quinta-feira, 2 de junho de 2011

"Mentira" por Marcos Valle

"Billie Jean" de Michael Jackson por Caetano Veloso

Música para ver, cinema para ouvir

27/05/2011

Por José Geraldo Couto, editor do Blog do Zé Geraldo

Um dos mais influentes músicos do século 20, Miles Davis, que estaria completando hoje [26/05/11] 85 anos, tem mais a ver com o cinema do que geralmente se imagina.

O timbre inconfundível de seu trompete aparece em 48 longas-metragens, fora aqueles em que não foi creditado. Mas ele compôs relativamente pouco para cinema: levam a sua assinatura um punhado de documentários e apenas três longas de ficção: Ascensor para o cadafalso (1957), de Louis Malle, Siesta – Marcas de uma paixão (1987), de Mary Lambert, e Dingo (1991), de Rolf de Heer.

Desses, o mais importante, de longe, é o primeiro. O thriller de Louis Malle deve muito de sua elegância e densidade emocional ao cool jazz de Miles Davis. A trilha, repleta de improvisos do próprio trompetista, marcou época e influenciou boa parte da música dos policiais psicológicos/existenciais europeus e americanos feitos desde então.

Segue aqui um registro precioso: Miles Davis improvisando para a gravação da trilha sonora diante das imagens projetadas do filme. Poucas vezes houve uma comunhão tão perfeita entre música e cinema. O próprio Malle fala sobre isso ao final do vídeo.



Como curiosidade, vai também um trecho de Dingo em que Miles aparece como ator, no papel do trompetista Billy Cross, ídolo do jovem branquelo John “Dingo” Anderson (Colin Friels), que sai do interior da Austrália para tentar a sorte como músico nos clubes de jazz de Paris. Até onde eu sei, o filme não foi exibido comercialmente no Brasil (só em festivais) e ainda não está disponível em DVD.

O filme pode não ser grande coisa, mas a música… Ouça só:



E, só para completar a fatura, um trecho de Siesta, com Ellen Barkin, Isabella Rosselini e a música do homem:



José Gerado Couto é crítico de cinema e tradutor, foi durante anos colunista na Folha, escreve suas criticas hoje em seu próprio blog e na revista Carta Capital


Fonte: Site Outras Palavras em 27.05.2011

Poema: "O Valioso Tempo Dos Maduros" de Mário de Andrade

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui
para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas..
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa…
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!"


Fonte: Blog Tribo dos Textos

Drogas: "A ressaca da crise"

i>Pesquisadores veem possíveis reflexos da turbulência econômica nos mercados de substâncias ilegais.

Vitor Sorano e Maurício Oliveira | Para o Valor, de Lisboa e São Paulo
27/05/2011


Folhapress
Os impactos da crise nos mercados de drogas poderão dar-se em diferentes direções, em todo o mundo, tanto no lado da oferta, como nas reações dos consumidores







Ao tentar abrir um ponto de droga sob a marquise de um prédio residencial em Lisboa, um jovem com pouco mais de 15 anos é absolutamente propositivo. Diz que um pacote de haxixe - que também consome, enquanto fala - custaria € 45, preço camarada, para conquistar uma nova freguesia. "Estou a fazer isso porque preciso conseguir clientes", diz, à luz do fim de tarde. A conversa, bem como o cheiro da droga, ficam ao alcance de interessados, indiferentes e delatores.

O ponto, se vingar, ficará na área de classe média onde o jovem morava até há pouco tempo, antes de se mudar para o Padre Cruz - um dos maiores bairros sociais da Península Ibérica, segundo a prefeitura da cidade. "Um daqueles bairros problema, tás a ver? Tenho que levantar uns trocos, tás a ver? Para ajudar a minha família."

As reverberações da crise da economia formal no fenômeno da droga devem ir além do aumento da mão de obra para o tráfico - e para além de Portugal. Na Austrália, prevê-se maior uso de maconha entre os jovens, uma preocupação também nos Estados Unidos. Na Colômbia, pesquisadores esperam que, mais pobre, o mundo consuma menos cocaína, o que diminuiria a violência nos países produtores. E claro, em tempos de austeridade, também as políticas de tratamento e prevenção podem ser alvo de cortes - o que o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) teme que aconteça na União Europeia.

No Brasil, há indicações de que o crescimento e a melhor distribuição da renda tornaram o país mais atraente como destino final da cocaína - e não apenas como intermediário, como tradicionalmente é visto. Aponta nessa direção pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Universidade de Princeton para o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids), cujos dados ainda são inéditos. O consumo de cocaína em todas as suas apresentações - do falado óxi à pura - cresceu entre usuários pesados e é "mais alto do que se supunha", diz Francisco Bastos, pesquisador sênior da Fiocruz e coordenador de um levantamento nacional que está sendo feito para a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad). As duas instituições devem confirmar o aumento entre a população adulta em geral - em decorrência do maior consumo, mas também de melhorias na metodologia.

"A crise é tão grande que o impacto vai acontecer. Pode ser diluído no tempo, menos dramático, mas vai, sim", diz pesquisador nos EUA

A crise lá fora, então, poderia funcionar como catalizadora desse fenômeno no Brasil. "É uma possibilidade. Se a demanda cai nos Estados Unidos, pode-se esperar que os traficantes direcionem uma parcela maior de seus produtos para novos mercados, como o brasileiro", afirma Pascual Restrepo, da Universidade dos Andes, na Colômbia, que aposta numa redução do preço da cocaína no mercado americano em razão do impacto da retração econômica na renda do consumidor. Para Bo Mathiasen, representante do Escritório da ONU para as Drogas e o Crime (UNODC), é pouco provável que isso aconteça.

Na visão de Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), há referências seguras para demonstrar que a circulação de drogas tende a crescer na mesma proporção em que um lugar - seja um bairro, uma cidade ou um país -, torna-se mais rico. "Não tenho a menor dúvida de que a tendência é de aumento", diz Laranjeira, considerado um dos maiores especialistas brasileiros no tema. "O tráfico concentra seus esforços em regiões de maior poder aquisitivo. Basta ver que São Paulo é o Estado que mais consome drogas no país e que o consumo de maconha nos Estados Unidos atinge uma população proporcionalmente três vezes maior que no Brasil. Enquanto isso, na África o problema é muito menor", afirma Laranjeira.

Para o economista Marcelo Justus dos Santos, doutorando em economia aplicada pela Universidade de São Paulo (USP) que há seis anos estuda as implicações econômicas do tráfico de drogas, a questão é mais complexa e, a princípio, pode ser analisada por dois pontos de vista. Num momento de crescimento econômico, quando começa a sobrar dinheiro para as pessoas, é provável que elas venham a comprar mais drogas, assim como compram mais roupas ou eletrônicos. Mas também há uma redução estrutural dos problemas que levam as pessoas a buscar a válvula de escape das drogas, como o desemprego. "A renda não é, por si só, a única variável que deve ser considerada nessa equação", observa Santos. Se o crescimento econômico vier acompanhado de desenvolvimento social, a perspectiva é de que o consumo de drogas seja reduzido a longo prazo. "Mas, se não houver investimentos maciços em educação e segurança pública e a distribuição de renda continuar desequilibrada, a situação das drogas tende a se agravar, mesmo com o crescimento econômico."

Agência Estado
O aumento do preço da cocaína, relacionado à maior repressão e ao desmantelamento do Comando Vermelho, levou à popularização do crack no Rio de Janeiro







A preocupação com o impacto que as condições econômicas - negativas, principalmente - têm no mercado de drogas está em alta na comunidade acadêmica. Sintoma disso é o aparecimento do tema em publicações científicas. Em sua edição de janeiro, o australiano "Drug and Alcohol Review" dedicou o editorial a essa relação. Um dos cinco títulos mais influentes do mundo em abuso de substâncias, o "International Journal of Drug Policy" publicará, este ano, um número especial sobre esta e outras retrações mais localizadas.

"A crise é tão grande que o impacto vai acontecer. Pode ser mais diluído no tempo, menos dramático, mas vai, sim", diz Johnatan Caulkins, da Universidade Carnegie Mellon (Estados Unidos), autor de um dos estudos que constará da coletânea. O problema é saber como, para quem e em quais direções.

"Há pesquisas que sugerem que drogas ilegais funcionam como qualquer commodity, de várias maneiras. Uma queda na renda resulta em queda no consumo entre usuários", diz Anne Line Bretteville-Jensen, do Instituto Norueguês para Estudos do Álcool e Drogas. Já entre os que não consumiam, o impacto de um contracheque mais baixo pode dar-se em sentido contrário.

"Uma porcentagem significativa da população vive em dificuldades, o que faz as pessoas recorrerem a substâncias psicoativas", diz o diretor do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) de Portugal, João Goulão. O país, que descriminalizou o consumo de entorpecentes em 2000, agora vê os avanços da última década sob risco de uma inversão da tendência. O álcool é, tradicionalmente, a primeira porta de escape, seguido pelas drogas ilícitas.

Segundo Samuel Friedman, do Centro de Pesquisas de Uso de Drogas e HIV, de Nova York, grandes eventos, como o "apartheid" ou a dissolução da União Soviética, tendem a ser acompanhados de um aumento do consumo de entorpecentes. A crise é um grande evento? "É uma possibilidade. Por um lado, está levando a agitações sociais de massa e transições políticas, e ainda pode causar novas guerras", diz, lembrando que os impactos foram fortes em algumas regiões, e menores em outras. Por outro, está reformulando as expectativas e chances de vida de muitos jovens."

A atenção dirigida para essa faixa da população é uma constante em diversos estudos. Na Austrália, a curva de consumo de maconha na população até os 35 anos acompanhou, com certo atraso, a do desemprego. Assim como os adultos, os jovens também recorrem à droga como compensação para problemas financeiros - com a vantagem de ter menos obrigações. "Quando defrontados com a ansiedade da perda real ou potencial de emprego, estão preparados para gastar mais dinheiro com maconha", afirma Jennifer Chalmers, do Centro Nacional de Pesquisa sobre Álcool e Drogas, uma das autoras do editorial da "Drug and Alcohol Review".

"Defrontados com a ansiedade da perda real ou potencial de emprego, os jovens tenderão a gastar mais dinheiro com maconha"

Mas quando a insegurança profissional é acompanhada de insegurança financeira, o recurso ao tráfico é uma opção. Nos Estados Unidos, com o desemprego em alta, os adolescentes tendem não só a consumir, mas também a vender drogas - especialmente maconha - segundo o economista Jeremy Arkes, do "think tank" Rand e professor da Escola Naval de Pós-graduação da Califórnia. "A razão, aparentemente, é a falta de trabalho formal. Alguns também o fazem para financiar o próprio uso, e não para ganhar dinheiro."

Entre março de 2008 e março de 2011, o desemprego abaixo dos 25 anos saltou de 11,7% para 17,6% nos Estados Unidos, de 15% para 20,7% na União Europeia e de 16% para 21,3% em Portugal. Nos três casos, os índices ficam em torno do dobro da média da população. Na Austrália, a variação foi mais tímida, de 9,2% para 12,1%, mas pode ser suficiente para influir no uso de entorpecentes. "Esta desaceleração na economia deve encorajar jovens australianos a consumir maconha mais frequentemente", diz Chalmers.

A possibilidade de que essa seja uma das consequências da crise pôs em suspenso a comemoração de um histórico arrefecimento da prevalência da maconha na Europa. No continente - assim como no mundo - o canabinoide é a substância ilícita mais consumida, com mais de 20% da população entre os 15 e 64 anos já o tendo usado ao menos uma vez na vida. Na última década, alguns sinais de estabilização e mesmo queda de consumo em alguns países, como Espanha e Reino Unido, vinham sendo identificados. O mesmo aconteceu na América do Norte e na Oceania, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

"A população que consumia maconha está envelhecendo. E os jovens estavam consumindo menos. Com a recessão, é provável que os jovens venham a consumir mais e que no futuro até se possa verificar uma inversão", diz Claudia Storti, analista do OEDT e responsável pela seleção dos artigos para o "International Journal of Drug Policy". "O impacto mais imediato é nos jovens, mas depois vai se espalhar por toda a população."

No caso dos entorpecentes duros, como a cocaína, a heroína e as metanfetaminas, a expectativa é de uma redução no consumo. Menos pessoas devem se iniciar no uso desse tipo de drogas, diz Claudia, pelo fato de serem mais caros. É no que reside a esperança dos economistas Pascual Restrepo e Daniel Mejía, da Universidade dos Andes. "Se você tem menos consumidores, o preço cai. Por aí, acreditamos que a crise econômica vai levar a uma redução no tamanho dos mercados da droga", diz Restrepo.

Na análise dos economistas, a retração no consumo deve ser tão expressiva a ponto de compensar outra consequência da crise - a queda dos repasses dos Estados Unidos para o Plano Colômbia. Desde o fim de 2008, a redução tem sido de cerca de 10% ao ano, segundo Restrepo, e hoje é aproximadamente 40% menor do que no início do programa, em 2000. O resultado, então, seria um impacto positivo da recessão nos países produtores. Um mercado menor significa redução no preço da cocaína no atacado. "Quando os preços sobem, a violência também sobe."

Esse esfriamento da demanda, porém, deve ser mais perceptível entre os usuários leves, que consomem uma fatia menor da produção mundial de entorpecentes, segundo Caulkins, da Carnegie Mellon. Daí decorre que os efeitos da crise demorem mais para serem percebidos. "Os dependentes também serão afetados, mas a mudança de comportamento é mais vagarosa. Em Portugal, já estamos há dois anos e meio na recessão e você não vê donos de clínica dizendo 'Oh meu Deus, eu não tenho mais ninguém para tratar'".

Para dependentes de cocaína e heroína, uma saída é recorrer a um consumo mais agressivo, por meio do uso de agulha, por exemplo. "Quando se fuma, há uma perda de produto. Quando se cheira, também não vai 100% ao sangue. Mas ao injetar você tem uma biodisponibilidade de 100%. A contração econômica é compensada no modo de administração da droga", afirma Christian Ben Lakhdar, da Universidade Católica de Lille, na França. A estratégia já foi relatada por dependentes em diversos estudos realizados em Londres, Nova York, Madri, Sevilha e Barcelona, entre 2003 e 2009.

Outra opção é comprar produto de menor qualidade. "Quanto maior a crise econômica, mais provável é que a qualidade da droga vendida seja pior", diz Storti, do OEDT. "O que vemos na cocaína é o aparecimento de formas mais baratas, como a pasta-base e o crack", afirma Goulão, do IDT. A piora, segundo ele, ainda não pode ser atribuída à crise.

Essa relação pode ser estabelecida, sim, no que se refere à redução de verbas para as políticas voltadas à droga. Em Portugal, um corte de 4% no orçamento do IDT para este ano - antes da entrada do FMI em cena - levou à demissão de 130 de 200 profissionais temporários. Algumas unidades de atendimento a usuários passaram a funcionar menos dias por semana. "Posso dizer que temos uma austeridade significativa, mas o governo foi sensível." A primeira proposta previa 15% a menos de recursos.

O OEDT - onde os salários foram cortados em 1% - iniciou um levantamento dos cortes de despesas em políticas de droga nos 27 membros da UE, alguns tendo acontecido já em 2009. Entretanto, o mapeamento deve ser insuficiente para medir o impacto que a austeridade nos orçamentos nacionais terá no problema do uso de entorpecentes no continente. "O que acontecer no âmbito da droga vai ser contrabalançado pelas políticas sociais, tanto de saúde, como de integração social, como de segurança social tradicionais. Quanto menos essas existirem, maior vai ser o impacto", diz Storti.

Símbolo do tráfico no Rio, a cocaína vem sendo substituída em parte pelas drogas sintéticas e pelo crack, segundo o sociólogo Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A mudança tem mais a ver com questões internas ao mercado de entorpecentes do que com a relação deste com a economia formal. A moda do ecstasy e o aumento da violência relacionada ao tráfico levaram, segundo o pesquisador, à constituição da figura do traficante de classe média.

"O mercado da cocaína se tornou muito perigoso para jovens que antes o frequentavam, em virtude do aumento dos conflitos entre facções e também com a polícia", diz Misse. "Nos últimos anos, muitos jovens acabaram por constituir um mercado alternativo, exatamente para atender a uma demanda que já não queria subir o morro."

O aumento do preço da cocaína, relacionado à maior repressão e ao desmantelamento do Comando Vermelho, levou à popularização do crack. "O crack não entrava no Rio. Era uma decisão da cúpula dessas facções, porque diminuía a taxa de lucro e aumentava o número de dependentes entre os trabalhadores do mercado ilegal."

O ponto-chave da questão, segundo pesquisadores, é a eficácia das políticas de prevenção: o que vai ser feito daqui em diante para que o número de usuários seja reduzido gradualmente no país. "Claro que temos que tentar tirar das drogas quem já entrou nessa, mas o fundamental mesmo é evitar que outras pessoas se tornem usuárias", diz Laranjeira. Ele afirma que campanhas de conscientização têm resultado quase insignificante nesse sentido e que o caminho é dificultar o acesso às drogas, sufocando a produção e reforçando a vigilância nas fronteiras - praticamente toda a coca do mundo é produzida em três vizinhos do Brasil, a Colômbia, a Bolívia e o Peru. Nesse sentido, até que as notícias mais recentes são boas. A apreensão de cocaína pela Polícia Federal passou de 20,8 toneladas em 2009 para 27,1 toneladas em 2010, um acréscimo de 30%.

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Um mercado de fácil acesso, mas fechado a tentativas de avaliação

Guaracy Mingardi | Para o Valor, de São Paulo
27/05/2011


O mercado de drogas ilícitas recebe atenção da mídia, governos e especialistas desde o início dos anos 1980, quando a cocaína ganhou as ruas das cidades americanas, mas até hoje ninguém foi capaz de mensurá-lo com precisão. Estamos tratando de um mercado ilegal, cujos participantes não utilizam notas fiscais e têm uma contabilidade mascarada. Seu impacto na economia de cada país também não é fácil de medir. Apenas se pode avaliar, de forma qualitativa, o papel que o país desempenha na cadeia produtiva.

Temos países produtores, a maioria na Ásia, onde ficam as maiores plantações de papoula, flor da qual se extrai o ópio e a heroína, ou na América Latina, maior produtora de folhas de coca. Uma exceção interessante é a Holanda, produtora de sintéticos como o ecstasy e de maconha cultivada em fazendas hidropônicas. Na verdade, a maconha é produzida em tantos países, normalmente para consumo interno, que nem vale a pena listar os principais. No Brasil, por exemplo, parte do mercado é abastecida pelo Paraguai, mas também pelo plantio local.

Entre os países consumidores, os principais são os Estados Unidos e alguns outros do clube dos ricos. A União Europeia é o maior mercado em termos absolutos.

Um terceiro grupo de países são locais de trânsito, por onde a droga circula no caminho entre produtores e consumidores. Muitos desses países acabam por se transformar em consumidores. O Brasil é um bom exemplo. De local de trânsito para a cocaína nos anos 1960 e início da década seguinte, transformou-se em consumidor, principalmente dos derivados de cocaína. O produto mais importado para consumo interno é a pasta-base, essencial para feitura do crack e seus derivados. A cocaína pura que circula pelo Brasil destina-se, em boa parte, a um mercado muito mais rentável, o europeu. Um caso singular é o do México, onde, nos últimos anos, os cartéis importam, exportam e produzem, sempre tendo em vista o mercado americano.

Além da posição ocupada pelo país na linha produção-consumo, o impacto econômico também varia de acordo com a droga da moda, aquela que está sendo consumida no momento pelos principais mercados. Grandes produtores de folha de coca, como a Bolívia e a Colômbia, sentiram um abalo, no fim dos anos 1990 e início deste século, quando ocorreu a queda do consumo de cocaína nos EUA. Segundo o relatório de 2010 da United Nations Drug Control, o mercado americano de cocaína encolheu pela metade em 15 anos. Isso não significa que os americanos deixaram de consumir outras drogas. Ao que parece, os sintéticos e a heroína aumentaram sua participação, além de ter-se observado o retorno da maconha.

É evidente que a economia dos produtores ressentiu-se de forma acentuada. O maior aliado americano na América do Sul, a Colômbia, teve queda na economia informal, enquanto os maiores aliados americanos na Ásia, o Afeganistão e o Paquistão, tiveram uma forte entrada de dólares e aumento da área de cultivo.

É bom ressaltar que a diminuição do mercado de cocaína nos Estados Unidos não teve qualquer relação com a recessão econômica. Começou ainda durante os anos Clinton, quando a economia florescia e o país conseguia manter suas contas sem grandes déficits.

A crise europeia pode ter um reflexo diferente no tráfico. É possível que aumente o consumo da droga produzida dentro de suas fronteiras, os sintéticos, e não se altere o consumo de marijuana, trazida de perto, do Norte da África, ou produzida localmente. Com certeza, vai diminuir o uso de cocaína e heroína, produtos caros e que vêm de longe.

Quanto ao impacto das drogas na economia mundial, há uma regra que se mantém nas últimas décadas. O tráfico se traduz numa transferência de dinheiro do Norte consumidor para o Sul produtor. Por outro lado, o dinheiro arrecadado nos países do Sul com o tempo acaba voltando para o Norte, por meio de investimentos no mercado financeiro americano ou europeu, títulos da dívida americana etc. É curioso que nenhum dos países envolvidos na "guerra ao tráfico" recusa esses investimentos. Na verdade, nem conseguem identificar dinheiro das drogas. Com situação confusa na Europa e os fracos resultados americanos, pode ser que parte desse dinheiro obtido ilicitamente volte, já devidamente lavado, para as economias mais florescentes do Sul. E, então, vai entrar no mercado brasileiro, por exemplo, como qualquer outro investimento.

Guaracy Mingardi, doutor em ciência política pela USP, e analista criminal.

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A solução é legalizar, diz Castañeda

Eric Nepomuceno | Para o Valor, do Rio
27/05/2011



Carlos Ivan / Agência O Globo

Castañeda, crítico ácido das políticas adotadas em vários países para combater o narcotráfico








Entre os defensores da legalização da venda e do consumo de drogas, uma das vozes mais polêmicas é a do mexicano Jorge Castañeda. Crítico ácido das políticas adotadas em vários países para combater o narcotráfico - em especial, a do atual presidente do México, Felipe Calderón -, Castañeda, aos 58 anos recém-cumpridos, está acostumado, há décadas, a enfrentar polêmicas graças às suas posições frente aos problemas da América Latina.

Ao longo da vida, são muitas as credenciais que Castañeda foi reunindo. Formado em Princeton e com um doutorado em história econômica pela Sorbonne, ele ostenta em seu currículo uma passagem pelo Ministério de Relações Exteriores mexicano entre 2000 e 2003, durante a Presidência de Vicente Fox. É autor de livros de grande repercussão, a começar por "Utopia Desarmada" e a biografia "Guevara, a Vida em Vermelho", lançados no Brasil pela Companhia das Letras. Professor emérito de Política e Estudos Latino-americanos da Universidade de Nova York, é um dos mais prestigiados e requisitados intelectuais da América Latina em foros de todo o mundo. Sua agenda especialmente carregada de convites para palestras, debates e conferências, vem dedicando espaço cada vez maior para a questão do narcotráfico e suas trágicas consequências no cenário latino-americano.

Nos últimos anos, seu país se transformou no principal corredor de entrada de cocaína, heroína e maconha nos Estados Unidos. Hoje, 90% da cocaína consumida em território americano - um negócio que move cerca de US$ 32 bilhões anuais - passam pelo México. Felipe Calderón iniciou a guerra total ao narcotráfico no fim de 2006. De lá para cá, calcula-se que o volume de cocaína que saiu da América do Sul e passou pelo México rumo aos Estados Unidos tenha aumentado pelo menos 15%. O resultado mais visível dessa guerra é o assustador volume de mortes (pelo menos 37 mil), e a explosão de uma onda de violência sem precedentes no México. São mais de 30 por dia. Três assassinatos a cada duas horas. De Nova York, Castañeda falou ao Valor.

Valor: Como o México se tornou a principal entrada de drogas nos Estados Unidos?

Jorge Castañeda: Não é propriamente um fenômeno recente. Vem do fim dos anos 1980, quando os Estados Unidos conseguiram barrar o tráfico que vinha pelo Caribe e fecharam a principal porta de entrada em seu território, que era a Flórida. Pouco depois, os grandes cartéis colombianos fizeram uma parceria com os cartéis mexicanos, por causa da nossa imensa fronteira com os Estados Unidos. Quando os cartéis colombianos foram desmantelados, ou tiveram seu poder reduzido de forma contundente, os mexicanos assumiram o negócio. Até então - estamos falando de uns 20 ou 25 anos atrás - os cartéis mexicanos traficavam basicamente maconha e, em menor quantidade, heroína, mas em volumes pequenos. Agora, assumiram o monopólio de tudo. Em resumo: os Estados Unidos fecharam uma porta, mas não têm como fechar essa outra, a mexicana, mais ampla e mais eficaz para o narcotráfico.

"Os EUA enfrentam uma crise há mais de dois anos, e o consumo de drogas se manteve estável, se é que não houve um pequeno aumento"

Valor: A guerra que o México declarou ao narcotráfico tem ao menos um resultado concreto: 37 mil assassinatos em pouco mais de três anos. Existe algum outro resultado?

Castañeda: Acho que não. O presidente Calderón afirma que apreendeu muitas toneladas de cocaína e de maconha, e um grande número de armas. Mas não temos como saber qual a porcentagem sobre o total traficado. O ex-presidente Carlos Salinas de Gortari garante que, sem ter declarado guerra alguma, apreendeu um volume ainda maior de drogas e armas. O que realmente importaria saber é se, proporcionalmente, as atuais apreensões são maiores ou menores sobre o volume traficado a cada ano. E se não sabemos se o volume que passa pelo México rumo aos Estados Unidos diminuiu, só nos resta crer que a guerra teve como único resultado esse número absurdo de mortos, além da violência desenfreada que se abateu sobre o país. Um dado, em todo caso, é inquietante e indicativo: o preço da cocaína, no mercado americano, aumentou muito pouco ao longo desses últimos anos. Ou seja, há indícios claros de que a oferta não foi afetada. A essa altura, acho que já deveria estar mais do que claro que a alternativa adotada fracassou. Não concebo outra saída que não seja a legalização do comércio de drogas, com o Estado exercendo severo controle sobre esse mercado. Claro que, sem que os Estados Unidos façam a mesma coisa, essa seria uma medida limitada. Então, a saída é convencer os Estados Unidos de que não há mais como desestabilizar nossos países se não conseguirem controlar seu mercado interno. Afinal, o México não produz cocaína, e o consumo em seu território é ínfimo. Nesse jogo, os Estados Unidos entram com os consumidores, e nós, com os mortos...

Valor: Existe alguma relação entre ciclos econômicos e consumo de drogas?

Castañeda: Não creio que seja possível estabelecer essa relação. A não ser, claro, que se pense que em tempos de bonança, ou de crescimento econômico, aumenta o consumo das classes médias, que passam a comprar mais geladeiras, automóveis, viajam mais, e, eventualmente, passam a consumir mais cocaína... Mas não vejo uma relação direta, específica, entre ciclo econômico e venda de drogas. Basta ver que os Estados Unidos enfrentam uma crise há mais de dois anos, e o consumo de drogas se manteve estável, se é que não houve um pequeno aumento... E, uma vez mais, o preço ao consumidor é um bom indício: não baixou, o que indicaria uma queda na demanda, nem subiu, o que indicaria uma queda na oferta.

Valor: O incremento da passagem de drogas pelo México, e que se estende pela América Central, tem algum reflexo na economia da região?

Castañeda: Na economia formal não, já que esse dinheiro não chega a ser computado nos cálculos oficiais. Mas é claro que nos pequenos países centro-americanos acaba ajudando alguma coisa. Além disso, os países da América Central não sofreram perdas no turismo ou no volume de investimentos externos, já que não têm tanto turismo nem tantos investimentos externos significativos. Já no México o quadro é exatamente o oposto: o tráfico e o combate aberto determinado pelo governo vêm causando sérias perdas, tanto no turismo, que diminuiu significativamente por causa da onda de violência descontrolada, como nos investimentos externos, que poderiam ser muito maiores se o quadro de instabilidade fosse outro.


Fonte: Jornal "Valor Econômico" de 27.05.2011

Assange, do Wikileaks: Brasil é um poder alternativo



A RevistaTrip publica uma fantástica entrevista com Julien Assange, fundador e dirigente da Wikileaks, que se tornou conhecido no mundo inteiro depois da divulgação, em abril do ano passado, de um vídeo secreto registrando o ataque de um helicóptero americanos a civis no Iraque, que a gente, modestamente, se orgulha de ter publicado no mesmo dia, antes de que o assunto ganhasse repercussão na mídia brasileira e, até, publicado no dia seguinte uma versão legendada no Youtube. (Desculpem o “autocomercial”, mas foi uma lenha para fazer isso)

Destaco aqui um trecho da entrevista – que pode ser lida aqui, na íntegra – e o vídeo com trechos dela, exibido pela revista, que faz um ótimo trabalho e, ao contrário da nossa TV pública – já entendeu que distribuir na rede não é “perder audiência”, mas prestar um serviço público de informação e ganhar credibilidade.

O Brasil foi escolhido para estar entre os cinco ou seis países que fizeram parte da primeira fase de divulgação dos documentos da diplomacia americana. Qual a importância do país para você?
O Brasil é um poder alternativo bem interessante na região, a ponto que, nas Américas, há os Estados Unidos e há o Brasil. Vocês são indiscutivelmente a nação mais independente da região fora os Estados Unidos, e isso traz um equilíbrio de poder vital. Por isso é tão importante que o Brasil mantenha sua influência e siga caminhando na direção certa, até porque, se for na direção errada, desestabiliza toda a América do Sul. O país tem também sua própria cultura e, como no caso da Alemanha, tinha a questão da língua, o português, que é importante estar representada. E havia ainda a formação do atual governo. Sabíamos que o novo ministério seria nomeado em janeiro, então era importante para nós soltar o material antes disso, antes do fim do governo Lula. Assim qualquer eventual impacto chegaria a tempo, na hora certa.

Por que essa preocupação com um eventual impacto político?
Essa é a nossa missão! As fontes que nos passam documentos esperam isso, sempre prometemos impacto máximo de todo material. É o que tentamos fazer em todo lugar, e no Brasil também.


Fonte: Blog Tijolaço em 01.06.2011.