das transações, aquelas feitas pelos negociantes de arte. Depois de condensar publicações que vão de 1974 a 2008, Roman Kräussl conclui que "os estudos sobre os retornos proporcionados pelos investimentos em arte produziram resultados muito ambíguos".

Diante disso, pode parecer surpreendente que tantos fundos de arte tenham sido iniciados. Os lucros enormes que podiam ser conseguidos até o ano passado eram um estímulo óbvio - particularmente em fundos da Índia, que, segundo o especialista em administração de fortunas Randall Willett, representaram a maioria dos mais de 50 fundos que estiverem "ativos" no ano passado. Willett descreve os vários modelos de fundos, enquanto Clare McAndrew contribui com um estudo de caso do único fundo de hedge de arte, baseado no Reino Unido.

Há algumas inconsistências na cobertura: por exemplo, a taxação no Reino Unido e nos Estados Unidos é detalhada, mas o capítulo sobre o comércio ilegal de arte cobre apenas os Estados Unidos, deixando de fora o segundo maior centro de comércio de arte do mundo. Os litígios relacionados à arte estão crescendo e as legislações do Reino Unido e dos Estados Unidos diferem em uma série de aspectos que afetam o mercado de arte.

O que o livro não consegue fazer (e nem tenta) é prever como o mercado de arte vai evoluir, uma vez que ele ainda está em meio a um processo de reajuste depois da crise financeira recente. Essa crise teve um grande impacto, particularmente na área que registrou os maiores ganhos: a arte contemporânea. Alguns artistas estão vendo seu valor cair até 50%.

A decisão de "investir" em arte é complexa, mas este livro proporciona muitas informações para aqueles que pensam em aplicar seu dinheiro em Monet.

"Fine Art and High Finance: Expert Advice on the Economics of Ownership". Editado por Clare McAndrew.

Bloomberg Press, US$ 39,95, 336 páginas


Fonte: Jornal "Valor Econômico" de 15.01.2010

"Tentação de Santo Antônio" de Hieronymus Bosch - 1505/1506



Esse artista extraordinário se destaca entre os magníficos pintores da tradição flamenga por seu estilo único, inteiramente livre e por um simbolismo vivo, curiosíssimo, inconfundível e sem paralelo até nossos dias. Maravilhando e aterrorizando, Bosch expressou um forte pessimismo e as ansiedades de seu tempo, marcado por muitas revoltas políticas e distúrbios sociais.

Sua vida, tão enigmática quanto algumas de suas obras, foi marcada por um fato raro até o século 20: a fama em vida. Sua obra, quase toda marcada por seres fantásticos e eivadas de cenas demoníacas, é pequena mas continua recebendo a mesma atenção desde que foi criada. Hieronimus Bosch não sai de moda.

Para compreendermos melhor a importância e a personalidade de Bosch, devemos nos lembrar que ele viveu entre 1450 e 1516; Leonardo da Vinci entre 1452 e 1519 e Michelangelo entre 1475 e 1564. O que isso quer dizer? Que os três gênios estavam em atividade na mesma época. O trabalho de Bosch não tem a mais mínima relação com a obra dos dois italianos e não há nenhuma evidência de que o holandês soubesse da existência dos outros dois. O período em que os três viveram foi farto em acontecimentos que levaram a uma mudança de atitude em relação à Igreja. O protestantismo começou a surgir graças a Martin Luther lá pelo fim da vida de Bosch, mas os motivos e fatos que levariam a isso estavam em gestação há algum tempo.

As tentações sobrenaturais que Santo Antonio sofreu durante seu retiro no deserto egípcio foram relatadas pela primeira vez por Atanásio de Alexandria e desde então são tema recorrente na literatura e nas artes plásticas. Hieronimus Bosch fez desse tema um tríptico que é uma de suas obras mais célebres. Nela, através de símbolos, o artista nos relata os tormentos espirituais e mentais que o santo enfrentou. Em nenhuma de suas outras obras Bosch nos mostrou as vicissitudes da vida espiritual mais vividamente do que nesse tríptico. Nos painéis central e esquerdo, o pintor nos apresenta o horror do pecado e dos desatinos, um retrato pavoroso do Inferno e imagens do sofrimento do Cristo; no painel direito, Bosch retrata o santo firme em sua resistência às tentações do Mundo, da Carne e do Diabo. Numa era quando se acreditava piamente no Céu e no Inferno, e na iminente aparição do Anticristo, a postura serena de santo Antonio, o Eremita, nos olhando de dentro de sua capela assombrada, com certeza oferecia esperança e confiança na fé.

A Tentação de Santo Antonio, óleo sobre painéis de madeira. O central mede 131,5 x 119cm e os laterais 131.5 x 53 cm.

Acervo Museu de Arte Antiga de Lisboa, Portugal


Fontes:

www.wga.hu/frames-e.html?/html/b/bosch/index.html

www.mnarteantiga-ipmuseus.pt

Biografia



O seu nome verdadeiro era Jheronimus (ou Jeroen) van Aken. Ele assinou algumas das suas peças como Bosch (AFI /bɔs/), derivado da sua terra natal, 's-Hertogenbosch. Em Espanha é também conhecido como El Bosco.

Sabe-se muito pouco sobre a sua vida. A não existência de documentos comprovativos de o pintor ter trabalhado fora de Hertogenbosh levam a que se pense que Bosch tenha vivido sempre na sua cidade natal. Aí se terá iniciado nas lides da pintura na oficina do pai (ou de um tio), que também era pintor.

Foi especulado, ainda que sem provas concretas, que o pintor terá pertencido a uma (das muitas) seitas que na época se dedicavam às ciências ocultas. Aí teria adquirido inúmeros conhecimentos sobre os sonhos e a alquimia, tendo-se dedicado profundamente a esta última. Por essa razão, Bosch teria sido perseguido pela Inquisição. Sua obra também sofreu a influência dos rumores do Apocalipse, que surgiram perto do ano de 1500.

Existem registos de que em 1504 Filipe o Belo da Borgonha encomendou a Bosch um altar que deveria representar o Juízo final, o Céu e o Inferno. A obra, atualmente perdida (sem unanimidade julga-se que um fragmento da obra corresponde a um painel em Munique), valeu ao pintor o reconhecimento e várias encomendas posteriores. Os primeiros críticos de Bosch conhecidos foram os espanhóis Filipe de Guevara e Pedro de Singuenza. Por outro lado, a grande abundância de pinturas de Bosch na Espanha é explicada pelo fato de Filipe II de Espanha ter colecionado avidamente as obras do pintor.

Bosch é considerado o primeiro artista fantástico.

Obra

Atualmente apenas se conservam cerca de 40 originais seus, dispersos na sua maioria por museus da Europa e Estados Unidos da América. Dentre estes, a coleção do Museu do Prado de Madri é considerada a melhor para estudar a sua obra, visto abrigar a maioria daquelas que são consideradas pelos críticos como as melhores obras do pintor.

As obras de Bosch demonstram que foi um observador minucioso bem como um refinado desenhador e colorista. O pintor utilizou estes dotes para criar uma série de composições fantásticas e diabólicas onde são apresentados, com um tom satírico e moralizante, os vícios, os pecados e os temores de ordem religiosa que afligiam o homem medieval. Exemplos destas obras são:

* O Carro de Feno - (Museu do Prado, Madrid)
* O Jardim das Delícias - (Museu do Prado, Madrid)
* O Juízo Final - (Akademie der Bildenden Künste, Viena)
* As Tentações de Santo Antão - (Museu de Arte de São Paulo, São Paulo)
* As Tentações de Santo Antão - (Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)
* Os Sete Pecados Mortais - (Museu do Prado, Madrid)
* Navio dos Loucos ou A Nau dos Insensatos - (Museu do Louvre, Paris)
* Morte e o Avarento - (Galeria Nacional de Arte em Washington, DC.


A par destas obras, que imediatamente se associam ao pintor, há que referir que mais de metade das obras de Bosch abordam temas mais tradicionais como vidas de santos e cenas do nascimento, paixão e morte de Cristo.

O original tríptico As Tentações de Santo Antão esta incorporado no Museu Nacional de Arte Antiga a partir do antigo Palácio Real das Necessidades. Desconhecem-se as circunstâncias da chegada da obra a Portugal, não sendo certo que tenha feito parte da coleção do humanista Damião de Góis, como algumas vezes é referido.


Fonte: Wikipedia

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Marley para colecionadores

"Catch a Fire" é primeiro destaque da série "Deluxe Edition", finalmente no Brasil

08/01/2010

AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco

"Catch a Fire - Deluxe Edition" - Bob Marley & The Wailers


AP

Marley: álbum lançado em 1973 detém a unanimidade como marco da cultura popular

Distribuição: Universal / AAA

Clássicos reembalados em versão definitiva, lotada de extras, acréscimos gráficos e outros atrativos. Não é um formato novo nem incomum. Mas a Universal Music fez da série "Deluxe Edition" uma grife distinta - e decerto ajudou a definir uma tendência de mercado. Hoje, afinal, não há hit que passe sem sua versão "deluxe" ao fim de determinado período promocional.



A coleção já conta com quase 150 títulos. Circula há anos no mercado internacional. No Brasil, só agora chega o primeiro lote de lançamentos. São eles "Catch a Fire" (Bob Marley & The Wailers), "Arrival 30th Anniversary" (Abba), "Songs from the Big Chair" (Tears for Fears), "Eric Clapton" e "Frampton Comes Alive" (Peter Frampton). Todos serão significativos à evolução do pop; clássicos em seu respectivo nicho de fãs. "Catch a Fire", no entanto, detém a unanimidade como marco da cultura popular.

Lançado em 1973, o álbum foi o début dos Wailers por uma "major" internacional (a Island Records). Embora sucesso de crítica imediato, teve modesta repercussão na "Billboard", estacionando na 171ª posição. Em todo caso, prepararia o terreno para a revolução reggae que estava por vir - poucos meses depois sairia "Burnin" (1973), com os massivos hits "Get Up, Stand Up" e "I Shot the Sheriff".

Seria, então, apenas uma questão de tempo para "Stir it Up" ser redescoberta e perpetuada como standard. Obra-prima maior de "Catch a Fire", combinava moogs espaciais e sinuosos wah wahs a serviço da harmonia bubblegum - provada infalível na voz de Johnny Nash. Americano do Texas, Nash gravou-a um ano antes, entre suas andanças por Kingston. O sucesso do compacto decerto levaria os Wailers a trabalhar a faixa como peça central. Curiosamente, "Stir it Up" foge à orientação dominante, politizada, cuja melhor síntese será "Concrete Jungle"- com seu irresistível clavinete à moda "Superstition" (Stevie Wonder).

O disco bônus traz a versão original de "Catch a Fire", gravada na Jamaica, antes da associação com o produtor americano Chris Blackwell, portanto. Além do repertório integral, inclui duas faixas omitidas do mix definitivo ("All Day All Night" e "High Tide or low Tide"). A capa resgata o formato isqueiro Zippo que encartava o LP em sua primeira tiragem - substituída pelos contratempos técnicos de sua produção em massa. (LBH)


Fonte: Jornal "Valor Econômico" de 08.01.2010