sexta-feira, 13 de junho de 2008

UMA CRÔNICA SOBRE FUTEBOL E ORGANIZADAS MODERNAS NO RIO


por Asclê Junior

- Aí, Serginho! Mê dá um “Cortezano e uma Skol!” – chegou Jorjão, batendo no balcão da birosca, com um largo sorriso no rosto.

- Pô, Jorjão, a Skol tá quente... a moçada do samba ontem barbarizou aqui. Tava bom pra caramba. – respondeu Serginho, tirando o suor da testa com uma mão e com a outra segurando a porta do “freezer” horizontal.

- Ah, por isso que a Norminha não tá na área hoje, né? E qual a “cerva” que tem aí? – disse ansioso, Jorjão.

- Tem “Brahma”, “Nova Schin”, “Antártica” e “Kaiser”!!! – falou Serginho, já servindo o “Cortezano”. – “Vai a “Nova Schin” mesmo?!?

- Formou, Careca! – disse categoricamente, Jorjão, com o copo de líquido vermelho-coral na mão. – Pô, Serginho, e o teu Botafogo, hein? Tá uma piada aquela moçada, viu? O meu tricolor é que tá bem... – afirmou olhando para as paredes do bar, cheias de “posteres” do Botafogo, assim como outros apetrechos. E continuou: - Vamos tomar o Maraca na quarta-feira... o tal Boca vai tremer! E você sabe por quê, Serginho? A “Young Flu” não deixa outra torcida em pé... Ninguém se cria com a gente.

Era um ensolarado domingo em Realengo, Rua Capitão Teixeira, ao lado do açougue, aonde ficava o bar, já havia sido uma casa antiga, da avó do Serginho. Normalmente, sua esposa, Norminha, quem cuida do ponto, mas era domingo e no dia anterior um grupo de samba havia estado por lá, motivo que Norminha estava descansando, já que fechou o estabelecimento às 04:30 da manhã. Como fazia sol com uma temperatura de 38 graus, Serginho não ia perder a oportunidade de obter algum lucro com “aquela lua”.

Seu Geraldo, que bebia sua “Brahma” e pesticava um ovo cozido, apenas observava e ria. Embora o tempo fosse generoso com ele, o mulato com mais de 70 anos, apresentava todas as marcas de uma vida bem-vivida, como ele próprio afirmava. Era um famoso botafoguense, que freqüentava a birosca do Serginho, justamente pelo dono ser torcedor do Botafogo também. Com um sorriso no canto da boca, resolveu entrar no assunto e foi logo dizendo:

- Jorjão, deixa de besteira!!! Antigamente a gente ia no estádio e todo mundo era amigo... Poxa, posso dizer que vou ao Maracanã desde a sua fundação e não tinha essa bagunça... quando o jogo acabava, todo mundo bebia cerveja junto, ou no bar do próprio estádio, ou do lado de fora. Entendeste?

- Numa boa, seu Geraldo, antigamente não tinha torcida como tem hoje. Hoje em dia damos show!!! Cantamos músicas, levamos fogos, temos coreografias... antigamente o pessoal nem ia com a camisa do time. – retrucou de forma exaltada, Jorjão.

- Mas antigamente não tinha essa pancadaria de hoje, não tinha tiroteio, nem antes, nem depois. O pessoal ia pra torcer pro seu time e no máximo era só zoação. Pra você ver: teu time em 57, perdeu de 6 X 2 do Botafogo, saímos do estádio e fomos beber cerveja juntos. – afirmou Geraldo com convicção.

- Ah, se fosse hoje, ia ter porrada, porque eu não agüento zoação... Mesmo ganhando, os “cara” têm que sair com cabeça baixa perto de mim.

- É por isso que não piso mais no Maracanã. – respondeu Geraldo – Com essa bagunça, melhor não ir. Temo até pela vida de meus netos quando vão lá. Ano passado morreu um garoto perto do estádio, você acha que isso é torcer?

- Acho! – Respondeu agressivamente Jorjão.

- Pois é, você paga pra organizada? Quanto é? – indagou Geraldo.

- Pago sim, pago pouco... uns 20 reais por mês pra pagar meia no estádio, já que o clube dá os ingressos pra gente! – respondeu mais calmente Jorjão

- Mas você é sócio de teu clube? – perguntou novamente Geraldo.

- Não. – disse Jorjão.

- Você pelo menos tem o plano de saúde da UNIMED, que patrocina o tricolor?

- Não, o meu é o do meu pai... acho que é Sulamérica. – respondeu intrigado, Jorjão – Mas por quê, Seu Geraldo?

- Poxa, meu filho, você não ajuda o teu time, nem o patrocinador, mas contribui à torcida organizada. Só falta você me falar que a camisa é comprada no camelô? – devolveu Geraldo.

- Pô, Seu Geraldo, tenho 21 anos, tô fazendo o supletivo, ganho um salário mínimo e meio, tenho que dar a pensão do meu garoto, que tá com 4 anos e vai pro colégio todo dia e tem que sobrar um dinheiro pra eu poder curtir, como vou comprar uma camisa de 160 contos? – reclamou Jorjão.

- Por que a torcida não monta um time? – perguntou Geraldo, fazendo pilhéria.

- Ah, sei lá, Seu Geraldo! – respondeu sorrindo Jorjão.

- Mas nisso tudo tem uma verdade, você acha que tá ajudando o teu time? Você acha que o Fluminense tá sendo ajudado por vocês? – Geraldo continuou perguntando.

- Claro, né, Seu Geraldo?!?!?!? – disse Jorjão, abrindo os braços e sorrindo.

- Serginho, me dá a conta! Tem gente que é besta mesmo... – disse Geraldo, se voltando para Serginho e piscando o olho.

- Peraí, Seu Geraldo! O senhor já vai? Hahahahahahahaha... o senhor é gente boa, mas tá ultrapassado. – disse Serginho jocosamente.

Geraldo terminou seu copo, saiu da birosca e, de costas, levantou os braços, mostrando sua insatisfação pelo seu último comentário.

Na quinta-feira seguinte, Geraldo compra o jornal "O Dia" e, de cara, lê a seguinte manchete: TORCEDOR DO FLUMINENSE É ASSASSINADO ANTES DE CHEGAR NO MARACANÃ. Abaixo continua: Jorge Luiz do Nascimento, 21 anos, morador de Realengo, na Zona Oeste, foi encontrado morto a tiros na Praça da Bandeira. Testemunhas afirmam que houve encontro da torcida “Young Flu” com a rival “FJV” no local, duas horas antes de jogo no Maracanã. - Geraldo, com o jornal em uma das mãos, levanta os dois braços, como fez a última vez que encontrou o agora finado Jorjão.

3 comentários:

Asclê Junior disse...

Curiosidade: Tanto Serginho (meu primo) e Norminha, quanto à "birosca", existem realmente, no endereço mencionado no texto.

Diogo Henrique disse...

Fala ai Piedes mandou bem na Cronica o final e meio melo dramatico mas tudo bem. kkkkk
Abraço ai Piedes.

Asclê Junior disse...

Diogo, numa boa, ao meu ver esse negócio de torcida organizada tem sempre final "melodramático"... a história é sempre a mesma, o que mudam são os personagens e, claro, os jogos!

Unabraço!!!