quarta-feira, 20 de outubro de 2010

João do Vale: "Muita Gente Desconhece" e "A Arte de João do Vale"













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João Batista do Vale mais conhecido como João do Vale (Pedreiras, 11 de outubro de 1934 — São Luís, 6 de dezembro de 1996) foi um músico, cantor e compositor maranhense.

De origem humilde, João sempre gostou muito de música, aos 13 anos se mudou para São Luís. Em 1964 estreou como cantor. Suas principais composições são: Carcará em parceria com José Cândido e imortalizado na interpretação de Maria Bethânia, Peba na pimenta com Adelino Rivera e Pisa na fulô com Silveira Júnior.

Biografia

João Batista do Vale desde pequeno gostava muito de música, mas logo teve de trabalhar, para ajudar a família. Aos 13 anos foi para São Luís MA, onde participou de um grupo de bumba-meu-boi, o Linda Noite, como "amo" (pessoa que faz os versos). Dois anos depois, começou sua viagem para o Sul, sempre em boleias de caminhões: em Fortaleza CE, foi ajudante de caminhão; em Teófilo Otoni MG, trabalhou no garimpo; e no Rio de Janeiro RJ, onde chegou em dezembro de 1950, empregou- se como ajudante de pedreiro numa obra no bairro de Ipanema.

Passou a frequentar programas de rádio, para conhecer os artistas e apresentar suas composições, em maioria baiões. Depois de dois meses de tentativas, teve uma música de sua autoria gravada por Zé Gonzaga, Cesário Pinto, que fez sucesso no Nordeste. Em 1953, Marlene lançou em disco Estrela miúda, que também teve êxito; outros cantores, como Luís Vieira e Dolores Duran, gravaram então músicas de sua autoria. Em 1964 estreou como cantor no restaurante Zicartola, onde nasceu a ideia do show Opinião, dirigido por Oduvaldo Viana Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, que foi apresentado no teatro do mesmo nome, no Rio de Janeiro.

Dele participou, ao lado de Zé Kéti e Nara Leão, tornando-se conhecido principalmente pelo sucesso de sua música Carcará (com José Cândido), a mais marcante do espetáculo, que lançou Maria Bethânia como cantora. Como compositor, em 1969 fez a trilha sonora de Meu nome é Lampião (Mozael Silveira). Depois de se afastar do meio musical por quase dez anos, lançou em 1973 Se eu tivesse o meu mundo (com Paulinho Guimarães) e em 1975 participou da remontagem do Show Opinião, no Rio de Janeiro.

Tem dezenas de músicas gravadas e algumas delas deram popularidade a muitos cantores: Peba na pimenta (com João Batista e Adelino Rivera), gravada por Ari Toledo, e Pisa na fulo (com Ernesto Pires e Silveira Júnior), baião de 1957, gravado por ele mesmo. Em 1982 gravou seu segundo disco, ao lado de Chico Buarque, que, no ano anterior, havia produzido o LP João do Vale convida, com participações de Nara Leão, Tom Jobim, Gonzaguinha e Zé Ramalho, entre outros. Em 1994, Chico Buarque voltou a reverenciar o amigo, reunindo artistas para gravar o disco João Batista do Vale, prêmio Sharp de melhor disco regional.

Cinema

Em 1954, participou com figurante do filme Mãos Sangrentas, dirigido por Carlos Hugo Christensen, João do Vale conheceu Roberto Farias – na época assistente de direção, - que, ao se transformar em diretor, convidou o compositor para musicar alguns de seus filmes, como No Mundo da Luz, de 1958. Além disso, em 1969 ele comporia a trilha sonora de Meu Nome é Lampião, de Mozael Silveira.

Gravou discos em parceria com grandes nomes da música brasileira, como por exemplo em 1982 fez parcerias com Chico Buarque e Zé Kéti.

Referências

* MPBNet
* Fundação João do Vale

Ligações externas

* Fundação João do Vale
* João do Vale no "CliqueMusic"
* João do Vale no MPBNet

terça-feira, 4 de maio de 2010

“Meu caro amigo, as coisas estão melhorando”

29/04/2010

Por Daniel Cariello e Thiago Araújo, da revista Brazuca | Foto: Jorge Bispo

“Se tiver bola, eu dou a entrevista”. Essa foi a única exigência do nosso companheiro de pelada, Chico Buarque, numa caminhada entre o metrô e o campo. Uma bola. E eu acabara de informar que o dono da redonda não viria à pelada de quarta-feira. Éramos dez amantes do futebol, órfãos.

Sem saber se esse era um gol de letra dele para fugir da solicitação de seus parceiros jornalistas, ou uma última esperança, em forma de pressão, de não perder a religiosa partida, eu, que não creio, olhei para o céu e pedi a Deus: uma pelota!

Nada de enigma, oferenda ou golpe de Estado. Ele estava ali, o cálice sagrado da cultura brasileira, que sucumbiu ao ver não uma, mas duas bolas chegarem à quadra pelas mãos de Mauro Cardoso, mais conhecido como Ganso. A partir daí, nada mais alterou o meu ânimo e o da minha dupla de ataque-entrevista, Daniel Cariello. Apesar de termos jogado no time adversário do ilustre entrevistado, tomado duas goleadas consecutivas de 10 x 6 e 10 x 1, tínhamos a certeza de que ele não iria trair dois dos principais craques do Paristheama, e sua palavra seria honrada.

Mas o desafio maior não era convencer o camisa 10 do time bordeaux-mostarda parisiense a ceder duas horas de sua tarde ensolarada de sábado. O que você perguntaria ao artista ícone da resistência à ditadura, parceiro de Tom Jobim, Vinicius de Morais e Caetano Veloso, escritor dos best sellers “Estorvo”, “Benjamin”, “Budapeste” e “Leite Derramado”, autor de “A banda”, “Essa moça tá diferente”, “O que será”, “Construção” e da canção de amor mais triste jamais escrita, “Pedaço de mim”?

Admirado e amado por todas as idades, estudado por universitários, defendido por Chicólatras, oráculo no Facebook, onipresente nas manifestações artísticas brasileiras – sua modéstia diria “isso é um exagero”, mas sabemos que não é –, sua reação imediata ao ser comparado a Deus foi “em primeiro lugar, não acredito em Deus. Em segundo, não acredito em mim. Essa é a única coisa que pode nos ligar. Então, pra começo de conversa, vamos tirar Deus da mesa e seguir em frente”.

Enfim, ainda não creio que entrevistamos Deus, quase sem falar de Deus. Mas foi com ele mesmo que aprendi uma lição, talvez um mandamento: acreditar em coisas inacreditáveis. (Thiago Araújo)



Você assume que não acredita em Deus, mas existem trechos nas suas músicas como “dias iguais, avareza de Deus” ou “eu, que não creio, peço a Deus”. No Brasil, é complicado não acreditar em Deus?

Eu não tenho crença. Eu fui criado na Igreja Católica, fui educado em colégio de padre. Eu simplesmente perdi a fé. Mas não faço disso uma bandeira. Eu sou ateu como o meu tipo sanguíneo é esse.

Hoje há uma volta de certos valores religiosos muito forte, acho que no mundo inteiro. O que é perigoso quando passa para posições integristas e dá lugar ao fanatismo. O Brasil talvez seja o pais mais católico do mundo, mas isso é um pouco de fachada. Conheço muitos católicos que vão à umbanda, fazem despacho. E fica essa coisa de Deus, que entra no vocabulário mais recente, que me incomoda um pouquinho. Essa coisa de “vai com Deus”, “fica com Deus”. Escuta, eu não posso ir com o diabo que me carregue? (Risos). Tem até um samba que fala algo como “é Deus pra lá, Deus pra cá – e canta – Deus já está de saco cheio” (risos).

Você já foi em umbanda, candomblé, algo do tipo?

Já, eu sou muito curioso. A mulher jogou umas pipocas na minha cabeça, sangue, disse que eu estava cheio de encosto. Eu fui porque me falaram “vai lá que vai ser bom”. Passei também por espíritas mais ortodoxos, do tipo que encarnava um médico que me receitou um remédio para o aparelho digestivo. Aí eu fui procurar o remédio e ele não existia mais. O remédio era do tempo do médico que ele encarnava (risos).

Já tive também um bruxo de confiança, que fez coisas incríveis. Aquela música do Caetano dizia isso muito bem, “quem é ateu, e viu milagres como eu, sabe que os deuses sem Deus não cessam de brotar.” Eu vi cirurgias com gilete suja, sem a menor assepsia, e a pessoa saía curada. Estava com o joelho ferrado e saía andando. Eu fui anestesista dessa cirurgia. A anestesia era a música. O próprio Tom Jobim tocava durante as cirurgias. Eu toquei para uma dançarina que estava com problema no joelho. Ela tinha uma estreia, mas o ortopedista disse “você rompeu o menisco”. Ela estreou na semana seguinte, e na primeira fila estavam o ortopedista e o bruxo (risos).

Uma vez, estava com um problema e fui ao médico. Ele me tocou e não viu nada. Aí eu disse “olha, meu bruxo, meu feiticeiro, quando ele apertava aqui, doía”. Ele começou a dizer “mas essa coisa de feitiçaria…” e atrás dele tinha um crucifixo com o Cristo. Daí eu perguntei “como você duvida da feitiçaria, mas acredita na ressurreição de Cristo?”. Eu acho isso uma incongruência. Gosto de acreditar um pouco nisso, um pouco naquilo, porque eu vejo coisas inacreditáveis. Eu não acredito em Deus, acredito que há coisas inacreditáveis.

De vez em quando você dá uma escapada do Brasil e vem a Paris. Isso te permite respirar?

Muito mais. Eu aqui não tenho preocupação nenhuma, tomo uma distância do Brasil que me faz bem. Fico menos envolvido com coisas pequenas que acabam tomando todo o meu tempo. Aqui, eu leio o Le Monde todos os dias, e fico sabendo de questões como o Cáucaso, os enclaves da antiga União Soviética, que no Brasil passam muito batidos. O Brasil, nesse sentido, é muito provinciano, eu acho que o noticiário é cada vez mais local.

Meu pai, que era um crítico literário e jornalista, foi morar em Berlim no começo dos anos trinta. Foi lá, onde teve uma visão de historiador, de fora do país, que ele começou a escrever Raízes do Brasil, que se tornou um clássico. A possibilidade de ter esse trânsito, de ir e voltar, eu acho boa. É como você mudar de óculos, um para ver de longe e outro para ver de perto.


Nesse seu vai e vem Brasil-França, o que você traria do Brasil para a França, e vice-versa?

Eu traria pra cá um pouquinho da bagunça, da desordem. Os nossos defeitos, que acabam sendo também nossas qualidades. O tratamento informal, que gera tanta sujeira, ao mesmo tempo é uma coisa bonita de se ver. Você tem uma camaradagem com um sujeito que você não conhece. Aqui existe uma distância, uma impessoalidade que me incomoda.

Para o Brasil, eu gostaria de levar também um pouco dessa impessoalidade. Da seriedade, principalmente para as pessoas que tratam da coisa pública. Não que não exista corrupção na França.

Outra coisa que eu levaria pra lá é o sentimento de solidariedade, que existe entre os brasileiros que moram fora. Isso eu conheci no tempo que eu morava fora, e vejo muito aqui através das pessoas com as quais convivo. Eles se juntam. Como se dizia, “o brasileiro só se junta na prisão”. Os brasileiros também se juntam no exílio, na diáspora.

Falando em exílio, tem uma história curiosa de Essa moça tá diferente, a sua música mais conhecida na França.

É. A coisa de trabalho (N.R.: na Itália, onde Chico estava em exílio político, em 1968) estava só piorando e o que me salvou foi uma gravadora, a Polygram, pois minha antiga se desinteressou. A Polygram me contratou e me deu um adiantamento. E consegui ficar na Itália um pouco melhor. Mas eu tinha que gravar o disco lá. Eu gravei tudo num gravador pequenininho. Um produtor pegou essas músicas e levou para o Brasil, onde o César Camargo Mariano escreveu os arranjos. Esses arranjos chegaram de volta na Itália e eu botei minha voz em cima, sem que falasse com o César Camargo. Falar por telefone era muito complicado e caro. Então foi feito assim o disco. É um disco complicado esse.


Você acabou de citar o Le Monde. Para nós, que trabalhamos com comunicação, sempre existiu uma crítica pesada contra os veículos de massa no Brasil. Você acha que existe um plano cruel para imbecilizar o brasileiro?/span>

Não, não acredito em nenhuma teoria conspiratória e nem sou paranoico. Agora, aí é a questão do ovo e da galinha. Você não sabe exatamente. Os meios de comunicação vão dizer que a culpa é da população, que quer ver esses programas. Bom, a TV Globo está instalada no Brasil desde os anos 60. O fato de a Globo ser tão poderosa, isso sim eu acho nocivo. Não se trata de monopólio, não estou querendo que fechem a Globo. E a Globo levanta essa possibilidade comparando o governo Lula ao governo Chavez. Esse exagero.


Você acha que a mídia ataca o Lula injustamente?/span>

Nem sempre é injusto, não há uma caça às bruxas. Mas há uma má vontade com o governo Lula que não existia no governo anterior.

E o que você acha da entrevista recente do Caetano Veloso, onde ele falou mal do Lula e depois acabou sendo desautorizado pela própria mãe?

Nossas mães são muito mais lulistas que nós mesmos. Mas não sou do PT, nunca fui ligado ao PT. Ligado de certa forma, sim, pois conheço o Lula mesmo antes de existir o PT, na época do movimento metalúrgico, das primeiras greves. Naquela época, nós tínhamos uma participação política muito mais firme e necessária do que hoje. Eu confesso, vou votar na Dilma porque é a candidata do Lula e eu gosto do Lula. Mas, a Dilma ou o Serra, não haveria muita diferença.

O que você tem escutado?

Eu raramente paro para ouvir música. Já estou impregnado de tanta música que eu acho que não entra mais nada. Na verdade, quando estou doente eu ouço. Inclusive ouvi o disco do Terça Feira Trio, do Fernando do Cavaco, e gostei. Nunca tinha visto ou ouvido formação assim. Tem ao mesmo tempo muita delicadeza e senso de humor.

A música francesa te influenciou de alguma maneira?

Eu ouvi muito. Nos anos 50, quando comecei a ouvir muita música, as rádios tocavam de tudo. Muita música brasileira, americana, francesa, italiana, boleros latino americanos. Minha mãe tinha loucura por Edith Piaf e não sei dizer se Piaf me influenciou. Mas ouvi muito, como ouvi Aznavour.

O que me tocou muito foi Jacques Brel. Eu tinha uma tia que morou a vida inteira em Paris. Ela me mandou um disquinho azul, um compacto duplo com Ne me quitte pas, La valse à mille temps, quatro canções. E eu ouvia aquilo adoidado. Foi pouco antes da bossa nova, que me conquistou para a música e me fez tocar violão. As letras dele ficaram marcadas para mim.

Eu encontrei o Jacques Brel depois, no Brasil. Estava gravando Carolina e ele apareceu no estúdio, junto com meu editor. Eu fiquei meio besta, não acreditei que era ele. Aí eu fui falar pra ele essa história, que eu o conhecia desde aquele disco. Ele disse “é, faz muito tempo”. Isso deve ter sido 1955 ou 56, esse disquinho dele. Eu o encontrei em 67. Depois, muito mais tarde, eu assisti a L’homme de la mancha, e um dia ele estava no café em frente ao teatro. Eu o vi sentado, olhei pra ele, ele olhou pra mim, mas fiquei sem saber se ele tinha olhado estranhamente ou se me reconheceu. Fiquei sem graça, pois não o queria chatear. Ele estava ali sozinho, não queria aborrecer. Mas ele foi uma figuraça. Eu gostava muito das canções dele. Conhecia todas.

Falando de encontros geniais, você tem uma foto com o Bob Marley. Como foi essa história?

Foi futebol. Ele foi ao Brasil quando uma gravadora chamada Ariola se estabeleceu lá e contratou uma porção de artistas brasileiros, inclusive eu, e deram uma festa de fundação. O Bob Marley foi lá. Não me lembro se houve show, não me lembro de nada. Só lembro desse futebol. Eu já tinha um campinho e disseram “vamos fazer algo lá para a gravadora”. Bater uma bola, fazer um churrasco, o Bob Marley queria jogar. E jogamos, armamos um time de brasileiros e ele com os músicos. Corriam à beça.

Vocês fumaram um baseado juntos?

Não. Dessa vez eu não fumei.

E essa sua migração para escritor, isso é encarado como um momento da sua vida, já era um objetivo?

Isso não é atual. De vinte anos pra cá eu escrevi quatro romances e não deixei de fazer música. Tenho conseguido alternar os dois fazeres, sem que um interfira no outro.

Eu comecei a tentar escrever o meu primeiro livro porque vinha de um ano de seca. Eu não fazia música, tive a impressão que não iria mais fazer, então vamos tentar outra coisa. E foi bom, de alguma forma me alimentou. Eu terminei o livro e fiquei com vontade de voltar à musica. Fiquei com tesão, e o disco seguinte era todo uma declaração de amor à música. Começava com Paratodos, que é uma homenagem à minha genealogia musical. E tinha aquele samba (cantarola) “pensou, que eu não vinha mais, pensou”. Eu voltei pra música, era uma alegria. Agora que terminei de escrever um livro já faz um ano, minha vontade é de escrever música. Demora, é complicado. Porque você não sai de um e vai direto para outro. Você meio que esquece, tem um tempo de aprendizado e um tempo de desaprendizado, para a música não ficar contaminada pela literatura. Então eu reaprendo a tocar violão, praticamente. Eu fiquei um tempão sem tocar, mas isso é bom. Quando vem, vem fresco. É uma continuação do que estava fazendo antes. Isso é bom para as duas coisas. Para a literatura e para a música.

Tanto em Estorvo quanto em Leite derramado o leitor tem uma certa dificuldade em separar o real do imaginário. Você, como seus personagens, derrapa entre essas duas realidades?

Eu? O tempo todo, agora mesmo eu não sei se você esta aí ou se eu estou te imaginando (gargalhadas).

Completamente. Eu fico vivendo aquele personagem o tempo todo. Entrando no pensamento dele. Adquiro coisas dele. Você pode discordar, mas chega uma hora que tem que criar uma empatia ou uma simpatia. Você cria uma identificação. E alguma coisa no gene é roubado mesmo de mim, algumas situações, um certo desconforto, não saber bem se você é real, se você está vivendo ou sonhando aquilo. Por exemplo, agora que ganhamos de 10 a 1 (referência à pelada que jogamos três dias antes), eu saí da quadra e falei: “acho que eu sonhei. Não é possível que tenha acontecido” (risos).

Você é fanático por futebol?

Não sou fanático por nada. Mas eu tenho muito prazer em jogar futebol. Em assistir ao bom futebol, independentemente de ser o meu time. Quando é o meu time jogando bem, é melhor ainda, pois eu consigo torcer. Agora mesmo, no Brasil, tinha os jogos do Santos.

Mas eu vou menos aos estádios. Eu não me incomodo de andar na rua, mas quando você vai a alguns lugares, tem que estar com o cabelo penteado, tem que estar preparado para dar entrevistas. Aqui, eu estou dando a minha última (risos). Aqui, é exclusiva. Fiz pra Brazuca e mais ninguém. Eu quero ver o pessoal jogar bola. Então eu vejo na televisão. E quando não estou escrevendo, aí eu vejo bastante.

É verdade que um dia o Pelé ligou na sua casa, lamentando os escândalos políticos no Brasil, e disse “é, Chico, como diz aquela música sua: ‘se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão’”?

É verdade (risos). Eu falei “legal, Pelé, mas essa música não é minha”. O Pelé é uma grande figura. Nós gravamos um programa juntos. Brincamos muito. Conheci o Pelé quando eu fazia televisão em São Paulo, na TV Record, e me mudei para o Rio. Os artistas eram hospedados no Hotel Danúbio, em São Paulo. O mesmo onde o Santos se concentrava. Então, eu conheci o Pelé no hotel. E sempre que a gente se encontra é igual, porque eu só quero falar de futebol e ele só quer saber de música. Ele adora fazer música, adora cantar, adora compor. Por ele, o Pelé seria compositor.

E você, trocaria o seu passado de compositor por um de jogador?

Trocaria, mas por um bom jogador, que pudesse participar da Copa do Mundo. Um pacote completo. Um jogador mais ou menos, aí não.

Você ainda pretende pendurar as chuteiras aos 78 anos, como afirmou?

Não. Já prorroguei. Tava muito cedo. Agora, eu deixei em aberto. Podendo, vou até os 95 (risos).

O Niemeyer está com 102 anos e continua trabalhando. Aliás, não só trabalhando como ainda continua com uma grande fama de tarado (risos).

Ele me falou isso. Eu fui à festa dele de 90 anos e ele me disse: “o importante é trabalhar e ó (fez sinal com a mão, referente a transar)”. Aí eu falei “é mesmo?” e ele respondeu “é mesmo”.

Falando nisso, o Vinícius foi casado nove vezes. Você acha a paixão essencial para a criação?

Sem dúvida. Quando a gente começa – isso é um caso pessoal, não dá pra generalizar – faz música um pouco para arranjar mulher. E hoje em dia você inventa amor para fazer música. Se não tiver uma paixão, você inventa uma, para a partir daí ficar eufórico, ou sofrer. Aí o Vinícius disse muito bem, né? “É melhor ser alegre que ser triste… mas pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza, é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não”.

Quando eu falo que você inventa amores, você também sofre por eles. “E a moça da farmácia? Ela foi embora! Elle est partie en vacances, monsieur!”. E você não vai vê-la nunca mais. Dá uma solidão. Eu estou fazendo uma caricatura, mas essas coisas acontecem. Você se encanta com uma pessoa que você viu na televisão, daí você cria uma história e você sofre. E fica feliz e escreve músicas.

Pra finalizar. Se você fosse escrever uma carta para o seu caro amigo hoje, o que você diria?

Volta, que as coisas estão melhorando!

A entrevista foi publicada originalmente na revista Brazuca, uma publicação bilíngue sobre cultura brasileira que circula em Paris e Bruxelas. A partir de 3 de maio, a degravação completa estará disponível no site de Brazuca. Também lá, é possível baixar em pdf, desde já, a edição completa de março-abril (inclusive com as fotos de Chico…)

Daniel Cariello, editor de Brazuca e co-autor da entrevista, é colaborador regular da Biblioteca Diplô /Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui. A reestreia, em que Daniel fala sobre a entrevista com Chico, aqui.

Thiago Araújo é diretor de Brazuca.



Fonte: "Revista Le Mondé Diplomatique" em 29.04.2010

quarta-feira, 24 de março de 2010

O Centenário de Akira Kurosawa

23/03/2010

Do Blog de Gregório Macedo

Cem anos do Samurai

O cineasta Akira Kurosawa nasceu em Tóquio em 23.03.1910. Antes de se dedicar ao cinema, foi pintor e ilustrador – e bom ilustrador, a ponto de, anos depois, ele mesmo desenhar cenas diversas de seus filmes, especialmente paineis sobre batalhas.

Quando tinha 18 anos, Kurosawa foi surpreendido pelo suicídio de uma de suas irmãs, quatro anos mais velha, que trabalhava como “benshi” (narradora de cinema mudo) e não resistiu à extinção de sua profissão. Superada a crise (mas não a ‘compulsão’, que quatro décadas adiante irromperia), tempos depois foi contratado como assistente de direção; estreava, enfim, no cinema, que exercitou até o fim, em setembro de 1998.

Ligado em história, no perfil dos samurais, na busca da verdade e na honra do ser humano, dirigiu mais de trinta filmes. Entre 1950, quando ganhou o Leão de Ouro do Festival de Veneza com “Rashomon”, e 1990, em que foi homenageado com um Oscar pelo conjunto da obra, recebeu vários outros prêmios em festivais como os de Berlim e Cannes, em face de filmes consagrados, com destaque para “Dersu Uzala”, “Os Sete Samurais”, “Ran” e “Kagemusha, a Sombra de um Samurai”.

Fonte: Blog do Luis Nassif em 23.03.2010

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Akira Kurosawa, Kurosawa Akira, (Tóquio, 23 de Março de 1910 – Setagaya, 6 de Setembro de 1998) foi um dos cineastas mais importantes do Japão, e seus filmes influenciam uma grande geração de diretores do mundo todo. Com uma carreira de cinquenta anos, Kurosawa dirigiu 30 filmes. É amplamente considerado como um dos cineastas mais importantes e influentes da história do cinema. Em 1989, foi premiado com o Oscar pelo conjunto de sua obra "pelas realizações cinematográficas que têm inspirado, encantado, enriquecido e entretido o público em todo o mundo e influenciado cineastas de todo o mundo."[1]

Juventude

O mais novo de oito filhos de Shima e Isamu Kurosawa, nasceu num subúrbio de Tóquio em 23 de março de 1910.[2][3] Shima Kurosawa tinha 40 anos de idade na época do nascimento de Akira e seu pai, Isamu, tinha 45. Cresceu numa família com três irmãos mais velhos e quatro irmãs mais velhas. De seus três irmãos mais velhos, um morreu antes de Akira nascer e um já estava crescido e fora do lar. Uma das suas quatro irmãs mais velhas também havia deixado a casa para formar a sua própria família antes de Kurosawa nascer. A irmã que nascera logo antes de Kurosawa, a quem ele chamava de "Pequena Grande Irmã", também morreu repentinamente após uma curta doença quando ele tinha 10 anos de idade.

O pai de Kurosawa trabalhava como diretor de uma escola secundária dirigida pelos militares japoneses e os Kurosawas descendiam de uma linhagem de antigos samurais. Financeiramente, a família estava acima da média. Isamu Kurosawa gostava da cultura ocidental, dirigindo programas atléticos e levando a família para ver filmes ocidentais, que estavam naquela época apenas começando a aparecer nos cinemas japoneses. Mais tarde, quando a cultura japonesa se afastou dos filmes ocidentais, Isamu Kurosawa continuou a acreditar que os filmes foram uma experiência positiva de ensino.

Kurosawa inicialmente tentou ser pintor. Após se formar no Ginásio Keika, frequentou o Centro de Pesquisas de Arte Proletária no ano de 1928, aos 18 anos. A investida pictorial não funcionou, devido à falta de dinheiro, mas suas características artísticas o acompanharam durante toda a sua trajetória no cinema, onde ele pintava quadros como "storyboards" de seus filmes.[4] Mesmo assim continuou com sua paixão pelas artes, principalmente a literatura; de onde tirou inspiração para a grande maioria de suas obras. Sofreu também grande influência da irmã, Heigo, quatro anos mais velha, na sua paixão por cinema. Heigo trabalhava como Benshi, uma espécie de "narradora de filmes" do início do século no Japão. Infelizmente, com o advento dos filmes sonoros a profissão de narradora se tornou obsoleta, e Heigo viu-se sem emprego. O fato deprimiu tanto a irmã de Kurosawa que ela acabou se suicidando com um tiro no peito esquerdo aos 22 anos de idade. Kurosawa demorou para aceitar o ocorrido, mas se recuperou alguns anos depois e ingressou de vez na carreira cinematográfica. Em 1936 viu um anúncio no jornal para um teste de assistente de diretor e desde então não parou mais de trabalhar em filmes. De 1943 a 1965, foram vinte e quatro dirigidos por ele.

Seu primeiro trabalho foi Sugata Sanshiro (1943) e o último foi "Depois da Chuva" (Ame agaru) (1999) concretizado postumamente por Takashi Koizumi, seu discípulo. Foi o introdutor do gênero samurai no cinema, com temas como a honra acima de tudo. Sofrendo de fadiga mental em 1971, tentou frustradamente suicidar-se cortando os pulsos por mais de trinta vezes. Em 1985, o Festival de Cinema de Cannes homenageou-o pelo seu filme "Ran" do qual ele mesmo dizia que era a "obra de sua vida". "Ran" foi baseado em adaptações do livro Rei Lear de William Shakespeare. Kurosawa também adaptou obras do russo Dostoiévski. Muitos de seus filmes tiveram refilmagem na Europa e EUA.

Filmografia

* 1993 - Madadayo (br.: Madadayo; pt.: Ainda Não!)
* 1991 - Hachi-gatsu no kyôshikyoku (Rapsódia em Agosto)
* 1990 - Yume (Sonhos)
* 1985 - Ran (Os Senhores da Guerra)
* 1980 - Kagemusha (A Sombra de um Samurai)
* 1975 - Dersu Uzala (A Águia das Estepes)
* 1970 - Dodesukaden (O Caminho da Vida)
* 1965 - Akahige (O Barba Ruiva)
* 1963 - Tengoku to jigoku (Céu e Inferno)
* 1962 - Tsubaki Sanjûrô (Sanjuro)
* 1961 - Yojimbo (O Guarda-Costas)
* 1960 - Warui yatsu hodo yoku nemuru (Homem Mau Dorme Bem)
* 1958 - Kakushi toride no san akunin (A Fortaleza Escondida)
* 1957 - Donzoko (Ralé)
* 1957 - Kumonosu-jō (Trono Manchado de Sangue)
* 1955 - Ikimono no kiroku (Vivo no Medo)
* 1954 - Shichinin no samurai (Os Sete Samurais)
* 1952 - Ikiru (Viver)
* 1951 - Hakuchi (O Idiota)
* 1950 - Rashōmon (Às Portas do Inferno)
* 1950 - Shubun (O Escândalo)
* 1949 - Nora Inu (Cão Danado)
* 1949 - Shizukanaru ketto (Duelo silencioso)
* 1948 - Yoidore tenshi (O Anjo Embriagado)
* 1947 - Subarashiki nichiyobi
* 1946 - Waga seishun ni kuinashi (Não Lamento Minha Juventude)
* 1946 - Asu o tsukuru hitobito
* 1945 - Tora no o wo fumu otokotachi
* 1945 - Zoku Sugata Sanshiro
* 1944 - Ichiban utsukushiku
* 1943 - Sugata Sanshiro (A Saga do Judô)


Prêmios e indicações

* Ganhou um Oscar honorário em 1990, concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
* Recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Diretor, por "Ran" (1985).
* Ganhou o BAFTA de Melhor Filme Estrangeiro, por "Ran" (1985).
* Recebeu uma indicação ao BAFTA de Melhor Filme, por "Kagemusha, a Sombra de um Samurai" (1980).
* Ganhou o BAFTA de Melhor Diretor, por "Kagemusha, a Sombra de um Samurai" (1980).
* Recebeu uma indicação ao BAFTA de Melhor Roteiro Adaptado, por "Ran" (1985).
* Recebeu 2 indicações ao Cesar, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, por "Kagemusha, a Sombra de um Samurai" (1980) e "Ran" (1985). Venceu em 1980.
* Ganhou a Palma de Ouro, no Festival de Cannes, por "Kagemusha, a Sombra de um Samurai" (1980).
* Ganhou o Urso de Prata, no Festival de Berlim, por "A Fortaleza Escondida" (1958).
* Ganhou o Prêmio FIPRESCI, no Festival de Berlim, por "A Fortaleza Escondida" (1958).
* Ganhou o Leão de Ouro, no Festival de Veneza, por "Rashomon" (1950).
* Ganhou o Leão de Prata, no Festival de Veneza, por "Os Sete Samurais" (1954).
* Ganhou o Prêmio OCIC, no Festival de Veneza, por "O Barba Ruiva" (1965).
* Ganhou um Leão de Ouro, em homenagem à sua carreira, no Festival de Veneza.
* Ganhou o Prêmio Bodil de Melhor Filme Europeu, por "Ran" (1985).


terça-feira, 2 de março de 2010

Ataque ao Carnabranco

Carlinhos Brown rebate Caetano e diz que o negro virou “exótico” na festa da Bahia

21/02/2007

Sérgio Maggio
Enviado especial


Salvador – Uma panela de pressão gigante, com pipocas até pelas bordas, atravessou o circuito Barra-Ondina, na madrugada da terça-feira. Atrás dela, o cacique Carlinhos Brown dava o comando: “Deixem que o povo empurre”. No chão, o artista ofereceu 30 mil tiaras para que os foliões acompanhassem o trio elétrico Pipocão, mais uma novidade do criador que quer devolver à Bahia a alegria original de se brincar na rua sem pagar até R$ 1 mil por um abadá e, assim, ter direito a um cercadinho feito por cordas que separam turistas dos moradores da cidade. “As cordas amarram, aprisionam. Como artista, minha modesta contribuição é devolver ao povo o que eu recebi. Não peço para que todos sigam essa proposta. Mas que respeitem a minha opção de institucionalizar as ruas como espaço livre para quem está impedido de seguir atrás do trio”, anunciou.

Carlinhos Brown é voz na contramão do carnaval industrial, que tomou corpo na Bahia. Ano passado, ele falou de apartheid diante do camarote do ministro da Cultura, Gilberto Gil, ao se referir à população pobre e negra de Salvador, excluída da festa. Neste ano, voltou ao tema no começo do carnaval, e provocou uma reação de Caetano Veloso. “Essa mania de ver apartheid em tudo é doente”, disse o compositor baiano. Na madrugada de terça, Brown retomou o assunto. “Caetano não mora na Bahia! Ele não sabe o que é isto aqui” , afirmou ao Correio. “Querem o que para Bahia? O Carnabranco! Que a gente pare de pedir a paz? Perdemos o espaço. O negro é o exótico da festa. Tudo o que resta é falso.

O fato é que Carlinhos Brown tem autoridade para falar sobre exclusão. Além de intenso trabalho educacional e social, ele mais uma vez faz a diferença no carnaval previsível dos blocos de trio. Além do Pipocão, criou o programa mais quente da folia deste ano: o Baile du Bloco Parado, no antigo Mercado de Ouro, local que ele transformou no Museu du Ritmo. Das músicas que mais tocaram no carnaval deste ano, seis são de autoria de Brown. Cachaça é forte candidata a hino da folia.

Navio negreiro

Em Salvador, é crescente a discussão sobre os rumos do carnaval. Frases como “Todo bloco de corda tem um pouco de navio negreiro” e “Ontem, era a escravidão. Hoje, o racismo” foram estampadas no desfile da Mudança do Garcia, tradicional bloco, que data dos anos de 1920. Sem cordas, populares e ativistas do movimento civil organizado entraram no circuito da festa com protesto. “A praça não é mais do povo”, reclamou o poeta Marcos Peralva, caracterizado de Castro Alves. “O que você enxerga é um mar de brancos cercado por negros de todos os lados”, observa a pesquisadora da Universidade Federal da Bahia Ana Alice Costa.

Na concentração dos blocos, a constatação é evidente. Sentados no chão, aguardando a saída dos trios, só afrodescendentes. Babá, jovem negro de cabelos tingidos de loiro, ganha R$ 18 por noite para puxar as cordas de quem pagou R$ 800. “A gente ganha também uma garrafa de quente, um biscoito e um suco com data de validade vencida. A verdade tem que ser dita. Há racismo aqui dentro. Ontem, uma gringa passou a mão nos braços, com cara de nojo, porque uma cordeira suada encostou nela. Xinguei ela de tudo quanto foi nome, mas ela não entendeu nada”, conta o rapaz.

Em coletiva de avaliação da folia, o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), declarou que “o povo, no carnaval, trabalha e se diverte”. “Essa afirmação é infame”, critica Ana Costa. “Um menino que cata latinhas e dança ao mesmo tempo pode até brincar, mas está configurada a exclusão. Não entendo por que o poder público precisa subsidiar os milionários blocos da Bahia.” Depois do início da polêmica, o governador anunciou revisão nos critérios de subsídios para tentar deixar o carnaval “mais democrático”.

Ana Lúcia Castro, 20 anos, com cabelos de trancinhas e corpo esguio de modelo, aceitou puxar as cordas pela primeira vez. Foi a maneira que arranjou para “brincar” ao som da banda Asa de Águia. “Os fiscais não deixam a gente dançar. Pode remexer, mas tem que segurar o tempo inteiro as cordas”, revela. Curiosamente, a imagem da linda garota está estampada no bairro de Itapoã. Ela foi fotografada por Sérgio Guerra, na mostra Negroamor, que espalhou por Salvador a beleza do seu povo preto, na tentativa de melhorar a auto-estima daqueles que constituem a maioria da população soteropolitana. São as contradições da primeira capital do Brasil.


Fonte Jornal "Correio Braziliense" de 21.02.2007

Brasília tem o menor cinema do mundo – Cabíria Cine-Café

O Cabíria Cine-Café, considerado o menor cinema do mundo pelo Guiness Book, edição 2010, é um local interessante para conhecer e apreciar bons filmes, e o melhor – zerooitocentos, de graça. Mas é aconselhável levar uma graninha, pois o lugar tem comidinhas deliciosas e uma cerveja honesta. O mini-cine, que recém completou um ano, também oferece curso de barista e abre para exposições, saraus, exibições de produção independente, festival de curtas, entre outras atividades Cult-urais. Às terças-feiras, rola o Cabíria Champagne, com uma impecável contribuição musical do Dj Oops (Só Som Salva) e, como convidados para cantar em sua vitrola-super-in, sumidades que vão de Ella Fitzgerald a Piaf, de Roberto Carlos a Frank Sinatra. E tudo isso entre uma tacinha de espumante de cinco contos a outra e, claro, acompanhada de uma comidinha-preço-amigo. Durante os outros dias da semana, quase sempre rola uma bandinha legal, uns poetas-não-chatos e o local enche com pessoas sorridentes e falantes.

Segundo Renata Agostinho, a piloto da nau, ” O Cabíria é um espaço aberto à arte em todas as suas expressões, não só o Cinema. Aqui, cada dia é mais um capítulo, mais uma cena de uma história feliz – e inusitada.” O Cabíria fica na 413 Norte e funciona das 18h a uma da manhã e é tooodo decorado com o temas da sétima arte, um mimo.

PROGRAMAÇÃO DA SEMANA

TERÇA , 2/MARÇO

CABÍRIA CHAMPAGNE

QUARTA , 3/MARÇO

CINEMA RESERVADO!!!*

QUINTA, 4/março

“JANELA DA ALMA”

titulo original: (Janela da Alma)

lançamento: 2002 (Brasil)

direção: João Jardim , Walter Carvalho

atores: José Saramago , Wim Wenders , Hermeto Pascoal , Antônio Cícero , Paulo Cezar Lopes

duração: 73 min

SEXTA, 5/MARÇO

CINEMA RESERVADO!!!*

SÁBADO, 6/MARÇO

“PERSÉPOLIS”

(Persepolis)

lançamento: 01/01/2007

direção: Vincent Paronnaud , Marjane Satrapi

duração: 95 min

Animação.


Para saber mais sobre o Menor Cinema do Mundo, acesse: http://cabiriacinecafe.blogspot.com.


Fonte: Site da Marina Mara

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Morre o cantor de música caipira Pena Branca, aos 70 anos

Artista, que ficou famoso ao lado do irmão, Xavantinho, teve infarto em sua casa, na zona norte de São Paulo

Por: Fábio M. Michel
Publicado em 09/02/2010, 11:39



O cantor Pena Branca, durante entrevista à Revista do Brasil, em 2007. Foto: Jailton Garcia

O cantor José Ramiro Sobrinho, conhecido como Pena Branca, morreu na noite de segunda-feira (8), aos 70 anos, vítima de infarto, em sua casa, na zona norte da cidade de São Paulo. O corpo do artista será enterrado nesta terça (9), na capital.

A carreira de Pena Branca começou em 1961, quando a dupla que formara com seu irmão Ranulfo começou a se apresentar em diversos clubes de música caipira pelo interior do país. Só em 1968, porém, começaram a fazer sucesso, depois de mudarem para São Paulo, onde conheceram outras duplas já consagradas, como Tonico e Tinoco e Milionário e José Rico.

O primeiro disco, um compacto simples, foi lançado em 1970, e trazia a canção "Saudade" no lado A. Durante os primeiros anos da década de 1970 eles fizeram vários shows de abertura para as apresentações de Tonico e Tinoco, que já eram os maiores expoentes do gênero no país. Mais tarde, Pena Branca e Xavantinho passaram a tocar para grandes platéias como atração principal. Em 1987 lançaram o CD "Cio da Terra", que teve participação de Milton Nascimento.

A dupla acumulou vários prêmios, entre eles cinco Sharp e encerrou prematuramente a carreira em 1999, com a morte de Xavantinho. Pena Branca seguiu gravando e se apresentando sozinho e chegou a conquistar um Grammy em 2001.
Memória

A edição número 15 da Revista do Brasil, de agosto de 2007, publicou uma boa e exclusiva conversa com um dos maiores representantes da música caipira, considerada por muitos a mais genuinamente brasileira modalidade musical.
Leia abaixo o conteúdo completo da entrevista de Pena Branca:

O mano mais véio

Um dia o Zé Mulato falou: ‘Vamu dá um incentivo pra essa molecada cantá as nossa moda de raiz porque é muito bão!’ Passou um tempo e ele soltou esta: ‘Precisamo dá um jeito, essa molecada tá tocano viola demais, não tá sobrano pra gente. Tem que matá um poco!’

Por: Walter de Sousa

Publicado em 25/08/2007

A expressão “mano véio” tem sido usada como um pronome de tratamento por toda uma geração recente de violeiros. Especialmente aqueles que, a partir do início da década de 80, mantiveram um pé na chamada Música Popular Brasileira e uma viola debaixo do braço: Renato Teixeira, Almir Sater, Vital Farias, entre outros. Pois Pena Branca é o mais véio dos manos. Foi em dupla com o irmão Xavantinho que gravou, em 1981, Cio da Terra, de Chico Buarque e Milton Nascimento, a primeira de muitas canções de compositores da MPB que registraram nas décadas seguintes. Enfim, eles conseguiram “acaipirar” a MPB.

A mistura, sempre intercalada por temas folclóricos em seus discos, acabou gerando um público jovem que ainda hoje freqüenta e admira os seus shows. Aos 68 anos, José Ramiro Sobrinho, o Pena Branca, num caso mais que raro, segue carreira solo, após perder o irmão em 1999. Na verdade Xavantinho (Ranulfo Ramiro da Silva) continuou sendo seu parceiro, tanto que os dois discos que Pena Branca gravou sozinho tiveram canções assinadas pelos dois irmãos. O primeiro deles chegou a ser contemplado com o Grammy Latino em 2001.

Agora preparando novo disco, o mano véio recebeu a reportagem da Revista do Brasil em sua casa paulistana, no bairro do Jaçanã – a outra casa, que é a oficial, fica em Uberlândia (MG), que “considera” sua cidade natal. E contou um pouco da sua história, que é também a síntese da história da música caipira, em suas nuances e transformações. Revelou ainda as novidades do próximo disco: uma toada, um chamamé e a regravação da já clássica Cuitelinho (A sua saudade corta como aço de navaia/ O coração fica aflito, bate uma outra faia...), tema de domínio público recolhido por Paulo Vanzolini, que enviou ao violeiro novos versos para serem acrescentados à versão original.

O que é música caipira?
Olha, tem o caipira da festa junina, aquele camarada com a calça rancheira e a camisa xadrez, que passa aquela imagem do caboclo desdentado. Mas não é nada disso. E tem esse caipira de quem nós fazemos história cantando, contando a sua vida. Pra mim é como se fosse uma roda de fogueira, como se fosse uma pousada de boiadeiro, contando histórias de caçadas de onça, contando causos... Agora nem se fala mais que a música é caipira, se fala “sertaneja”. Pra mim é moda raiz, porque é dela que se tira tudo o que se faz agora... Não é, mano véio?

A música caipira, então, tem que contar uma história?
Acho que sim. Por exemplo, Chico Mineiro (de Tonico e Tinoco). Você pode sentar numa cadeira e ouvir a letra da música contada: “Fizemos a última viagem, foi lá pro sertão de Goiás...” O caipira é um camarada sentido. Ele nasceu lá no meio da roça, trabalha de sol a sol. Mas é do trabalho dele que o pessoal da cidade mata a fome.

Você e seu irmão Xavantinho começaram a cantar ainda crianças?
Meu pai trabalhava numa fazenda e funcionava assim: o patrão tinha 30 vacas e só queria o leite; o que meu pai plantasse era dele. Meu pai não ganhava dinheiro do leite, só da plantação. Isso em Uberlândia (MG). Mas eu nasci do lado de cá do rio, sou meio mineiro, meio paulista. Depois de dez dias de nascido em Igarapava (SP) fomos para Uberlândia. Era uma época em que não se via dinheiro. Se trabalhava em troca de trabalho. Eu trabalhava pro vizinho e depois ele trabalhava pra mim. O patrão não pagava com dinheiro, dava a terra para fazer a horta. Meu pai era muito controlado. Ele plantava e na época da safra é que se fazia o acerto. Ali acontecia a festa de mutirão. No fim de semana chegavam 60, 80 homens, todos de enxada na mão, e limpavam o terreno. Quando era o fim da tarde, começo da noite, começava a música.

E se aprendia com as festas?
Na época o que se tocava era viola, violão e sanfona. Quando não tinha violão se usava cavaquinho. Meu pai tinha um luxo por um cavaquinho dele... Foi nele que comecei a aprender a tocar. Meu pai e meu tio gostavam de cantar e acabamos aprendendo mais por ver eles cantando. Naquela época só tinha rádio nas fazendas. E o que eu ouvia na época era a rádio Record de São Paulo. Lá se ouvia Raul Torres e Florêncio, Tonico e Tinoco...

De onde vem o formato de duplas?
Contam que o Cornélio Pires (pioneiro na gravação de moda de viola, em 1929) reunia um pessoal para cantar numa festa, chegava e escolhia: vocês dois vão cantar. Se um tinha uma voz considerada boa, ele chamava outro para ser o “ajudante”. Na Folia de Reis, por exemplo, tem a primeira e a segunda voz, a terceira e a quarta, até a quinta. Depois vem o “contrato” (contralto). Então sempre há a dupla na música de raiz.

E vocês participavam da Folia de Reis?
Aprendi mesmo a tocar vendo aqueles velhinhos tocando viola de cravelha na Folia de Reis. Aprendi assim e até hoje não entendo nada de partitura. Toco tudo de ouvido. Só estudei até o quarto ano na escola rural. Não consigo nem decorar logo a letra. Às vezes eu faço a letra e depois não consigo lembrar... Eu tinha um medo de professor... Chegava a tremer! Sempre fui cabeça dura mesmo! Já o Xavantinho era mais aberto.

Você foi pegar mesmo na viola com que idade?
Meu pai morreu em 1951 e tivemos que mudar para uma cidade perto de Uberlândia, Tupaciguara. Éramos sete irmãos, eu o mais velho, e minha mãe passou a lavar roupa para acabar de criar os filhos. Fui trabalhar numa charqueada – hoje se chama frigorífico –, eram três meses de serviço no matadouro e na fabricação do charque e acabava o serviço. Aí vinha um fazendeiro e levava a gente pra trabalhar na roça o resto do ano. Meu tio tinha um violão e pegávamos escondido dele para tentar aprender alguma coisa. Só conseguimos comprar dois violões em 1961!

E as duplas?
Eu cantei primeiro com o Osvaldo, o irmão que vinha depois de mim, e o Xavantinho cantava com o Antônio. Minhas irmãs também cantavam, mas as músicas do Aguinaldo Timóteo. Um dia eu e Xavantinho, já com os violões, decidimos cantar no rádio. Aprendemos a cantar ouvindo Tonico e Tinoco, Zico e Zeca, Vieira e Vieirinha, Raul Torres e Florêncio, Brinquinho e Briozo. O Xavantinho não sabia nada de violão. Falaram pra ele que se quisesse aprender a tocar era preciso pegar uma cobra. Na roça a gente sabe pegar uma cobra. Pegava uma forquilha, prensava a cabeça dela na areia e podia pegar que não tinha perigo. E depois tinha que soltar, não podia matar. Eu disse: não faço isso não.

E o Xavantinho?
Xavantinho fez, deixou a cobra se enrolar nos dedos dele e ficou “desembambado” no violão. Como eu tinha visto aqueles senhores da Folia com as violas, decidi comprar uma. Aprendi as posições com eles e fiquei mais controlado. Assim conseguimos cantar no programa da rádio Difusora de Uberlândia. Perguntaram o nome da dupla e dissemos os nossos nomes, José e Ranulfo. O apresentador, Zé do Bode, disse: “Vou colocar um nome pra vocês cantarem hoje: Peroba e Jatobá”. Cantamos uma moda do Leôncio e Leonel. E eles gostaram. Pediram pra gente voltar na outra semana. Chegamos em casa e já decidimos mudar o nome. Colocamos Barcelo e Barcelinho. Um dia ganhamos um programa, nas quartas-feiras. Nos nove anos seguintes cantamos nas três rádios de Uberlância, Difusora, Cultura e Educadora.

Quando saíram de lá?
Em 1968 o Xavantinho trabalhava numa transportadora. Um dia ele foi pro Canal de São Simão passar uma carga de um caminhão que tinha quebrado para outro, que foi socorrer. Lá ele decidiu seguir com o caminhão para São Paulo. Chegou na Vila Guilherme e lá ficou por um ano. Depois me escreveu: “Vem pra cá e traz as violas que aqui vai ser bom pra nós!” Cheguei aqui em 1969 e fui morar num cômodo que tinha no fundo da transportadora. Trabalhava até tarde e depois ensaiava. Nos fins de semana fomos descobrindo onde tinha os festivais de viola: São José dos Campos, Mogi das Cruzes, Taubaté e Guarulhos, onde ganhamos o nosso primeiro troféu.

Foi aí que vocês entraram para a Orquestra de Violas de Guarulhos?
Isso já foi em 1976, 1977. Aí tinha uns shows da orquestra com a Inezita Barroso. Em São Paulo tínhamos o nome de Xavante e Xavantinho. Mas aqui já existia um Xavante. Como em Uberlândia eu participava do Trio Pena Branca (Xavante, Xavantinho e Pinagi), passei a usar esse nome. Um dia a Inezita disse: “Meninos, vocês cantam tão bonito. O que estão fazendo aqui?” O Tinoco também foi cantar com a orquestra no Teatro Municipal de São Paulo e gostou da dupla. Disse: “Vocês só podem cantar um pouquinho mais baixo porque fica menos ardido!”

Justo ele, que tinha um dos registros mais altos da música caipira! Mas quando veio o primeiro disco?

Em 1980. Gravamos pra poder participar do festival da Globo, o MPB Shell.

Foi nesse disco que vocês gravaram o Cio da Terra?
Não, foi depois. O Xavantinho sempre gostou do Milton Nascimento. Passaram umas fitas pra ele que tinham Cio da Terra, Cantiga de Caicó, que é do Villa-Lobos, e Cuitelinho. Ele gostou de Cio da Terra e eu disse: “Isso não dá pra cantar, não. Como vou colocar outra voz aí?” Passamos uns dois anos pra tentar incrementar essa moda. E deu certo. Em meados de 1981 tinha o programa Som Brasil, do Rolando Boldrin. A gente já cantava o Cio da Terra nos shows e a produção do Boldrin descobriu. Aí mostrou uma gravação pro Milton Nascimento. Nosso primeiro encontro foi no palco do programa. O Milton foi logo dizendo que quando a gente fosse gravar em disco ele iria participar.

A partir dessa música vocês passaram a gravar várias canções de MPB no estilo da dupla. Vocês “acaipiraram” a música popular brasileira?
Quando gravamos o Cio da Terra já pegamos uma balaiada. Foi o Cuitelinho, Cantiga de Caicó... Depois veio O Ciúme, do Caetano Veloso. Nós entramos num ciclo tão interessante, mas sempre tentando, vendo se dava certo. Depois veio o Fagner, com Penas do Tiê e Vaca Estrela e Boi Fubá, o Djavan, Lambada de Serpente, e o Guilherme Arantes, Planeta Água. Eu preciso acordar e reviver tudo isso fazendo um show só com essas músicas. Mas foi com o Xavantinho que fiz esse trabalho tão sério. Acho que não vou dar conta de fazer de novo. Quando você faz uma cerca muito bem-feita, pode trocar algum poste que ficou apodrecido ou foi incendiado, porque o resto já está lá.

Você é um caso raro de uma dupla que se desfez com a morte de Xavantinho, mas que seguiu cantando sozinho, alcançando sucesso. Logo em seguida seu primeiro disco solo ganhou o Grammy Latino. Como foi essa passagem?
O disco Semente Caipira, que ganhou o Grammy, teve seu repertório escolhido por nós dois. Mas não deu tempo da gente gravar. Teve uma época em que o Xavantinho esteve internado e eu fiz os shows sozinho. Aí ele me disse: “Está de pé. Se você for seguir carreira sozinho, pode gravar o repertório”. Gravei. Depois muita gente perguntava se o disco era uma homenagem ao Xavantinho. Não é, ele é que ajudou a escolher o repertório. Na época até disse: “Se eu ainda tiver lenha pra queimar, vou fazer um disco só com as modas dele”. A gravadora gostou da idéia e falou que, se eu quisesse convidar outros músicos pra participar, estava valendo. Aí convidei o Chico Lobo, o Xangai e o Renato Teixeira.

Bom, agora você está preparando um novo repertório?
Vou gravar umas modas minhas e fazer umas três regravações. Cio da Terra não vai ser, porque foi feito e não tem jeito de refazer, já virou um clássico. Mas uma delas é o Cuitelinho, que é um apanhado tão interessante que sempre aparece um verso novo. Como é o Luar do Sertão (também um tema popular, embora registrado como de autoria de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco).

Uma nova geração de violeiros está surgindo, especialmente das orquestras de violas. Como a dupla Pena Branca e Xavantinho também veio de uma orquestra de violas, você acredita que elas são hoje uma escola que não vai deixar a música caipira morrer?
Sem dúvida. Cresceu demais. Você precisa ver nos meus shows como cresceu a participação da juventude. É o mesmo que acontece num show do Zezé Di Camargo e Luciano. Só que nos meus shows eles vêm mais conscientes. Vêm porque o pai, o avô ouvem... Uns falam assim: “Se eu soubesse que a moda de raiz era tão gostosa tinha vindo há mais tempo”. E tem uma geração de violeiro novo: Cláudio Lacerda, Pereira da Viola, Chico Lobo... As orquestras deram asas pra todo mundo. Tenho uma dupla de amigos lá de Brasília, Zé Mulato e Cassiano. Um dia o Zé Mulato falou: “Vamu dá um incentivo pra essa molecada cantá as nossa moda de raiz porque é muito bão!” Aí passou um tempo e numa outra entrevista ele soltou essa: “Ó, precisamo dá um jeito, essa molecada tá tocano viola demais, não tá sobrano pra gente não. Tem que matá um poco!” (risos).


Fonte: Revista Brasil Atual

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A história do Haiti é a história do racismo na civilização ocidental

Por Eduardo Galeano, em Resumen Latinoamericano, via Resistir.info

A democracia haitiana nasceu há um instante. No seu breve tempo de vida, esta criatura faminta e doentia não recebeu senão bofetadas. Era uma recém-nascida, nos dias de festa de 1991, quando foi assassinada pela quartelada do general Raoul Cedras. Três anos mais tarde, ressuscitou. Depois de haver posto e retirado tantos ditadores militares, os Estados Unidos retiraram e puseram o presidente Jean-Bertrand Aristide, que havia sido o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do Haiti e que tivera a louca ideia de querer um país menos injusto.

O voto e o veto
Para apagar as pegadas da participação estadunidense na ditadura sangrenta do general Cedras, os fuzileiros navais levaram 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide regressou acorrentado. Deram-lhe permissão para recuperar o governo, mas proibiram-lhe o poder. O seu sucessor, René Préval, obteve quase 90 por cento dos votos, mas mais poder do que Préval tem qualquer chefete de quarta categoria do Fundo Monetário ou do Banco Mundial, ainda que o povo haitiano não o tenha eleito nem sequer com um voto.

Mais do que o voto, pode o veto. Veto às reformas: cada vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede créditos internacionais para dar pão aos famintos, letras aos analfabetos ou terra aos camponeses, não recebe resposta, ou respondem ordenando-lhe:
– Recite a lição. E como o governo haitiano não acaba de aprender que é preciso desmantelar os poucos serviços públicos que restam, últimos pobres amparos para um dos povos mais desamparados do mundo, os professores dão o exame por perdido.

O álibi demográfico
Em fins do ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Mal chegaram, a miséria do povo feriu-lhes os olhos. Então o embaixador da Alemanha explicou-lhe, em Porto Príncipe, qual é o problema: – Este é um país superpovoado, disse ele. A mulher haitiana sempre quer e o homem haitiano sempre pode.

E riu. Os deputados calaram-se. Nessa noite, um deles, Winfried Wolf, consultou os números. E comprovou que o Haiti é, com El Salvador, o país mais superpovoado das Américas, mas está tão superpovoado quanto a Alemanha: tem quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.

Durante os seus dias no Haiti, o deputado Wolf não só foi golpeado pela miséria como também foi deslumbrado pela capacidade de beleza dos pintores populares. E chegou à conclusão de que o Haiti está superpovoado... de artistas.

Na realidade, o álibi demográfico é mais ou menos recente. Até há alguns anos, as potências ocidentais falavam mais claro.

A tradição racista
Os Estados Unidos invadiram o Haiti em 1915 e governaram o país até 1934. Retiraram-se quando conseguiram os seus dois objetivos: cobrar as dívidas do Citybank e abolir o artigo constitucional que proibia vender as plantations aos estrangeiros. Então Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar-se a si própria, que tem "uma tendência inerente à vida selvagem e uma incapacidade física de civilização". Um dos responsáveis pela invasão, William Philips, havia incubado tempos antes a ideia sagaz: "Este é um povo inferior, incapaz de conservar a civilização que haviam deixado os franceses".

O Haiti fora a pérola da coroa, a colônia mais rica da França: uma grande plantação de açúcar, com mão-de-obra escrava. No Espírito das leis, Montesquieu havia explicado sem papas na língua: "O açúcar seria demasiado caro se os escravos não trabalhassem na sua produção. Os referidos escravos são negros desde os pés até à cabeça e têm o nariz tão achatado que é quase impossível deles ter pena. Torna-se impensável que Deus, que é um ser muito sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, num corpo inteiramente negro".

Em contrapartida, Deus havia posto um açoite na mão do capataz. Os escravos não se distinguiam pela sua vontade de trabalhar. Os negros eram escravos por natureza e vagos também por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir o amo e o amo devia castigar o escravo, que não mostrava o menor entusiasmo na hora de cumprir com o desígnio divino. Karl von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, havia retratado o negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes dissolutos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, havia comprovado que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, tal como o papagaio que fala algumas palavras".

A humilhação imperdoável
Em 1803 os negros do Haiti deram uma tremenda sova nas tropas de Napoleão Bonaparte e a Europa jamais perdoou esta humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos haviam conquistado antes a sua independência, mas tinha meio milhão de escravos a trabalhar nas plantações de algodão e de tabaco. Jefferson, que era dono de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas também dizia que os negros foram, são e serão inferiores.

A bandeira dos homens livres levantou-se sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura do açúcar e arrasada pelas calamidades da guerra contra a França, e um terço da população havia caído no combate. Então começou o bloqueio. A nação recém nascida foi condenada à solidão. Ninguém lhe comprava, ninguém lhe vendia, ninguém a reconhecia.

O delito da dignidade
Nem sequer Simón Bolívar, que tão valente soube ser, teve a coragem de firmar o reconhecimento diplomático do país negro. Bolívar havia podido reiniciar a sua luta pela independência americana, quando a Espanha já o havia derrotado, graças ao apoio do Haiti. O governo haitiano havia-lhe entregue sete naves e muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos, uma ideia que não havia ocorrido ao Libertador. Bolívar cumpriu com este compromisso, mas depois da sua vitória, quando já governava a Grande Colômbia, deu as costas ao país que o havia salvo. E quando convocou as nações americanas à reunião do Panamá, não convidou o Haiti mas convidou a Inglaterra.

Os Estados Unidos reconheceram o Haiti apenas sessenta anos depois do fim da guerra de independência, enquanto Etienne Serres, um gênio francês da anatomia, descobria em Paris que os negros são primitivos porque têm pouca distância entre o umbigo e o pênis. Por essa altura, o Haiti já estava em mãos de ditaduras militares carniceiras, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa. A Europa havia imposto ao Haiti a obrigação de pagar à França uma indenização gigantesca, a modo de perdão por haver cometido o delito da dignidade.

A história do assédio contra o Haiti, que nos nossos dias tem dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.

Eduardo Galeano é escritor


Fonte: Revista "Caros Amigos" de 20.01.2010

"Vanguarda do atraso"

20/01/2010

Cynara Menezes


"O moderno aqui ficou só nos edifícios", constata tristemente o geógrafo gaúcho Aldo Paviani, pousando o olhar sobre Brasília, aonde chegou em 1969. Prestes a completar 50 anos, a capital criada por Juscelino Kubitschek, Lucio Costa e Oscar Niemeyer transformou-se numa melancólica contradição de si própria. O arrojo de sua arquitetura contrasta com uma prática política digna dos grotões mais atrasados do País: roubalheira, enriquecimento ilícito, domínio da mídia e do Legislativo, violência policial subjugando a população, voto de cabresto.

Como é que a moderna Brasília, nascida para tirar o Brasil do arcaísmo, projetada para incluir o País no Primeiro Mundo, se tornou terra de coronéis? No discurso de inauguração da capital, em abril de 1960, JK vislumbrava um destino civilizador para a recém-nascida “capital da esperança”, como a definiu o escritor francês André Malraux. Brasília, disse Juscelino, seria um “índice do alto grau de nossa civilização”. Nem podia imaginar que, cinquentona, sua criação seria, ao contrário, lançada à barbárie e às bestas-feras da política mais rastaquera.

As imagens de vídeo em que o governador José Roberto Arruda e auxiliares diretos recebem dinheiro e os acontecimentos subsequentes evidenciam que ingredientes típicos do velho coronelismo são utilizados pelos detentores do poder na capital. Na semana que passou, requintes de desfaçatez. Arruda conseguiu colocar aliados no domínio das comissões que vão investigá-lo. Como se não bastasse, o deputado distrital que apareceu para todo o Brasil colocando notas de dinheiro na meia, Leonardo Prudente, voltou a presidir a Câmara Legislativa para ajudar a salvar a pele do chefe.

No fim de 2009, policiais a cavalo apareceram nas telas de tevê pisoteando -manifestantes. “É a polícia mais bem paga do Brasil e uma verdadeira guarda pretoriana do governador”, diz o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília (UnB). Nos últimos dias, os soldados voltaram a reprimir as manifestações contra o governador, agarrando estudantes pelo pescoço em cenas dignas do auge do domínio de Antonio Carlos Magalhães sobre a Bahia. Não à toa, o finado coronel ACM e Arruda foram comparsas no episódio da violação do painel eletrônico do Senado, em 2001, que motivaria a renúncia e as lágrimas de crocodilo do atual governador do Distrito Federal.

Diante das denúncias reveladas pela imprensa nacional, causaram espécie as manchetes anódinas do Correio Braziliense, principal jornal da capital, que evitou até o último momento citar o nome do governador na primeira página. Na terça-feira 12, após a dominação por Arruda das comissões de investigação, o Correio titulava simplesmente: “Distritais instalam CPI”. A ligação umbilical do diário com o governador foi explicitada por CartaCapital em julho, na reportagem que revelou o contrato no valor de 2,9 milhões de reais entre o GDF e o Correio para a distribuição de exemplares do jornal nas escolas públicas.

O que se pratica hoje em Brasília é um coronelismo de asfalto”, define Paulo Kramer, para quem a razão do atraso político da capital está em seu próprio status de cidade-Estado. “Como ela vive basicamente da administração pública, reproduz uma estrutura onde o Estado é forte e a sociedade é fraca”, argumenta. “É de certa forma similar ao que aconteceu nos países do Leste Europeu na época da União Soviética.

Arruda é aprendiz de coronel, mas o grande mandachuva do Cerrado é outro. Deve-se a seu antecessor no cargo, Joaquim Roriz, a instalação e proliferação em Brasília da forma retrógrada de fazer política que tomou conta do DF. Eleito em 2006 com a promessa de fazer o oposto de Roriz, Arruda não só recaiu nas mesmas práticas como as aprimorou. “Pelo que se viu nas investigações, ele aperfeiçoou o modus operandi de Roriz”, afirma o cientista político David Fleischer, também da UnB.

Segundo Fleischer, a deterioração da política do DF pode ser explicada principalmente pelo baixo nível do eleitorado, com dois terços oriundos de outros Estados, baixa renda e baixa escolaridade. Presenteados com lotes por Roriz em quatro mandatos como governador, tornaram-se presa fácil de suas promessas, numa espécie de voto de cabresto onde a terra pública é o objeto de barganha. “No Nordeste, dão chinelos, dentaduras. Aqui deram terras”, compara o geógrafo Aldo Paviani.

De fato, desde que se tornou governador biônico, em 1988, e eleito outras três vezes, em 1990, 1998 e 2002, o goiano Joa-quim Roriz pautou suas administrações pela farta distribuição de lotes. Ele mesmo se orgulha de ser o responsável pela “construção” de sete novas cidades-satélites – na realidade, não houve planejamento urbano algum, apenas ocupação do espaço.

O mineiro José Aparecido, que o antecedeu como governador nomeado, havia feito o oposto, ao realizar a desastrada campanha Retorno com Dignidade, em 1987, que consistia basicamente em dar um banho no migrante ainda na rodoviária, cortar os cabelos e embarcá-lo de volta ao estado de origem. Roriz não só deu terra pública como atraiu mais migração ao defender uma política de “cada cidadão, um lote”, causando o inchaço da capital, atualmente com cerca de 2 milhões de habitantes.

No plano original de Lucio Costa, Brasília teria 600 mil habitantes no ano 2000, quando então começariam a surgir as cidades-satélites. Fora do papel, a primeira delas, Taguatinga, teve de ser criada para abrigar operários em 1958, antes mesmo de a capital ser inaugurada. Hoje, são 16 cidades ao redor do plano piloto, a maioria não planejada e por isso mesmo cheia de problemas. A ponto de Oscar Niemeyer dizer em entrevista recente que, ao se chegar às satélites saindo da cidade cheia de jardins que criou, “é uma merda”.

A estratégia de dominação de Roriz deu resultados. O número de eleitores na capital simplesmente dobrou nos últimos 20 anos. Eram cerca de 900 mil em 1990, quando ele se elegeu governador pela primeira vez. Em 2009, havia 1,7 milhão de eleitores. Índice bem superior à média nacional, em que o eleitorado aumentou 55,6% em idêntico período. Um exemplo do inchaço é a cidade-satélite de Samambaia, criada em 1989 e que possui agora mais de 200 mil habitantes e índices de violência igualmente crescentes.

Brasília foi construída literalmente sobre o nada, sobre o vazio demográfico e social”, analisa o historiador José Murilo de Carvalho, da UFRJ. “É uma cidade ainda sem povo político ou com povo político reduzido. É formada, no andar de cima, por funcionários públicos, dependentes dos governos federal e distrital, e, no andar de baixo, pelos herdeiros dos candangos que a construíram. Residentes em cidades-satélites, em precárias condições de emprego, são alvo fácil de políticas populistas.

Roriz que o diga. Envolvido em denúncias de corrupção em 2007, renunciou ao mandato de senador para evitar o processo de cassação, mas, ante as acusações contra Arruda, já aparece como franco favorito à sucessão. Na última pesquisa do Datafolha, divulgada em dezembro, tinha entre 44% e 48% dos votos, com possibilidade de eleição no primeiro turno. Único governador a não ter sido envolvido na bandalheira reinante, o atual senador Cristovam Buarque, não acredita, porém, que o baixo nível dos políticos na capital se deva apenas aos beneficiados por lotes.

Não são só pobres querendo lotes que elegem essa gente. São ricos querendo viadutos, também”, diz Buarque. Derrotado por Roriz em sua campanha à reeleição, em 1998, Cristovam chegou à conclusão de que água e esgoto não dão votos. Ele lembra que, com sua gestão voltada ao saneamento, à educação e à saúde, foi muitas vezes cobrado: “Cadê suas obras?

O senador, que diz não pretender se candidatar a governador novamente, conta a história ouvida de uma amiga ao perguntar a um rapaz que fazia campanha a favor de Roriz por que iria votar nele. “Porque Cristovam fez muito por onde moro, mas a mim mesmo não deu nada.” No DF, afirma o ex-governador, “infelizmente não há cidadania coletiva, é cada um querendo o benefício próprio. A população do plano piloto quer obras, as empresas de construção querem obras. E, como se vê, estão dispostas a pagar por fora se for preciso”.

Em Brasília existe uma relação muito íntima, viciada, entre o poder público e a iniciativa privada”, confirma o cientista político David Fleischer. Para ter um exemplo, foi divulgado agora que a mesma Via Engenharia responsável pela obra – superfaturada, diga-se – da nova sede da Câmara Legislativa do DF, teria doado 300 mil para a campanha de Arruda a governador. A sede, orçada em 23,6 milhões de reais, será inaugurada em fevereiro a um custo final de 100 milhões.

A Câmara Distrital é um caso à parte na Sucupira que se tornou a Brasília de Juscelino. Trata-se do Legislativo mais caro do País. Os deputados distritais recebem uma verba de gabinete maior do que a dos deputados federais, para fazer não se sabe bem o quê. “Não há político de Brasília que tenha contribuído com uma ideia, nada. É a política mais chã, mais primária, a que se pratica aqui”, opina o professor aposentado de Ciência Política da UnB Octaciano Nogueira.

Alguém pode argumentar que tampouco as demais câmaras e assembleias legislativas País afora funcionam a contento, e que são todas dominadas pelo Executivo, mas a de Brasília consegue se superar. Pelo menos nove dos 24 distritais tiveram os nomes e imagens envolvidos nas denúncias do mensalão do DEM. Dois deles, Benício Tavares e Júnior Brunelli, por incrível que pareça, já carregavam nas costas acusações de pedofilia e de ter ameaçado um colega de morte, respectivamente.

Até 1990, não havia eleição para governador e deputados distritais em Brasília, somente, a partir de 1986, para senadores e deputados federais. O administrador de Brasília era indicado pelo presidente da República, e as questões da cidade, decididas por uma comissão do Senado. Foi durante a Constituinte de 1988 que os brasilienses conseguiram a autonomia política para a capital.

O relator do projeto, o ex-deputado Sigmaringa Seixas, recorda que foi preciso vencer a enorme resistência dos parlamentares de outros estados, que comparavam a criação de uma Câmara Distrital com a histórica Gaiola de Ouro, como foi apelidada a Câmara de Vereadores do Rio quando era Distrito Federal.

Lembro que, nas reuniões finais, alguém virou-se para mim e disse: ‘Vamos aprovar este texto, mas um dia você terá um profundo arrependimento disso’”, conta Sigmaringa, garantindo não ter se arrependido. “Não tem sentido um governante sem ser eleito e é razoável a necessidade de uma Câmara Legislativa. O que ninguém imaginava é que houvesse tantos problemas.” Após as denúncias contra Arruda, não foram poucos os que levantaram a voz para defender que era melhor antes de haver eleições.

Todos os intelectuais ouvidos para esta reportagem disseram ter dúvidas sobre a eficiência do modelo adotado por Brasília, com governador e Câmara Legislativa. Os moradores de Washington, nos EUA, por exemplo, elegem o prefeito, mas há apenas conselheiros municipais, não deputados ou vereadores. Além do mais, embora autônoma, a capital obteve a es-drúxula vantagem de continuar recebendo repasses da União, cerca de 8 bilhões por ano. Ou seja, administrar a capital seria moleza se os políticos locais não se dedicassem a atividades menos nobres.

Curiosamente, quatro anos antes da promulgação da Carta que daria autonomia a Brasília, o pernambucano Fernando Lyra cunharia a expressão “vanguarda do atraso” para definir José Sarney quando este, oriundo da velha Arena, foi indicado a vice de Tancredo Neves. Tornado presidente, seria ninguém menos que Sarney o inventor de Joaquim Roriz, a quem foi buscar nos rincões de Goiás para nomeá-lo governador da capital.

Sigmaringa Seixas lembra, a culpa pela vinda de Roriz deve recair também sobre os parlamentares locais. “Imaturos”, recorda, os senadores e deputados da capital rejeitaram o primeiro nome indicado por Sarney, o do ex-senador Alexandre Costa, que exigia uma emenda constitucional para que pudesse voltar ao Senado depois que a primeira eleição direta se realizasse. Se fosse Costa, ficaria só dois anos. Roriz instalou-se no Distrito Federal para não mais sair. Por ironia do destino, desde então o epíteto “vanguarda do atraso” passou a caber em Brasília como uma luva.


Fonte: Revista "Carta Capital Nenhum comentário:

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"E Agora, José?" (charge de 1970 do Jaguar sobre o poema de Carlos Drummond de Andrade)



“Esta ilustração que fiz para os versos do Carlos Drummond de Andrade quase provocou a prisão do poeta. Tive um trabalho danado para convencer o general de Censura que publiquei o desenho sem pedir autorização do poeta.” (Jaguar)


Fonte: Livro "O Pasquim: Antologia 1969 - 1971" de 2006

A arte de investir em arte

Mercado de US$ 65 bilhões parece atraente, mas é preciso ficar atento com a pouca transparência e a não regulamentação.


Por Georgina Adam, do Financial Times
15/01/2010


AP

O quadro mais caro de Rembrandt foi vendido por US$ 29,5 milhões em leilão realizado na Christie's de Londres, no mês passado

O boom das artes ocorrido entre 2004 e 2007 proporcionou um crescimento tão incrível, especialmente da arte contemporânea, que não surpreende o fato de a arte estar sendo cada vez mais "commoditizada", agrupada em fundos e apresentada como uma classe de ativos alternativa. Mas enquanto a maioria das pessoas consegue reconhecer rapidamente um Picasso ou um Andy Warhol, elas têm um conhecimento muito menor das questões complexas inerentes ao comércio de algo que quase sempre é heterogêneo, num mercado pouco transparente e não regulamentado.

A editora do recém-lançado "Fine Art and High Finance", Clare Mcandrew, tem PhD em economia pelo Trinity College Dublin e comanda uma consultoria voltada para a economia das artes. Seu livro "The Art Economy", publicado em 2007, foi um guia do investidor para o mercado das artes. Este livro atualiza e amplia os tópicos abordados naquele volume. Após uma breve passagem pela história do mercado de arte moderna, a autora afirma que uma das características econômicas mais importantes do mercado é que ele é essencialmente conduzido pela oferta. "O aumento da demanda não consegue necessariamente aumentar a oferta, elevendo os preços em vez disso."

O mercado de arte, no entanto, é também difícil de ser quantificado e até mesmo seu tamanho, conforme observam vários colaboradores do livro, é apenas uma estimativa: US$ 65 bilhões em 2008, segundo Clare McAndrew. Além disso, como avaliar o preço de uma pintura quando quatro retratos que Picasso fez de Dora Maas, todos da década de 1940 e tamanhos comparáveis, podem ser vendidos por entre US$ 4,5 milhões e US$ 85 milhões num período de três anos?

Há muitas tentativas de estabelecer índices para as artes, nenhum deles completamente bem-sucedido. Conforme observa Roman Kräussl, da VU University de Amsterdã: "Todos os índices de preços para o mercado de arte são tendenciosos por causa dos problemas inerentes às informações disponíveis". Os únicos preços disponíveis são aqueles formados nos leilões, o que elimina cerca de 50% das transações, aquelas feitas pelos negociantes de arte. Depois de condensar publicações que vão de 1974 a 2008, Roman Kräussl conclui que "os estudos sobre os retornos proporcionados pelos investimentos em arte produziram resultados muito ambíguos".

Diante disso, pode parecer surpreendente que tantos fundos de arte tenham sido iniciados. Os lucros enormes que podiam ser conseguidos até o ano passado eram um estímulo óbvio - particularmente em fundos da Índia, que, segundo o especialista em administração de fortunas Randall Willett, representaram a maioria dos mais de 50 fundos que estiverem "ativos" no ano passado. Willett descreve os vários modelos de fundos, enquanto Clare McAndrew contribui com um estudo de caso do único fundo de hedge de arte, baseado no Reino Unido.

Há algumas inconsistências na cobertura: por exemplo, a taxação no Reino Unido e nos Estados Unidos é detalhada, mas o capítulo sobre o comércio ilegal de arte cobre apenas os Estados Unidos, deixando de fora o segundo maior centro de comércio de arte do mundo. Os litígios relacionados à arte estão crescendo e as legislações do Reino Unido e dos Estados Unidos diferem em uma série de aspectos que afetam o mercado de arte.

O que o livro não consegue fazer (e nem tenta) é prever como o mercado de arte vai evoluir, uma vez que ele ainda está em meio a um processo de reajuste depois da crise financeira recente. Essa crise teve um grande impacto, particularmente na área que registrou os maiores ganhos: a arte contemporânea. Alguns artistas estão vendo seu valor cair até 50%.

A decisão de "investir" em arte é complexa, mas este livro proporciona muitas informações para aqueles que pensam em aplicar seu dinheiro em Monet.

"Fine Art and High Finance: Expert Advice on the Economics of Ownership". Editado por Clare McAndrew.

Bloomberg Press, US$ 39,95, 336 páginas


Fonte: Jornal "Valor Econômico" de 15.01.2010

"Tentação de Santo Antônio" de Hieronymus Bosch - 1505/1506



Esse artista extraordinário se destaca entre os magníficos pintores da tradição flamenga por seu estilo único, inteiramente livre e por um simbolismo vivo, curiosíssimo, inconfundível e sem paralelo até nossos dias. Maravilhando e aterrorizando, Bosch expressou um forte pessimismo e as ansiedades de seu tempo, marcado por muitas revoltas políticas e distúrbios sociais.

Sua vida, tão enigmática quanto algumas de suas obras, foi marcada por um fato raro até o século 20: a fama em vida. Sua obra, quase toda marcada por seres fantásticos e eivadas de cenas demoníacas, é pequena mas continua recebendo a mesma atenção desde que foi criada. Hieronimus Bosch não sai de moda.

Para compreendermos melhor a importância e a personalidade de Bosch, devemos nos lembrar que ele viveu entre 1450 e 1516; Leonardo da Vinci entre 1452 e 1519 e Michelangelo entre 1475 e 1564. O que isso quer dizer? Que os três gênios estavam em atividade na mesma época. O trabalho de Bosch não tem a mais mínima relação com a obra dos dois italianos e não há nenhuma evidência de que o holandês soubesse da existência dos outros dois. O período em que os três viveram foi farto em acontecimentos que levaram a uma mudança de atitude em relação à Igreja. O protestantismo começou a surgir graças a Martin Luther lá pelo fim da vida de Bosch, mas os motivos e fatos que levariam a isso estavam em gestação há algum tempo.

As tentações sobrenaturais que Santo Antonio sofreu durante seu retiro no deserto egípcio foram relatadas pela primeira vez por Atanásio de Alexandria e desde então são tema recorrente na literatura e nas artes plásticas. Hieronimus Bosch fez desse tema um tríptico que é uma de suas obras mais célebres. Nela, através de símbolos, o artista nos relata os tormentos espirituais e mentais que o santo enfrentou. Em nenhuma de suas outras obras Bosch nos mostrou as vicissitudes da vida espiritual mais vividamente do que nesse tríptico. Nos painéis central e esquerdo, o pintor nos apresenta o horror do pecado e dos desatinos, um retrato pavoroso do Inferno e imagens do sofrimento do Cristo; no painel direito, Bosch retrata o santo firme em sua resistência às tentações do Mundo, da Carne e do Diabo. Numa era quando se acreditava piamente no Céu e no Inferno, e na iminente aparição do Anticristo, a postura serena de santo Antonio, o Eremita, nos olhando de dentro de sua capela assombrada, com certeza oferecia esperança e confiança na fé.

A Tentação de Santo Antonio, óleo sobre painéis de madeira. O central mede 131,5 x 119cm e os laterais 131.5 x 53 cm.

Acervo Museu de Arte Antiga de Lisboa, Portugal


Fontes:

www.wga.hu/frames-e.html?/html/b/bosch/index.html

www.mnarteantiga-ipmuseus.pt

Biografia



O seu nome verdadeiro era Jheronimus (ou Jeroen) van Aken. Ele assinou algumas das suas peças como Bosch (AFI /bɔs/), derivado da sua terra natal, 's-Hertogenbosch. Em Espanha é também conhecido como El Bosco.

Sabe-se muito pouco sobre a sua vida. A não existência de documentos comprovativos de o pintor ter trabalhado fora de Hertogenbosh levam a que se pense que Bosch tenha vivido sempre na sua cidade natal. Aí se terá iniciado nas lides da pintura na oficina do pai (ou de um tio), que também era pintor.

Foi especulado, ainda que sem provas concretas, que o pintor terá pertencido a uma (das muitas) seitas que na época se dedicavam às ciências ocultas. Aí teria adquirido inúmeros conhecimentos sobre os sonhos e a alquimia, tendo-se dedicado profundamente a esta última. Por essa razão, Bosch teria sido perseguido pela Inquisição. Sua obra também sofreu a influência dos rumores do Apocalipse, que surgiram perto do ano de 1500.

Existem registos de que em 1504 Filipe o Belo da Borgonha encomendou a Bosch um altar que deveria representar o Juízo final, o Céu e o Inferno. A obra, atualmente perdida (sem unanimidade julga-se que um fragmento da obra corresponde a um painel em Munique), valeu ao pintor o reconhecimento e várias encomendas posteriores. Os primeiros críticos de Bosch conhecidos foram os espanhóis Filipe de Guevara e Pedro de Singuenza. Por outro lado, a grande abundância de pinturas de Bosch na Espanha é explicada pelo fato de Filipe II de Espanha ter colecionado avidamente as obras do pintor.

Bosch é considerado o primeiro artista fantástico.

Obra

Atualmente apenas se conservam cerca de 40 originais seus, dispersos na sua maioria por museus da Europa e Estados Unidos da América. Dentre estes, a coleção do Museu do Prado de Madri é considerada a melhor para estudar a sua obra, visto abrigar a maioria daquelas que são consideradas pelos críticos como as melhores obras do pintor.

As obras de Bosch demonstram que foi um observador minucioso bem como um refinado desenhador e colorista. O pintor utilizou estes dotes para criar uma série de composições fantásticas e diabólicas onde são apresentados, com um tom satírico e moralizante, os vícios, os pecados e os temores de ordem religiosa que afligiam o homem medieval. Exemplos destas obras são:

* O Carro de Feno - (Museu do Prado, Madrid)
* O Jardim das Delícias - (Museu do Prado, Madrid)
* O Juízo Final - (Akademie der Bildenden Künste, Viena)
* As Tentações de Santo Antão - (Museu de Arte de São Paulo, São Paulo)
* As Tentações de Santo Antão - (Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa)
* Os Sete Pecados Mortais - (Museu do Prado, Madrid)
* Navio dos Loucos ou A Nau dos Insensatos - (Museu do Louvre, Paris)
* Morte e o Avarento - (Galeria Nacional de Arte em Washington, DC.


A par destas obras, que imediatamente se associam ao pintor, há que referir que mais de metade das obras de Bosch abordam temas mais tradicionais como vidas de santos e cenas do nascimento, paixão e morte de Cristo.

O original tríptico As Tentações de Santo Antão esta incorporado no Museu Nacional de Arte Antiga a partir do antigo Palácio Real das Necessidades. Desconhecem-se as circunstâncias da chegada da obra a Portugal, não sendo certo que tenha feito parte da coleção do humanista Damião de Góis, como algumas vezes é referido.


Fonte: Wikipedia